O editor da Rolling Stone Brasil relembra alguns dos “chiliques” folclóricos e os grandes momentos do artista
Todo mundo que trabalhou no mercado musical na mesma época que Tim Maia tem alguma história protagonizada por ele. A primeira vez que eu ouvi uma música dele foi em 1970, quando a faixa “Coroné Antônio Bento” tocava sem parar nas rádios. A canção era um baião e pouco tinha a ver com o groove e o soul com jeitão brasileiro que o cantor, nascido Sebastião Rodrigues Maia, tão bem representava.
O início da década de 1970 marcou o começo da consagração do carioca, mas até então o que tocava dele nas rádios eram as baladas, como “Primavera” e “Azul da Cor do Mar”. Em meados daquela década, Tim Maia se envolveu com a doutrina da Cultura Racional. Era comum vê-lo em programas de televisão com a cabeça raspada, vestido com uma bata branca, divulgando os preceitos da tal seita. Em pouco tempo ele se desencantou com o movimento, mas o envolvimento legou dois excelentes e muito procurados LPs, ambos chamados Tim Maia Racional, que saíram por um selo que ele havia criado, chamado Seroma. Ele ficou um tempo no ostracismo comercial, mas isso acabou com a chegada de Tim Maia Disco Club, que embalou muitas festas e pistas de dança no fim dos anos 1970. Apesar dos altos e baixos que enfrentaria adiante – muito por causa de seu temperamento explosivo e língua solta – ele nunca mais saiu de cena. Quando gravou “Vale Tudo” (1983) ao lado da cantora Sandra de Sá, Maia tinha à sua disposição mais um poderoso bordão que pautaria o resto da carreira dele: a vida dele tinha virado mesmo uma espécie de “vale tudo”.
Discografia comentada: Tim Maia, o groove do síndico
Eu vi três apresentações de Tim, todas em casas de espetáculo paulistanas que já não existem mais, como o Palace e o Olympia. Tim Maia ao vivo sempre foi uma barafunda. Um show dele nos dias ruins era mais ou menos assim: “Vale tudo, vale tudo, vale tudo. A h, canta aí, gente, não estou muito a fim de cantar hoje. Ah, antes que eu esqueça, vale tudo!”. Outra coisa amplamente difundida é que invariavelmente havia um bate-boca com o engenheiro de som: “O que eu quero, é mais grave, o que quero? Mais agudo! Ô, meu amigo aí da mesa, ajeita essa merda de som, se não subo aí e tu vai ver!”. E o engenheiro respondia: “Vai subir o quê, seu gordo! Vem cá e você vai ver!”. Isso tudo no meio do show. Ou então, em algumas ocasiões, ele falava: “Olha pessoal, tô de saco cheio” e abandonava o espetáculo no meio. Isso para não mencionar as (cada vez mais frequentes) ocasiões nas quais ele simplesmente deu o cano.
Sempre folclórico, ele era uma fábrica de confusões, soltando frases esdrúxulas e protagonizando ações totalmente inesperadas. Nos anos 1980, gravou muita coisa boa de funk e soul, mas obteve mais sucesso com baladonas radiofônicas como “Me Dê Motivo” e “Um Dia de Domingo”, esta última um dueto com Gal Costa. Foi neste período que comecei a cruzar com Tim Maia pessoalmente, devido a motivos profissionais. Certa vez, no começo dos anos 1990, em uma entrevista coletiva em um hotel na região da Augusta, ele olhou fixamente para fileira de jornalistas sentados que aguardavam para falar com ele. “Cacete, mas como tem gordo em São Paulo”, fuzilou.
Outra vez, mais ou menos em 1991 ou 1992, eu iria entrevistá-lo no hotel Della Volpe, na rua Frei Caneca. Quando cheguei no lobby, a assessora de imprensa da casa onde ele faria o show disse: “Olha, o Tim surtou, não quer falar com ninguém”. Fui para o orelhão e liguei para a redação: “Olha, coloca aí outra coisa na página nove, ele não quis falar”. Algumas horas depois aparece o Zé Maria, o fotógrafo que me acompanharia na pauta, que havia chegado no hotel dez minutos depois que fui embora e deu de cara com Tim na entrada. Ele estava distribuindo discos, todo sorridente, dando autógrafos como se nada tivesse acontecido. A bipolaridade do Tim furou minha pauta. Parabéns para mim, que ali entrei também para o rol dos muitos que um dia tomaram cano do Tim Maia.
De 1996 a 1999, eu trabalhei como repórter em uma revista voltada ao mercado fonográfico chamada Shopping Music. Em uma sexta-feira, por volta das 17h30, em meio a uma festa de confraternização, o telefone tocou. O proprietário da empresa atendeu e começou a gritar “Toninho! Toninho! O Tim Maia quer falar você”. Esse Toninho era o Spessoto, editor-chefe da publicação. Ele não levou a sério: “Ah, vá se foder, que Tim Maia o quê”. E o dono da editora insistia: “Toninho, o Tim Maia quer falar com você, vem logo”. Quando Toninho finalmente atendeu, o diálogo com o interlocutor foi assim: “Sim, Tim, legal, Tim, pode deixar, Tim”. Claro, era o Tim Maia mesmo. O artista, na época, estava com uma gravadora própria, a Vitória Régia. A revista que fazíamos publicava uma página de contato com os telefones e endereços das empresas fonográficas. Tim apenas queria que o empreendimento dele também fosse incluído lá. Era isso, negócios apenas. O mal entendido entre o Tim e o Toninho logo foi resolvido e ficou a promessa de que faríamos uma matéria com ele, talvez fosse até mesmo uma capa. O cantor foi solicito e simpático – Tim era envolvente de um jeito picareta; em cinco minutos você se tornava o melhor amigo dele e vice-versa. Ficou a promessa de que, quando estivesse em São Paulo, ele faria uma visita à redação e conversaria à vontade com a gente. Logo depois disso, 15 de março de 1998, ele acabou morrendo. O cantor havia passado mal e sido hospitalizado alguns dias antes, quando gravava um especial de TV no Teatro Municipal João Caetano, em Niterói, no Rio de Janeiro. O Brasil inteiro ficou alarmado quando viu as imagens do artista deixando o palco em agonia. O cantor estava pesando 140 quilos e o corpo dele já não suportava a quantidade enorme de excessos químicos e alcoólicos a que foi submetido ao longo dos 55 anos de vida do cantor.
Hoje, Tim Maia teria 75 anos. Se ele estivesse ativo e com saúde, poderia estar fazendo barulho e também arrumando encrenca nas redes sociais. Ou então, estaria ocupado com projetos importantes e relevantes, seguindo como uma eterna referência da música black brasileira. Com uma cara tão imprevisível quanto Tim Maia, fica difícil de saber qual seria o destino dele. Mas Tim era alegria, música e diversão. Sendo assim, hoje é dia de celebrar o incrível legado deixado por ele.