À Rolling Stone Brasil, Jean Machado, Lay e Lio Soares refletiram sobre cada uma das nove faixas que compõem o primeiro volume do segundo disco da carreira, Chegamos Sozinhos em Casa
Com Chegamos Sozinhos em Casa, novo álbum da discografia, a Tuyo convida o público para uma série de questionamentos e abre um diálogo profundo sobre o processo de ‘adultecer’ e os significados do não-lugar. O segundo disco da banda curitibana, formada por Jean Machado, e as irmãs, Lay Soares e Lio Soares, lançado nesta quinta, 27, é uma sessão densa, intensa e de difícil digestão - é um espaço íntimo (e assustador) de reflexão.
"[...] Somos uma banda que gosta de conversar, de provocar, por isso as letras talvez sejam tão provocativas", explica Lio Soares em entrevista à Rolling Stone Brasil. "[...] Parece que o papel do público é desvendar o nosso subconsciente. A gente joga as figuras e as pessoas vão montando os quebra-cabeças."
Apesar de manter essa particularidade no novo projeto, a cantora complementa: "[Neste disco] Quisemos nos dar liberdade de experimentar outras coisas. É um desafio que a gente se permite enquanto uma banda que transita independentemente e não responde a grandes marcas ou a grandes gravadoras. Quisemos aproveitar essa liberdade de se arriscar."
Para Jean Machado, o Chegamos Sozinhos em Casa é um "disco mais permissivo". Com o novo projeto - dividido em dois volumes, além de uma versão deluxe -, a Tuyo quis apostar em líricas, sonoridades e estéticas nas quais a banda sentia afinidade e afeto: "[a ideia era] Fazer o que gostamos. [...] Sinto que ele nos permite visitar novos lugares", diz o músico.
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Lay Soares conta ter sido a primeira vez em que a banda conseguiu dedicar um bom tempo para criação de um disco, sem o caos e a correria da turnê, e consequentemente, sem testar as canções ao vivo antes de compartilhá-las na internet. Para a cantora, foi uma oportunidade interessante para se familiarizar mais com as faixas e compreendê-las melhor antes de apresentar em um palco.
Também pela primeira vez, os três integrantes decidiram se aventurar na composição em conjunto, em um mesmo momento, em um mesmo lugar. A partir desse novo espaço de criação, que antes era algo muito individual de cada artista, a Tuyo se permitiu experimentar e se reinventar dentro da própria identidade musical.
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"O Pra Curar é um disco maçudo, cheio de camadas, de ambientação. Na nossa percepção, Chegamos Sozinhos em Casa tem mais refrão, tem uma linguagem que a gente julga um pouco mais popular, mais democrática. O desafio foi tentar diluir as mensagens sem perder a força e o impacto delas. [...] Ele é experimental, mas não enquanto uma categoria estética tipo HermetoPascoal, Björk, coisas desse naipe. Ele é um experimento de popularização da nossa linguagem", explica Lio.
O segundo disco da Tuyo, patrocinado pela Natura Musical, reforça a identidade musical da banda: dos sintetizadores e linhas dos violões aos flertes com a música eletrônica e à sensibilidade ao provocar o público com canções íntimas, capazes de abrir um espaço complexo de diálogo.
Lio reflete sobre a estética e identidade musical: "[Chegamos Sozinhos em Casa] mostra quais timbres a gente repete, quais temas repetimos, e quais coisas estamos dispostos a abrir mão. Até os movimentos de reinvenção são uma espécie de manifesto de quem somos. A gente está disposto a abrir mão do violão, da estética minimal, da coisa mais ‘conceituda’. Não sei até que ponto, porque a gente adora um textão [risos]". Lay completa: "Esse disco é sobre estabelecer mesmo a identidade."
Além da Tuyo gerar uma identificação sincera com o público, principalmente pela lírica autêntica, a banda tem uma habilidade singular e transcendental para abrir espaços de diálogo com o público através das canções. As nove faixas de Chegamos Sozinhos em Casa reforçam esssa ideia e buscam uma conversa com quem ouve: uma característica fascinante e mágica do trio.
Se o assunto é conversa, portanto, a Tuyo sabe como elaborar e provocar - e não apenas nas canções. Por este motivo, à Rolling Stone Brasil, os três integrantes refletiram e analisaram cada uma das nove músicas que compõem o primeiro volume do segundo disco da carreira, Chegamos Sozinhos em Casa.
Fique à vontade para viajar, acompanhado da Tuyo, pelos processos criativos, inspirações e produção desse álbum repleto de significados - e, é claro, não esqueça de dar o play em Chegamos Sozinhos em Casa para tornar essa experiência ainda mais deliciosa.
Jean: "Vitória Vila Velha" é um manifesto de saudade da minha terra natal e da relação que tenho um com o lugar onde nasci. Nasci em Vila Velha, no Hospital de Vila Velha, e tenho essa relação com essas duas cidades. Elas têm uma distância e uma relação econômica tipo Campinas e São Paulo. Tudo muito próximo - pessoas de Campinas trabalham em São Paulo, porque é tudo muito pertinho. E, existe uma ponte que liga essas duas cidades [Vitória e Vila Velha]. [...] Saí do Espírito Santo com 12 anos de idade e fui morar em Londrina, onde conheci as meninas. Nunca tinha retornado à Vitória e tinha algumas memórias sobre como era, sobre a rotina que tinha na cidade.
Essa letra fala muito sobre tempo. No momento em que escrevi essa música, tinha muita vontade de retornar à Vitória. Mas, entendi que mesmo revisitando, nunca seria o mesmo lugar e nunca seriam as mesmas pessoas, porque aquele lugar já não existe mais. Esse manifesto é um rolê de aceitar o fato desse tempo não existir mais, e também me encontrei sem um lugar, sem um lugar natal. "Vitória Vila Velha" fala muito sobre nossa história enquanto músicos também. Aprendemos a tocar, nosso primeiro contato com música e composição foi dentro de igreja, e gostamos muito de um artista chamado Kirk Franklin - e o rolê do gospel dele é muito forte para nós.
Lio: As escolhas de arranjo passam pelas estruturas que o Kirk Franklin propõe nas músicas, mas não quisemos replicar ou fazer uma fotocópia do que ele faz - como chamar um coral -, mas a estrutura, acredito eu, está próxima. Gosto muito de abrir o disco com uma canção que nega ou experimenta coisas bastante distantes da estética de "Solamento", por exemplo, que é mais melancólica, e conta com a delicadeza do violão. [Em Vitória Vila Velha] A gente só queria um baixo ignorante e uns timbres escancaradamente sintéticos.
Ouça "Vitória Vila Velha":
Lio: Boa parte dessas músicas, escrevemos juntos. Mas, os temas foram passando por nós enquanto estávamos em turnê com o Pra Curar no ano de 2019. Entrei no avião, encostei a cabeça do lado, pensei: 'O que faço quando voltar para casa. O que vou fazer? Porque ainda moro com Jean, mas preciso sair de lá e ir para outro lugar'. Bom, o jeito é ir embora. Aí essa sentença virou a força motriz para um incômodo que ultrapassa o meu episódio - e passei a querer escrever sobre essa investigação que fazemos após precisar descobrir sozinho o que acontece com o próprio corpo.
Esteticamente, esse disco tem uma marcação interessante - nossa vontade de replicar nossas influências na construção melódica. Em "Vitória Vila Velha", passamos pelo gospel de Kirk Franklin e em "O Jeito é Ir Embora", quis muito replicar melodias tipicamente sertanejas. Lembro que quando a gente construiu a melodia da estrofe, pensei: O que Marília Mendonça faria? Se quem escutar o disco não entender assim, paciência. Mas, foi a partir dessa premissa que ela foi desenhada.
"O Jeito é Ir Embora" foi pautada em cima dessa vontade de deixar mais evidente nossa relação com a nossa infância em Londrina, uma cidade em que o sertanejo é muito forte. E aí a mágica acontece quando entregamos esse sertanejo nas mãos do Lucas Silveira, quem produziu essa música. Foi nossa primeira experiência de produção com ele. Ele trouxe para a Tuyo tudo o que está experimentando nos 450 trabalhos dele para além da Fresno. A ideia dos timbres nostálgicos. Esse retorno monumental dessa estética não foi exatamente uma busca nossa, mas um movimento proposto pelo Lucas e acolhido por nós.
Assista à versão de "O Jeito É Ir Embora" do SXSW:
Lay: Essa é uma música muito divertida. Quando escrevi, registrei um sonho maluco que tive na época. Sabe aquele cochilo da tarde pós almoço que você sabe que não pode dormir muito senão vai passar o resto da tarde mal porque precisa trabalhar e, na verdade, você tem realmente apenas aqueles cinco minutinhos? Aí fui dormir e tive um sonho. Quando tenho esses pequenos cochilos, tenho sonhos muito reais, que você acorda meio confuso, não sabe se foi verdade ou uma memória. E a única coisa que fiz, foi registrar e escrever. Escrevi exatamente como sonhei e a Lilian me ajudou na letra, porque tinham partes que não conseguia adjetivar da forma como queria.
Ao mesmo tempo, além de ser uma música que relata fatos, como a gente está falando de um sonho, ela dá margem para muitas teorias. [...] O sonho tem muitos elementos do dia a dia, coisas que você viveu, mas tem muitas coisas que emergem de você. É como pegar um gravetinho em um lago parado, em uma água parada e mexer. Você vai ver como as coisas vão subir. [...] Lembro de ter uma sensação muito gostosa com esse sonho. Parecia que eu tinha entrado em uma frequência de calma. Por isso gostei tanto de escrever esse sonho. Quis lembrar dele. [...] Mas, sinto que ainda não toquei muito no significado dela para mim. E acho muito bonito essa brincadeira de entender, de se questionar.
A sensação [do sonho] era de ir para um lugar que eu não sei qual é. Aí chegamos a um ponto em que conversa com toda a temática do disco, de se encontrar em movimento, mas entender sobre o não-lugar mesmo. Sei de onde vim, sei para onde eu vou, mas qual é o trajeto? O que me espera?
Lio: O apelido que a gente dava para essa música era "música de filme", porque parecia trilha de filme de ação.
Jean: Gosto muito de house e de música eletrônica. Gosto muito desse rolê hipnótico da música eletrônica de apresentar um contexto, ficar repetindo ele, e apresentando novos elementos. No fim, você está sendo levado e nem sabe como. Eu estava estudando isso, tentando compor um pouco nesse gênero e foi o contexto escolhido para trazer essa lírica do sonho da Layane. E aconteceu uma coisa legal também, a tampa para fechar: a participação do Luccas Carlos.
Lay: Ele deu uma continuidade para uma coisa que vivi dormindo. Quando ele começa a cantar, parece que ele acabou de acordar do sonho. Achei muito legal o contraste. Achei muito bonito o tipo de continuidade dado por ele. Essa música deu um giro completo.
Assista ao clipe de "Sonho da Lay":
Lay: Gosto muito de escrever sobre uma coisa específica, que depois pode se desdobrar para outras possibilidades. "Pronta Pra Cair", o refrão dela, é sobre a Lilian e minha falta de paciência com ela [risos]. Quando a gente podia andar na rua para precisar resolver uma coisa no banco, ela me pedia companhia dela. [...] Às vezes, nem quero ir, mas preciso ir, porque ela se distrai muito fácil na rua, porque ela está resolvendo mil coisas no celular, ouvindo o áudio, fazendo e acontecendo. Então, sempre estou ali para ver onde ela está. É sempre ela indo, andando, andando e fico um pouquinho atrás observando se está tudo bem.
Acho que fala muito sobre o nosso relacionamento de irmãs, em que lugar cuido dela e ela cuida de mim. Além desse lance, essa música expande um pouco mais quando vou para as estrofes. E aí já não é mais sobre como me relaciono com a Lilian, é sobre como me relaciono comigo e quem eu sou. O Lucas [Silveira] queria mudar uma pequena parte da letra de terceira para primeira pessoa, mas não quis porque gosto da bagunça de não saber se está em primeira pessoa. Em alguns momentos, sou a espectadora, e em outros, protagonizo.
Penso ser sobre várias situações do desespero e da contemplação do desespero, de você ver o caos ali na frente e entender a paz que só o caos pode trazer. Não consigo compreender o caos e a paz vinda dele, mas é isso. Passo por essas coisas e essas coisas passam por mim.
Lio: E, mais uma vez, Lucas Silveira empresta para a gente a característica de dramalhão, que é herança dele na Fresno. Ele produziu e cantou nessa música. Estávamos discutindo sobre o lugar Linkin Park vibes que ela podia ambientar. Essa característica catastrófica também replicada esteticamente. Quando ele entregou as demos, pensamos estar faltando alguma coisa. Ele não tinha entregado os agudos dele, falei: 'Lucas pegue essa música de volta e pode vir com o agudo'.
Ouça "Pronta Pra Cair":
Lio: Todas as faixas tinham nomes alternativos relacionados com a estética. "Sem Mentir" chamava Kamasi Carey [Kamasi Washington + Mariah Carey].
Jean: [Chamava assim] Por causa do refrão, a gente estava ouvindo o último disco da Mariah Carey e tinha uns refrões muito bons. Ele é bem minimalista, bem para trás. Na época, também estávamos com uma música do Kamasi que tem uma melodia muito bonita, e tentamos replicar isso no som. Acho que a gente foi abandonando essas ideias, e aí a "Sem Mentir" nasceu e tomou conta. Mas, foi a primeira música a ficar pronta do Chegamos Sozinhos em Casa. Ela tem a importância dela na história toda também.
Lio: Essa música é uma conversa comigo. Estava falando com a Lio do passado - "ou a gente vai pra frente, ou você fica aqui remoendo". Eu tinha escolha de permanecer muito amargurada com as coisas que saíram do meu controle na época. Coisas que eu não gostaria que tivessem acontecido. É bem a situação em que todo mundo vive atualmente. Tem horas que não dá para fugir desse encontro com você.
Parece, na minha percepção, que existe um reforçamento advindo de outros lugares. Aquela coisa: "Não dá tempo de chorar, não dá tempo de sentir a coisa. É preciso estar atento e forte, não temos tempo de temer a morte". [...] Acredito que "Sem Mentir" seja um recorte do que acontece depois de muito tempo tentando evitar um tipo de explosão [de sentimentos]. [...] Parece uma tentativa vã de não exercitar a musculatura do sentir, que é uma das provocações da era emo a se autorizar ao choro.
Sabe quando você está em um trabalho chato para por**, porque você não aguenta mais? Aí tem uma hora que você precisa chorar escondido no banheiro, porque o seu gerente é um inferno. Depois, tem aquele momento que você lava o rosto, respira fundo, está vermelho de tanto chorar, mas você precisa voltar a trabalhar. Penso que "Sem Mentir" seja esse retrato.
Assista ao clipe de "Sem Mentir":
Jean: [O Que Você Diria Agora] fala sobre saudade e raiva. É um convite para o confronto. Tem um pouco dessa relação com a minha saída da terra natal e o meu distanciamento com minha família. No momento que escrevi, direcionei para o meu pai, com aquela crise de todo jovem brasileiro, acho que todo mundo tem uma crise com o próprio pai. Acho que dá para muita gente se identificar.
Jean: Em algum lugar, penso nela como um confronto consigo mesmo. De olhar gora e se questionar com a pessoa do passado: 'E aí, o que você vai falar agora? Você está fugindo de mim, mas vou atrás de você, quero olhar no seu olho e você me dizer o que você pensa'. Minha vontade é fazer isso com muita gente. Acho que é só assim que se resolve, de poder mandar o que pensa. [...] É um convite para ser minimamente honesto e dizer o que move cada comportamento.
A estética dela nasceu com uma referência de R&B, de uma banda que gostamos muito, chamada The Internet, queríamos replicar um pouco disso. Mas, acho que estávamos tão fritos que a música ficou feita, e estava muito bonita. Daí pensamos em deixar ela doida também.
Lio: Essa música, em particular, é um retrato bem fiel do nosso compromisso com a gente mesmo, de fazer coisas que estávamos a fim de fazer sem pensar muito mercadologicamente. Estávamos sentados no chão na casa do Bruno Giorgi, antes de pandemia. [...] Bruno deu uma ideia maravilhosa de chamar o Lux, quem fez as teclas. Os sintetizadores, e os pianos estão nessa faixa e nas outras produzidas pelo Bruno, nas mãos do Lux - é um absurdo de talento e sensibilidade.
Bruno é o paradoxo do cara extremamente técnico e sensível. A gente tinha algum medo de experimentar o novo, e o Bruno foi quem dissipou esse medo, porque ele é um cara muito livre esteticamente. Em 80% desse dia, o Bruno falou: 'Mas e se a gente...'. Ter atuado sobre a direção dele foi bastante libertador. Foi um dos núcleos que a gente operou com menos pressão.
Jean: Foi legal para caramba cantar [nessa música]. Foi uma libertação. Estou com outra voz, diferente do Pra Curar. Estou mais cansado, com mais raiva também [risos], uma raiva apática. Todo sentimento de insatisfação nesse disco é uma apatia de cansaço.
Ouça "O Que Você Diria Agora":
Lio: Passei por alguns momentos. Fomos criados em Igreja, a mãe do Jean é de coral. Eu e Layane, nosso pai é pastor Batista. Aquela história que está todo mundo acostumado: 'Fulano cresceu em Igreja, depois desviou'. Sabe quando você está nas últimas do namoro, mas você ainda gosta da pessoa? Escrevi uma música sobre isso quando estava nas últimas do meu relacionamento com Deus. Mas, após jogar uma música no mundo, as pessoas fazem com isso o que elas querem e essa música tomou um rumo muito diferente do que eu previa.
Há muito tempo, estava engasgada com essa equação. Nessa música antiga, eu estava questionando os atributos desse ser perfeito, esse Deus masculino que você não sabe direito se é Deus, ou se é o Papai Noel, ou se é algum europeu alemão velho barbudo. Eu estava questionando os atributos dessa figura e dizia sobre essa incoerência dos atributos poéticos sagrados em contraste com a realidade, que era ninguém estar lá por mim, ninguém estar operando por mim. E as pessoas mandavam assim: 'Nossa, o quanto essa música me aproximou de Deus'. Aí eu ficava pensando como.
Depois disso, quis escrever uma coisa mais literal, porque entendi que essa filosofia não me abarcava mais. Ao negar isso, as pessoas começaram a me perguntar se eu abraçaria outras vertentes religiosas. Aí eu pensei: 'Poxa, vou ter que servir outra pessoa? Não tem como eu servir eu mesma?'. Caminhei mais pelo deboche da ideia. A gente para pouco para pensar no sadismo que é prometer distribuição de direito, acesso, oportunidade e possibilidades de experimentar existência depois de morrer. Também quis falar sobre isso. Para mim, a melhor parte dessa música é o Jean gravando os violões sobre a batuta do Lucas Silveira, e eles apostando em linhas new metal.
Jean: Essa música é o puro Linkin Park. Foi muito divertido gravar, era uma música que a gente queria mesmo deixar ela um pouco mais vazia [esteticamente]. A letra já falava tudo e deixava tudo bem na cara, não precisava ficar enchendo de coisa. Põe uma voz e violão e já era. Acho lindo as melodias que as meninas criaram também.
Ouça "Tem Tanto Deus":
Jean: Gostávamos de visitar um canal no YouTube de um produtor musical que pegava músicas contemporâneas e transformava em uma estética oitentista. Tinha música da Ariana Grande, do Justin Bieber, várias coisas. E, éramos apaixonados em ouvir junto uma música da Ariana Grande. Aí eu falei para a gente fazer um som assim também, queria muito registrar nesse disco uma vibe de rolê oitenta. "Pra Curar" foi meio inspirado nisso. Por isso tem essa vibe.
Na época do Pra Doer e Pra Curar, quando pensávamos na possibilidade de um novo disco, as pessoas perguntavam: 'Ah, qual vai ser o próximo? Vai ser pra fazer o que agora? Pra Viver?'. E aí pensamos em fazer uma resposta para isso, e isso motivou o refrão: "nenhuma dor é para curar". Também ficamos muito felizes com a voz do Jaloo nesse som.
Lio: Quando Jaloo mandou esse som para gente, tinha a linha ali em uníssono com a gente, mas depois ele abre um pouco a melodia. Queríamos muito sentar para compor junto, mas a finalização de "Pra Curar" foi em meio à pandemia, pós-quarentena. Não conseguimos fazer como queríamos com todo mundo junto, mas no arquivo que recebemos, no meio, tinha um gritinho dele. Parece que ele se divertiu muito gravando e dava para ver que ele estava afim, com a energia para cima - e talvez seja uma coisa que a gente não consiga entregar tanto.
Leio o Jaloo como um artista tão debochado, senão mais debochado que nós nessa coisa de se permitir se contradizer, contrariar o próprio público, responder inusitadamente às coisas. "Pra Curar", para mim, é um grande deboche, passamos anos falando que não existe nenhum processo curativo sem doer. E, às vezes tem processo que dói e só dói, é dor pela dor mesmo.
Ouça "Pra Curar":
Lay: Foi uma delícia fazer essa música. Eu e o Jean em casa, ele tinha acabado de fazer aquele beat, estávamos sem fazer nada, só pegamos o microfone, e ficamos falando, falando, falando. A letra dessa música é do Jean, a frase "Toda vez que eu chego em casa, eu não sei de onde eu vim". Ficamos fritando nisso. Eu e o Jean gostamos de colocar as coisas em looping e se divertir, criar e testar. O que acho mais legal é que nada mudou dessa música, ela foi do jeitinho que estava, porém com Jonathan Ferr entregando tudo mais uma vez.
Lio: Essa música foi um encontro bem bacana da estética que originou a Tuyo, essa coisa do lo-fi, do faça o que puder na sua casa, de não se preocupar com 4k, high definition, com a elegância do jazz, dos belos pianos, das harmonias tortas, dos tempos tortos. Foi um belíssimo encontro.
Jean: Nessa época que estávamos concebendo o disco, não tinha corona [vírus], viajamos bastante com o Pra Curar. E aí em uma dessas viagens, trombamos com o Jonathan Ferr. Quando estávamos vendo as diretrizes para o novo disco, só pensamos que queríamos o Jonathan ali, não importava como, mas precisávamos criar alguma coisa para trazer ele para o disco. E aí essa foi uma música que fizemos questão, puxamos esse beat que fiz com a Lay, e mandamos para o Jonathan, o Jonathan editou, e fez o som dele. Essa música é do Jonathan.
Lay: Criamos uma camadinha para ele trabalhar.
Ouça "Toda Vez Que Eu Chego Em Casa":
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