Banda tocou exatamente no dia em que o disco Jesus Não Tem Dentes no País dos Banguelas completou 30 anos e homenageou corredora que fez transplante de coração
A já tradicional corrida de rua Rolling Stone Music & Run chegou à sexta edição paulistana neste sábado, 25. O evento ganhou casa nova: o espaçoso Sambódromo do Anhembi, na Zona Norte de São Paulo. Desta vez, o Titãs foi responsável por finalizar o dia, com um show que reuniu hits e esteve recheado de momentos emocionantes, incluindo a participação de uma corredora e fã da banda que passou por um transplante de coração e, ano passado, retornou ao esporte correndo 5k na quarta edição da Music & Run, feito que repetiu hoje.
No Anhembi, a capacidade da corrida aumentou: agora foram mais de 10 mil presentes, que esgotaram absolutamente todos os ingressos e puderam escolher entre realizar percursos de 5km ou 10km – fora a caminhada de 3km –, antes do show com open bar de cerveja. Além do Titãs, a banda Warriors também aqueceu o público com dois sets exclusivos, reunindo e reproduzindo clássicos da história do rock, tanto nacional quanto estrangeira.
O começo de noite estava quente, com os termômetros da rua indicando cerca de 30º de temperatura. Por volta de 19h, quando foi dada a primeira largada, contudo, o ambiente já estava mais ameno e chegada dos ventos noturnos contribuiu para a atmosfera agradável para a corrida. A primeira partida aconteceu para o percurso de 5km, sendo seguida pela largada da caminhada de 3km, às 20h, e, por último, a corrida de 10km, meia hora depois.
O Warriors tocou duas vezes: o começo foi às 19h10, saudando os corredores de 5km e fazendo o aquecimento para os que iriam caminhar por 3km. Depois, o grupo subiu ao palco às 20h40, marcando o início do open bar – às 21h –, recebendo os corredores que chegavam e preparando o terreno para as premiações e para a grande atração da noite, o Titãs. Este ano, o Warriors teve uma formação diferente: em vez de Leo Beling, que também é vocalista do Republica, quem assumiu os vocais foram Ana Andrade e Thaís Piza, uma em cada set, ambas somando performances poderosas e muita simpatia, além de Sergio Kachikian, que eventualmente tomou o microfone principal.
“Quem veio correr e quem veio pra tomar cerveja e ouvir rock and roll? Essa é pra todo mundo cantar!”, disse o baixista Arnaldo Rosa, antes de puxar uma performance de “Rádio Pirata”. Além da clássica faixa do RPM, o Warriors foi dos anos 1960 – com “A Hard Day’s Night”, dos Beatles, “Oh, Pretty Woman”, de Roy Orbison – até “Used to Love Her”, lançada pelo Guns N’ Roses nos anos 1990. A banda demandou muita energia e coros do público, passeando por ícones do punk (como “Blitzkrieg Bop”, do Ramones, e “The Kids Aren’t Alright”, do The Offspring) até hinos no rock nacional oitentista, como “São Paulo”, conhecida com os Inocentes.
Não havia dúvidas de que o repertório estava cheio de peso e história, e ainda houve espaço para o pós-punk do The Cure (“Boys Don’t Cry”), o glam de David Bowie (“Rebel Rebel”) e até um aceno a Cássia Eller em “Malandragem”. “Essa vocês não conhecem, é uma música nova, novinha”, brincou Thaís, chamando “Sweet Child O’ Mine”, clássico absoluto do Guns N’ Roses e penúltima na segunda apresentação do Warriors, A faixa levantou a plateia, que já estava bastante lotada. Pouco antes de deixar o palco, a banda ainda tocou “Highway to Hell”, petardo da fase setentista do AC/DC, que rendeu uma breve lembrança a Malcolm Young, guitarrista da banda australiana que sofria de demência há anos e morreu recentemente.
Entre os shows de Warriors e Titãs aconteceu a premiação dos vencedores das corridas. “É muito legal porque aqui é todo mundo muito animado”, disse Mariana Regina Arins, atleta profissional que foi a primeira colocada na prova de 5km. Segundo ela, que é de Santa Catarina e nunca tinha participado da Rolling Stone Music & Run, o diferencial da corrida noturna paulistana, além do astral elevado, é a quantidade de pessoas. “É muita gente! Normalmente corro com 3 ou 4 mil”. Waldecir Delmonte dos Santos, vencedor dos 10km masculino, não corre profissionalmente, mas é veterano na corrida da Rolling Stone. “Já ganhei em 2015 e fiquei em terceiro depois”, conta, orgulhoso. “Vim pela corrida e pelo som também.”
Quem também gostaria de ter competido por um lugar no pódio é o guitarrista Tony Bellotto, do Titãs. "Fiquei pensando em correr e fazer o show, mas achei melhor não. Talvez fosse muita coisa para uma noite só", brincou, em uma conversa que aconteceu poucos minutos antes da eletrizante apresentação da banda. “É ótimo receber a galera cheia de energia. Eles já chegam com a adrenalina lá em cima [após a corrida], e tudo fica melhor quando é somado a rock and roll”, adicionou o tecladista Sérgio Britto.
Bellotto, Britto e Branco Mello são os representantes das raízes oitentistas da banda, que hoje é completada por Beto Lee na guitarra e Mario Fabre na bateria, após a saída de Paulo Miklos, em 2016. Segundo o tecladista (que também está nos vocais e no baixo atualmente), a mudança na formação é um combustível para novos desafios. “Estamos sempre buscando algo que nunca fizemos antes e, de toda a nossa carreira, esta é a fase mais frenética em termos de produção.”
Tanto trabalho irá culminar em uma ópera rock em 2018. “Já gravamos mais de 25 músicas, e agora estamos ensaiando para a apresentação nos palcos. É um projeto muito elaborado, mas também extremamente divertido de se fazer”, comenta Mello. “Estamos muito felizes por poder experimentar novas realidades, e também por sermos pioneiros no assunto no Brasil”, disse Belloto. Do álbum, já se conhecem três músicas: “Doze Flores Amarelas”, “A Festa” e “Me Estuprem”, tocadas pela banda no Rock in Rio, em setembro.
O Titãs subiu ao palco minutos depois das 22h. O Anhembi já estava abarrotado pelas pessoas que haviam corrido e já estavam desfrutando do open bar de cerveja. Depois da saída de Miklos, o quinteto praticamente abdicou do disco mais recente, Nheengatu (2014), no setlist, focando quase exclusivamente nos sucessos mais antigos. Exatamente na data da RS Music & Run, um álbum clássico do Titãs, Jesus Não Tem Dentes no País dos Banguelas, completou 30 anos. “Vamos celebrar!”, gritou Sergio Britto antes de tocar a pesada “AA UU”.
O clima estava perfeito, com o calor já bem menos incômodo, e nem o cansaço dos quilômetros percorridos mais cedo afetaram na animação do público. Depois de músicas irreverentes, como “Diversão” e “A Melhor Banda de Todos os Tempos da Última Semana”, o Titãs pôs o Anhembi a cantar com “Família” e “Sonífera Ilha” – cenas que se repetiriam com as baladas vastamente conhecidas “Pra Dizer Adeus” e “Epitáfio”, entre outras. De inusitado tivemos “32 Dentes”, emblemática canção de Õ Blésq Blom (1989). “A gente não toca faz um bom tempo”, avisou Mello.
Antes de “Pra Dizer Adeus”, Tony Bellotto elogiou os corredores. “Vocês correram 5km e 10km e estão muito animados – isso é muito legal”, disse, antes de pedir ajuda à plateia para cantar a faixa e, curiosamente, dedicar a balada a uma garotinha que estava dançando efusivamente em frente palco desde o começo do show. “Do Barão Vermelho para vocês”, anunciou Britto, antes de cantar a cover da “banda irmã” – como ele se referiu ao grupo – de “Pro Dia Nascer Feliz”, e emendar “Go Back”.
A sequência mais animada, com certeza, foi quando os Titãs enfileiraram “Marvin”, “Homem Primata”, “Polícia” e “Flores”, botando o Anhembi entupido de gente para cantar a plenos pulmões. Em “Flores”, aliás, uma bela homenagem deixou todo mundo emocionado. A corredora Patrícia Fonseca, fã do Titãs que passou por um transplante de coração, subiu ao palco e cantou o hit. “Se eu estou viva hoje é graças a uma doação de órgão e queria dizer que viver é muito rock and roll”, disse ela.
O quinteto saiu do palco aos pedidos de “mais um” e, depois de um breve momento, retornou para o bis, igualmente incendiário, com “Desordem” e a ácida “Bichos Escrotos”. Foi um encerramento tão animado quanto o resto do show, para que todos pudessem voltar para casa de alma lavada.