Shows triunfantes, shows decadentes, drogas e excentricidades: alternando momentos de brilho e de dor, o Rei do Rock desceu a um mundo de caos nos derradeiros anos de vida
Em meados da década de 1960, um dos poucos fracassos profissionais de Elvis Presley havia sido a temporada que fez em Las Vegas em 1956. A cidade, meca do entretenimento adulto, não estava preparada para o jovem roqueiro. Em 1963, ele tirou um pouco do gosto ruim deixado pela experiência ao filmar lá o sucesso Amor a Toda a Velocidade, ao lado de Ann-Margret. E Las Vegas foi a cidade escolhida pelo empresário dele, o Coronel Parker, para marcar o retorno do astro aos palcos, em 1969. Ele achou necessário ter um local fixo para as apresentações antes de o cantor sair pelo resto do país. Em Vegas, o dinheiro era alto e corria fácil. Qualquer tipo de perda financeira poderia ser compensada. Alguns fãs argumentavam que na endinheirada cidade Elvis estaria longe de suas raízes. Parker rebatia dizendo que o cantor agora tinha um perfil sofisticado e aquele era o local ideal. Na verdade, ele tinha feito um acordo milionário para Elvis e se apresentar no International, um luxuoso hotel que seria inaugurado na cidade.
Para esse retorno, Elvis não queria o som rústico e básico dos anos 1950, com apenas baixo, guitarra e bateria. Ele queria um som encorpado, com orquestra e vozes. Mas nada no estilo big band de artistas consagrados de Vegas, como Frank Sinatra, Sammy Davis Jr. e outros – o objetivo era ter um som cheio de groove, e o Rei escolheu pessoalmente os músicos que o acompanhariam.
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A estreia no International Hotel foi em 31 de agosto de 1969. No palco estava o grupo de músicos que logo seria conhecido como TCB Band: James Burton (guitarra solo), Ronnie Tutt (bateria), John Wilkinson (guitarra rítmica), Larry Muhoberac (piano), Jerry Scheff (baixo) e o sempre presente amigo Charlie Hodge, tocando guitarra rítmica e ajudando nas harmonias vocais. Nos vocais, The Imperials, The Sweet Inspirations e Millie Kirkham. A condução da orquestra ficou a cargo de Bob Morris.
Antes de subir ao palco naquela noite, Elvis estava explodindo de nervosismo. Felizmente, bastou ele abrir a boca para que a mágica se fizesse presente. O instinto musical inato do Rei ressurgiu – ele sabia exatamente o que o público esperava. Elvis estava deslumbrante, magro, com os cabelos e costeletas longos. Trajava o que mais pareceria uma vestimenta de caratê modificada – não queria usar smoking ou algo que pudesse limitar os movimentos. Elvis requebrou, fez um monte de piadas, cantou hits dos anos 1950, singles recentes, distribuiu beijos, encantou e causou histeria entre as 2 mil pessoas que lotaram o salão do International. A partir daí, seus shows passaram a ser os mais concorridos dos Estados Unidos. A crítica, que até então só batia no cantor, teve de se dobrar. Muitos jornalistas escreveram que não era apenas um artista retomando a carreira: Elvis agora era descrito com uma espécie de herói folk.
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O ano seguinte, 1970, foi frenético. A segunda temporada em Las Vegas, que começou no dia 26 de janeiro, trouxe novidades. O novo maestro e diretor musical era Joe Guercio. Ele ajudou a definir o novo som de Elvis, mais bombástico e grandiloquente. O cantor também tinha um novo pianista: Glen D. Hardin, que tinha tocado no The Crickets e era um versátil arranjador. Elvis introduziu novas músicas e as críticas continuavam excelentes. Em agosto, o Rei voltou a Las Vegas para mais uma temporada; a ocasião serviu para a filmagem do documentário Elvis é Assim.
O dinheiro entrava como água, enquanto Elvis gastava como um sultão. Mesmo com tanta prosperidade, a esposa dele, Priscilla, e o pai, Vernon, reclamaram que Elvis tinha gastado uma fortuna em presentes de Natal – havia comprado dez carros Mercedes-Benz e mais de 30 armas de fogo de última geração para distribuir entre amigos e família. O artista reagiu reclamando que o dinheiro era dele e que, assim, fazia o que lhe desse na telha. Então, em um momento impulsivo, saiu de casa e pegou o primeiro avião disponível. Foi parar em Washington, D.C. Ficou em um hotel e rumou para o Texas. Em Dallas, chamou o amigo Jerry Schilling, que na época morava em Los Angeles. Contou que iria voltar para Washington para encontrar o presidente Richard Nixon. O problema é que ninguém sabia disso, muito menos o presidente e seus assessores. O motivo: Elvis queria desesperadamente receber um distintivo de agente da organização norte-americana antidrogas. A história foi contada no bem-humorado filme Elvis & Nixon (2016), com Michal Shannon na pele do rei e Kevin Spacey como o político.
Essa tinha sido a maior aventura da vida de Elvis. Desde os 21 anos, ele não saía sozinho, sem um exército de guarda-costas ou auxiliares. Mesmo com todos os riscos possíveis, Elvis parecia estar se divertindo. Nos aviões e aeroportos, interagiu alegremente com os fãs, que não acreditavam estar cara a cara com o maior astro de rock de todos os tempos. Já em Graceland, Vernon e Priscilla arrancavam os cabelos. Elvis nunca tinha se ausentado sozinho por tanto tempo e não havia notícias do paradeiro dele.
O astro seguiu para Los Angeles para se encontrar com Schilling. Em uma limusine alugada, foi para a mansão californiana; lá, chamou um médico para cuidar de problemas gastrointestinais causados pelo excesso de consumo de chocolate. Com a permissão de Elvis, Schilling ligou para Graceland e avisou que o astro estava bem. Porém, a pedido do cantor, não revelou seu paradeiro. Elvis também mandou o amigo chamar o guarda-costas Sonny West, pedindo que os encontrasse em Washington.
No voo, Elvis escreveu uma carta ao presidente. Depois de muitas idas e vindas, várias negociações e conversas com assessores, o cantor finalmente foi recebido por Nixon no Salão Oval. Ele, Schilling e West, com seus trajes incomuns, contrastavam com o ar conservador da Casa Branca. Apesar das óbvias diferenças culturais e de postura existentes entre eles, Elvis e Nixon se deram bem. Mais tarde, o cantor ganhou sua cobiçada carteirinha de agente honorário contra as drogas. Orgulhoso, ele levava o distintivo para todos os lados. O documento deu ainda mais moral para que seguisse com a mania de colecionar armas. Desde os tempos em que serviu ao exército, Elvis mantinha um verdadeiro arsenal em suas residências – ele achava que todo mundo deveria se armar. Até levava uma pequena pistola escondida no cano bota em suas apresentações.
Para alguns, o encontro Elvis/Nixon foi um ato de irresponsabilidade e autoindulgência por parte do cantor. Ninguém podia, no entanto, negar o poder de fogo do artista. Se tinha vontade, podia simplesmente encontrar o presidente dos Estados Unidos.
A partir de 1971, o furacão Elvis varreu os Estados Unidos. Até aquele momento, assistir aos shows era privilégio da elite que podia se locomover a Vegas. Agora, a situação era outra: ele tocava em vários pontos do país, em locais maiores e a preços populares. Os shows eram verdadeiras experiências. Depois de uma sugestão do maestro Guercio, Elvis passou a entrar no palco com toda pompa ao som da solene “2001”. Logo aos primeiros acordes, as pessoas mal conseguiam respirar, tamanha era a expectativa e a excitação. Resplandecente em seus extravagantes macacões de gola alta recheados de pedraria criados por Bill Belew, ele mais parecia um super-herói ou, como afirmou um jornal, “um príncipe vindo de outro planeta”. Charlie Hodge trazia os lenços que Elvis jogava às fãs, como se fosse um ritual religioso. O Rei seguia cantando bem e fazia de tudo para que suas apresentações fossem as mais excitantes do planeta.
Tamanha grandiosidade exigia um batalhão de roadies. Al Dvorin, que trabalhava com Elvis desde 1955, agora tomava conta do merchandising durante as apresentações e, ao final de cada show, entoava a célebre frase “Elvis has left the bulding” (“Elvis deixou o prédio”) para avisar aos fãs que o cantor tinha ido embora e que, sendo assim, não haveria bis nem encontros com o ídolo.
Se as coisas iam bem nos palcos, nos bastidores o cenário era diferente. A volta à estrada abriu uma caixa de pandora: Las Vegas era um território livre, uma verdadeira terra do vale-tudo para quem estivesse interessado em mulheres, substâncias ilícitas e libertinagem. Os tempos loucos de curtição ao lado da Máfia de Memphis tinham voltado, com a diferença de Elvis agora necessitava de mais gente para ajudar na logística dos espetáculos – ele via ameaças de morte por todos os cantos. Red West, que tinha se afastado depois de se sentir esnobado no casamento do cantor, havia retornado à cena como seu principal guarda-costas. Ao lado do primo Sonny, era a linha de frente da segurança do artista e não se incomodava em ser brutal com estranhos.
Desde criança, Elvis sofreu de insônia e, com o estrelato, virou uma criatura noturna. Na época do exército, muito a contragosto, era obrigado a dormir durante a noite e acordar cedo. Os filmes também exigiam que ele estivesse cedo no set e cumprisse uma rotina. Já as sessões de gravação dos discos eram sempre agendadas para o período da noite. Nos primeiros tempos do casamento com Priscilla, ele tinha hábitos mais normais. Com a nova rotina das apresentações ao vivo, efetivamente trocou o dia pela noite de maneira vampiresca. Os shows em Vegas não terminavam antes da 1h da manhã. Ele ia para cama com o dia raiando e acordava às 5h da tarde. Para aguentar o tranco, anfetaminas, soníferos e antidepressivos eram companhia constante. Com a idade avançando e levando um estilo de vida nada saudável, o peso corporal do cantor, que sempre foi flutuante, voltou a subir, mesmo que uma de suas principais distrações fosse o caratê. Elvis praticava o esporte regularmente e financiou torneios de amigos instrutores, além de quase ter produzido um filme, no qual seria o narrador. Nesse período, também adotou o lema TCB (Taking Care of Business) e passou a distribuir adereços com o símbolo, que mostrava um raio ao lado das letras.
No meio dessa rotina insana, veio um grande golpe: Priscilla deixou o cantor. O relacionamento dos dois capengava desde o nascimento de Lisa Marie, em 1968. Elvis não conseguia fazer sexo com uma mulher que tivesse sido mãe, e incluiu Priscilla nisso. Magoada, ela teve um caso com um instrutor de dança e Elvis nem percebeu. Depois, o cantor fez com que a mulher também se dedicasse ao caratê, tendo aulas com o havaiano Mike Stone, um ex-campeão do esporte que tinha uma academia no subúrbio de Los Angeles. Ela se envolveu com Stone e Elvis novamente não se ligou. Com o cantor passando cada vez mais tempo na estrada – e ele impedia que a esposa o acompanhasse –, Priscilla ficava cada vez mais distante. Quando se encontravam, brigavam o tempo todo. No começo de 1972, Priscilla pegou a filha dos dois e saiu de Graceland. Poucos meses depois, deu entrada nos papéis para o divórcio.
Logo que retornou aos palcos, em 1969, Elvis costumava afirmar que seria ótimo fazer uma turnê mundial, talvez passando ela Europa e pelo Japão. Mas, conforme os anos 1970 foram avançando, ficou claro isso não aconteceria, e até hoje o assunto é envolto em polêmicas. Um dos motivos seria o fato de Tom Parker ser um imigrante estrangeiro ilegal e sem passaporte e que não queria atrair atenção do governo. Elvis também era acomodado. Para ele, viajar para fora dos Estados Unidos seria trabalhoso demais. Sabia que seria difícil passar pela segurança dos aeroportos internacionais carregando armas, drogas e medicamentos controlados.
O Coronel Tom Parker, então, pensou em uma alternativa: fãs do mundo inteiro veriam um show de Elvis, mas não exatamente do jeito que esperavam. Em julho de 1972, logo depois das bem-sucedidas apresentações do cantor no Madison Square Garden, em Nova York, Parker anunciou um show transmitido via satélite, a primeira vez que um espetáculo desse porte seria realizado.
Elvis, que enfrentava o divórcio de Priscilla, agora teria mais um desafio gigantesco para esquecer as mágoas. Para dirigir o show, a NBC chamou Marty Pasetta, que já tinha feito especiais de Don Ho, na época o mais popular astro da música havaiana. No começo, Pasetta não se encantou com Elvis. Ele tinha assistido a algumas apresentações do artista em 1972 e o achou “inchado e sem dinamismo”. O diretor ordenou que Elvis emagrecesse. O cantor não se incomodou com as alfinetadas e cooperou.
Resplandecente no macacão American Eagle, ele apresentou a imagem mais icônica da carreira em Aloha From Hawaii. O Elvis que aparece no especial é referência definitiva para imitadores. Sentindo o aspecto grandioso do momento, ele se comporta como um monarca. A apresentação parece impessoal, bem diferente do tom intimista do especial de 1968. Ele fala pouco, passeia pelo palco e faz muitas poses. Aloha foi um fenômeno global e colocou o nome dele novamente na boca das pessoas mundo afora. Infelizmente, o triunfo nunca mais poderia ser repetido e Elvis parecia saber disso. O jeito era voltar à rotina. O cantor novamente passou por várias partes dos Estados Unidos e agendou mais uma nova temporada em Vegas.
Desde a metade de 1972, ele tinha uma nova namorada, Linda Thompson, ex-Miss Tennessee. Linda era fiel, preocupada, divertida. Sendo uma garota do sul, tinha até mais afinidades com o cantor do que Priscilla. Linda, por exemplo, também era fanática por música gospel. O começo do relacionamento foi promissor, mas a euforia não demorou a passar. Elvis começou a se afastar. Fidelidade não era uma palavra que constava em seu dicionário. Ele sempre precisava de companhia feminina, mas não necessariamente para relacionamentos envolvendo sexo – as drogas que tomava faziam dele uma companhia difícil e as mulheres com as quais saía logo percebiam que, em vez de namoradas, cumpririam papel de babás ou mães.
Em julho de 1973, o astro foi gravar na lendária Stax, em Memphis. No dia 9 de outubro, o divórcio dele e Priscilla foi finalmente formalizado. Os dois saíram de braços dados da corte de Santa Mônica, na Califórnia. Ele disse aos jornalistas que estava tudo bem e que continuavam amigos, o que era verdade. Priscilla recebeu US$ 725 mil em dinheiro e ainda ficaria com metade do valor de três propriedades, além de vários automóveis de luxo. Também receberia uma boa quantia por mês. A guarda de Lisa ficou com ela, embora não houvesse restrições para Elvis.
Tudo parecia bem, mas alguns dias depois, Elvis teve sua mais séria crise de saúde até então. Foi levado às pressas para a UTI do Hospital Batista de Memphis. Pela primeira vez, a morte chegou perto demais e, assustado, Elvis prometeu ser um paciente modelo e se emendar. O Dr. George Nichopoulos, que naquele tempo era a companhia médica inseparável do astro, apontou que o episódio aconteceu devido a uma combinação de cortisona, Demerol (analgésico), Novocaína (anestésico) e esteróides, tudo receitado por outro médico de Elvis, em Los Angeles. O Dr. Nichopoulos queria que Elvis fosse tratado como dependente químico, mas o hospital tratou o paciente VIP com indulgência e o liberou logo. Elvis voltou para Memphis para descansar. A moderação e a autodisciplina anteriormente prometidas logo foram esquecidas.
Paralelamente, o relacionamento com o Coronel Tom Parker se deteriorava. O cantor ficou enfurecido com o lançamento, sem sua autorização prévia, do álbum Having Fun With Elvis on Stage, que era vendido exclusivamente pelo selo Boxcar, pertencente ao Coronel. O LP não tinha canções – apenas diálogos de Elvis entre as canções, e incluía piadas totalmente sem graça e até alguns arrotos. “Se Deus quisesse que Elvis fosse comediante stand-up, então teria que ter dado a ele uma guitarra que explode”, escreveu um crítico na época.
Assim como Vernon, Parker não se conformava com o fato de que, mesmo ganhando rios de dinheiro, Elvis sempre ia rapidamente para o vermelho depois de gastos irresponsáveis. Ele não baixava o padrão de vida e continuava comprando carros, jóias e casas para amigos, empregados e namoradas. Mas também ajudava inúmeras instituições de caridade, sempre de forma anônima. Sem contar que o Coronel também tinha problemas financeiros. Antes muito severo em relação ao próprio dinheiro, ficou viciado em jogos depois que Elvis começou a se apresentar em Las Vegas.
Em 1973, o Coronel quis tirar satisfação com Elvis depois que ele, em pleno palco, atacou duramente Barron Hilton, dono da rede de hotéis Hilton. Tudo porque um dos cozinheiros favoritos do cantor tinha sido mandado embora. Elvis e o Coronel bateram boca e se xingaram; o cantor despediu o empresário que, enfurecido, respondeu: “Você não vai me mandar embora, eu me demito”. Parker pediu US$ 2 milhões para encerrar o contrato, além de quantias atrasadas que supostamente lhe eram devidas. Vernon, que cuidava das finanças pessoais do filho, entrou em pânico e explicou que não conseguiria levantar a quantia para pagar o Coronel. Depois de duas semanas se insultando e mandando recados por meio de intermediários, os dois resolveram deixar tudo de lado. Em seguida, Parker vendeu para a gravadora RCA os direitos do catálogo de Elvis por U$ 5,4 milhões, tendo ele próprio ficado com boa parte da quantia. Foi um péssimo negócio: o catálogo de Elvis se tornaria um dos mais valiosos de todos os tempos, e o astro (e depois sua família), a partir daquele momento, não teria nenhum controle sobre ele. Também não receberia nenhum royalty adicional.
Em 1974 as coisas realmente começaram a ficar fora de controle. Elvis até começou o ano bem, um pouco mais magro e disposto. Só que, com o passar dos meses, voltou a ganhar peso, a ver a saúde física se deteriorar e a sofrer com a depressão. Os shows começaram a ficar erráticos; ele mais falava do que cantava. Em um determinado show, foram 40 minutos de blá-blá-blá. As palhaçadas e brincadeiras com a banda pareciam mais importantes do que interpretar as canções de forma séria. Elvis também parava de cantar e começava a fazer demonstrações de caratê, o que irritava profundamente o Coronel Parker. Os monólogos eram bizarros e, às vezes, reveladores. No dia 2 de setembro de 1974, no palco do Hilton, em Las Vegas, em um episódio que ficou conhecido como “a tempestade do deserto”, ele explodiu. Priscilla e Lisa Marie estavam na plateia, assim como Sheila Ryan, outra garota com quem ele passava o tempo quando não estava com Linda Thompson. Depois de cantar “You Gave me a Mountain” (do astro country Marty Robbins), ele disse ao microfone: “Essa música não tem nada a ver com a minha vida pessoal. Nada a ver com meu divórcio. Eu e Priscilla somos os melhores amigos do mundo. Nossa separação não foi causada por possíveis envolvimentos com outras pessoas. Aconteceu por causa da minha carreira. Eu estava viajando muito. Bem, nós temos uma filha de 6 anos para criar. Lisa, levante para o pessoal te ver. Ali está também minha nova namorada. Aplausos para ela! Sheila, mostre o anel que eu te dei, levante a mão direita! Olhem o anel que dei para ela. Olhem que baita anel!”
Na sequência, exaltado, atacou as revistas de celebridades (“Essa gente tem um trabalho para fazer. Se eles não têm nada para falar, então inventam. Eu não presto atenção. É puro lixo”) e negou seu envolvimento com qualquer tipo de droga: “Eu nunca estive chapado na minha vida, a não ser pela música. Na outra noite, eu estava gripado, com febre e não pude me apresentar. Simplesmente escreveram que eu tinha tomado heroína”. Aos berros, emendou: “Se eu achar o filho da puta que escreveu isso, vou partir o seu pescoço! Eu sou membro da Associação Antidrogas. Não dão distintivos pra quem é drogado”.
Tempos depois, Priscilla falou sobre o episódio: “Fiquei chocada, não era da natureza dele se expor. Elvis guardava a sete chaves sua vida pessoal e seus sentimentos. Ele mostrava o que sentia exclusivamente por meio das canções”.
Se nos anos 1960 Elvis viveu um impasse criativo por conta dos filmes, ele agora estava metido em outra encruzilhada. E sequer percebeu isso. Na abertura da temporada de agosto em Vegas, no Hilton, ele tentou mudar um pouco as coisas. Deixou de lado a introdução bombástica ao som de “2001”, acrescentou mais blues, dispensou os medleys desleixados dos hits dos anos 1950, o papo furado e as palhaçadas. As críticas foram boas e ressaltaram que o astro tinha mexido positivamente na estrutura do espetáculo. Lamentavelmente, Elvis voltou à velha rotina na noite seguinte. Inseguro, ele achou que a plateia não tinha reagido bem às mudanças.
O Natal daquele ano, em Graceland, foi ruim. O cantor estava desmotivado e o pai dele, Vernon, tinha se separado de Dee Stanley, depois de quase 15 anos de relacionamento. Os jornalistas noticiaram que o cantor passou as festividades deprimido e isolado. No dia 29, o Coronel Parker ligou para o cliente e viu que era verdade. Depois de várias desavenças, os dois agora só falavam o mínimo possível. Na conversa, Parker percebeu que Elvis estava em péssimas condições físicas, psicológicas e emocionais, e assim não poderia honrar os compromissos assumidos no Hilton no final de janeiro de 1975. O Dr. Elias Ghanem, outro médico que cuidava do astro, assinou um atestado informando que Elvis não teria condições de se apresentar. Parker engoliu a seco e viu que já não poderia garantir que as obrigações profissionais poderiam ser cumpridas à risca.
Em meio a essa tempestade, Elvis começou o ano de 1975 acuado pela imprensa, que escrevia histórias sobre ele virar um quarentão gordo, paranóico e com medo de ser considerado um dinossauro ultrapassado e sem nenhum sex appeal. No dia 8 de janeiro, chateado com os ataques, passou o aniversário de 40 anos isolado. Amigos e empregados preparam um bolo, mas ele nem saiu do quarto. Apenas Linda e o primo Billy Smith tiveram acesso ao cantor. Sabendo desse estado depressivo, o Coronel Parker tentou animá-lo com a proposta de um show beneficente para ajudar a vítimas de McComb, uma cidade do Mississipi que tinha sido arrasada por um tornado.Mesmo relutante, concordou que iria se cuidar para realizar os shows.
No dia 29 de janeiro, Linda acordou e percebeu que Elvis respirava com muita dificuldade. O cantor foi levado às pressas para o Hospital Batista de Memphis. No dia 5 de fevereiro, Vernon se juntou ao filho no hospital depois de ter sofrido um ataque do coração. Foram muitos os problemas diagnosticados antes da alta do cantor, no dia 13 de fevereiro: cólon dilatado, início de glaucoma e problemas no fígado. Elvis comia mal, não se exercitava e o uso indiscriminado de medicamentos complicava um quadro geral que já era ruim. Ele saiu do hospital desintoxicado e novamente prometeu que iria se cuidar – tudo em vão.
Elvis retomou a temporada em Vegas em março, no Hilton. Lá, recebeu uma visita inesperada: Barbra Streisand. A cantora e atriz, que ao contrário de Elvis, se encontrava no auge, foi para fazer uma proposta. Ela queria que Elvis fosse seu coastro em uma nova versão do clássico Nasce uma Estrela, que ela estava produzindo com o namorado, Jon Peters. Elvis ficou animado e lisonjeado. Queria muito voltar ao cinema em um papel dramático e em uma produção de grande orçamento. Esta seria a oportunidade ideal. A proposta, no entanto, teria que passar pelo empresário, o Coronel Tom Parker, que não gostou nada do projeto e o sabotou ao máximo, colocando uma porção de empecilhos para que Elvis não ficasse com papel. Pediu para a United Artists, a companhia produtora, US$ 1 milhão, metade da bilheteria e os direitos da trilha sonora. No final, Elvis foi convencido por Parker e outros que não seria interessante interpretar um astro decadente. O papel foi para Kris Kristofferson. Nasce Uma Estrela estreou em dezembro de 1976 e se tornou um enorme sucesso. Elvis estava vivo para ver que a grande chance de seu renascimento artístico havia lhe escapado.
Ainda em 1975, em abril, Elvis adquiriu um Convair 880 Jet que tinha pertencido à Delta Airlines, por US$ 250 mil; com as reformas e customização – incluindo pia de ouro e todo o tipo de luxo –, o custo total da aeronave chegou a US$ 600 mil. O avião recebeu o nome da filha do artista, Lisa Marie. Em agosto, ele comprou um jato menor, um Lockheed JetStar, batizado de Hound Dog II.
O ano seguiu cheio de problemas e decepções. Elvis foi internado novamente em junho e agosto, sofrendo de exaustão e problemas diversos. Devido às hospitalizações, alguns shows foram cancelados. As apresentações eram altamente irregulares. Em algumas noites ele estava inspirado, brincava e mandava Charlie Hodge ir à plateia e pedir aos fãs que escolhessem músicas para ele cantar de improviso. Na maioria das vezes, no entanto, se mostrava aborrecido, cantando de qualquer jeito. O mau humor e a falta de cortesia eram uma constante. Em uma apresentação em Springfield, ele jogou a guitarra na plateia e disse: “Quem pegar pode ficar com essa porcaria, eu não preciso mesmo”. Em outra, meteu a boca no público por acreditar que as pessoas não estavam sendo suficientemente receptivas. Depois, para compensar a grosseria, saiu distribuindo jóias.
Nessa turnê, ele também insultou, no meio de um show, o grupo vocal The Sweet Inspirations e a cantora de apoio Kathy Westmoreland. Ele e Kathy haviam tido um caso, mas agora ela se recusava a sair com o patrão. Elvis pediu desculpas e, para compensar, encheu as cantoras de jóias. Mas por pouco não perdeu de uma só vez todas elas. Todos ao redor do astro estavam decepcionados e até com raiva do cantor, ao passo que a rotina de gastos continuava e as vendas de disco despencavam (Graceland foi até hipotecada).
Assim como no ano anterior, foi mais um Natal deprimente. Na véspera, Elvis sonhou que todos os seus amigos o tinham abandonado e ele estava na miséria. Na virada do ano, o cantor subiu ao palco diante de 80 mil pessoas no Estádio de Pontiac. Em seus contratos, estava escrito que ele nunca trabalharia em feriados. Dessa vez, teve de quebrar a palavra. Precisava muito do dinheiro – pela performance de pouco mais de uma hora, recebeu US$ 300 mil. O show foi ruim. Devido à configuração do palco, Elvis ficou isolado dos músicos. O local estava congelando, o som estava péssimo; no começo da performance, as calças de Elvis rasgaram. No final, ele explodiu – culpou todo mundo e falou que sua vida e carreira tinham se transformado em uma miséria sem tamanho. Linda o acalmou e eles voltaram para Memphis.
A derrocada pessoal e profissional seguiu ladeira abaixo durante 1976. Para comemorar o aniversário de 41 anos, em 8 de janeiro, Elvis foi para a estação de esqui em Vail, Colorado. Foi uma confusão logística tão grande que o artista, com seus caprichos, manias e mau humor, conseguiu irritar todo mundo. A Máfia de Memphis se desintegrava. Em fevereiro, Jerry Schilling abandonou Elvis de vez depois de se desentender com ele no Colorado. Outros veteranos como Marty Lacker e Alan Fortas não apareciam mais. O indispensável Joe Esposito mantinha a posição de valete número 1, mas procurava manter sua individualidade, longe dos aspectos mais desagradáveis da personalidade do patrão. Mesmo assim, não escapou da fúria de Elvis. O cantor ficou descontente com Esposito depois que ele e o Dr. Nick o convenceram a investir uma boa soma em um centro de raquetebol. O cantor achou que os amigos usaram seu nome indevidamente. No final, o empreendimento foi um desastre financeiro, justamente quando Elvis estava com caixa baixo.
Nessa mesma época, o cantor não queria mais frequentar estúdios de gravação e já não havia nenhuma sobra ou material inédito para ser utilizada. Em fevereiro, a gravadora RCA, desesperada e com enorme custo e esforço, levou o equipamento de gravação para Graceland. As sessões foram complicadas e pouco produtivas. Elvis não saia do quarto. Tinha acessos de raiva e deixava os músicos esperando na parte de baixo da casa. Com muito custo, cerca de uma dúzia de faixas (a maioria delas, baladas depressivas) foram aproveitadas.
Em julho, Vernon demitiu Red West, Sonny West e Dave Hebler. O pai do cantor alegou que precisava cortar custos. Também disse que os guarda-costas eram muito truculentos com os fãs e que, por conta disso, processos se acumulavam na justiça. O trio de demitidos reagiu, acusando Elvis de ser omisso. Disseram que escreveriam um livro expondo a bem guardada vida pessoal do músico.
Ainda que em meio a toda essa turbulência, o grosso da renda de Elvis continuava vindo da estrada. A lealdade dos fãs permanecia, independentemente das apresentações do cantor terem se tornado irregulares – e a certa altura, os pontos baixos superaram os altos. Ele entrava no palco como se fosse um sonâmbulo, mal falava com a plateia e ficava encostado no pedestal do microfone. Balbuciava as letras e às vezes as esquecia. Alguns shows eram exceção e tinham bons resultados, como o de julho no Mid-South Coliseum, em Memphis. Seria última vez que Elvis cantaria na cidade onde morava.
Cansada de infidelidades e da vida irregular do parceiro, Linda Thompson deixou o cantor no final de 1976. Ele não se abalou. Pouco depois, engatou namoro com Ginger Alden, uma beldade de 20 anos apresentada a ele por George Klein. No começo, Ginger não se mostrou interessada no cantor, que tinha o dobro da idade dela – ela já tinha namorado, inclusive. Mas, aos poucos, Elvis venceu a resistência da garota, embora ela relutasse em viajar com ele e a passar longas temporadas em Graceland. Segundo relatos, ela não parecia amar o cantor e o relacionamento não era sexual. Elvis queria uma companhia feminina para passar o tempo, conversar e falar sobre religião e filosofia. A essa altura, por causa das medicações e drogas, a vida sexual dele havia morrido. Ironicamente, quando indagado se não seria mais adequado ele procurar alguém de sua idade, Elvis teria respondido, furioso: “O que me interessa em uma mulher de 40 anos?”
Em dezembro de 1976, ele cumpriu temporada em Las Vegas, novamente no Hilton. Como sempre, a casa estava lotada, e, como nos últimos tempos, os shows foram ruins. Elvis insultou os músicos durante os ensaios e disse que odiava Vegas. Foi a última vez que cantou na cidade que reergueu sua carreira. A passagem de ano foi novamente em cima do palco, desta vez, no Civic Center Arena, em Pittsburgh.
No início de 1977, foi agendada mais uma sessão de gravação em Nashville. Elvis foi até a cidade, mas não compareceu ao estúdio. Deixou os músicos e produtores esperando e se desculpou, dizendo que estava com a garganta doendo. Ele seguia doente, muito acima do peso e consumindo muitos medicamentos, legais e ilegais. Insistia para que Ginger estivesse com ele nas turnês, o que ela não queria fazer. Pelo menos conseguiu que namorada, família, parentes e amigos o acompanhassem em uma viagem de descanso ao Havaí, em março.
Naqueles dias, vendo a situação complicada do amigo, até o proscrito Larry Geller tinha voltado para ver se Elvis conseguia sair do atoleiro espiritual. A velha gangue não existia mais. Os chefes da equipe de segurança agora eram Sam Thompsom e Dick Grob. Charlie Hodge ainda estava por perto e Joe Esposito, mesmo um pouco distante, seguia com suas funções como a ligação de Elvis com o mundo externo. Elvis, mesmo sem condições, continuava se apresentando. Até resolveu fazer mais um especial de TV, chamado Elvis In Concert, a ser exibido em data indeterminada, na CBS.
A derradeira aparição de Elvis em um palco foi no dia 26 de junho, na Market Square Arena, em Indianapolis, Indiana. Depois do show, ele voltou para Graceland para descansar. No começo de agosto, o horizonte começou a escurecer com a publicação de Elvis: What Happenned?, escrito por Steve Dunleavy e com os depoimentos de Red e Sonny West e de David Hebler, os três guarda-costas demitidos no ano anterior. Pela primeira vez, a vida particular secreta de Elvis vinha à tona. O livro era maldoso, ressentido e não citava fontes – foi feito como um meio de vingança e buscando levantar um dinheiro fácil. Os autores se defendiam: “Só queremos que ele leia e reflita sobre sua vida”.
O Rei nunca esteve tão deprimido quantos naqueles dias: falava apenas do livro e da traição dos West e de Hebler. Mas ele acreditava que iria dar a volta por cima: no dia 17 de agosto sairia em uma nova turnê, que começaria em Portland, Maine, e pediria Ginger em casamento.
Ao ver o ex-marido desolado, Priscilla enviou Lisa para passar uns tempos com o pai. No dia 7, Elvis alugou Libertyland, um parque de diversões local, da meia-noite até o nascer do sol. Lisa, Ginger e amigos passaram a noite nos brinquedos. Empenhado em fazer bonito na nova turnê, Elvis começou a se exercitar e a se alimentar de maneira saudável.
A rotina da última semana de vida de Elvis foi essa: ele brincava com a filha, assistia a programas gospel na TV, jogava raquetebol e ensaiava as músicas para a turnê. Na segunda, 15 de agosto, acordou tarde como de costume. Ele queria assistir a MacArthur, em um cinema alugado exclusivamente para ele e amigos, mas não conseguiu um projecionista disponível. À noite, foi dar uma volta por Memphis em seu Stutz-Bearcat e passou no dentista, o Dr. Hoffman. Voltou a Graceland depois da meia-noite e um fã ainda o clicou dirigindo, entrando na mansão. Elvis acenou de volta. Foi a última foto de Elvis em vida.
Naquela noite, Elvis foi para a quadra de raquetebol e jogou com o primo Billy Smith e a esposa dele, Jo, até alta da madrugada da terça-feira, dia 16 de agosto. Para descontrair, tocou um pouco de piano – segundo o primo, as músicas foram “Blue Eyes Crying in the Rain” e “Unchained Melody”. Ele e Ginger, então, foram deitar. Em dado momento, Elvis levantou – disse que estava com insônia e que iria ler um pouco. Mais tarde, a namorada levantou e encontrou o cantor, vestido com um pijama dourado, caído no chão do banheiro, com o rosto em meio a uma poça de vômito. Ginger imediatamente pediu ajuda e o segurança Al Strada e Joe Esposito viraram o corpo e tentaram em vão reanimar o cantor. Lisa apareceu no meio do caos, perguntando: “O que está acontecendo com meu pai?” Ginger pegou a garota e a tirou de lá.
A ambulância chegou rápido, mas não havia nada a ser feito. Quando o corpo do cantor era colocado no veículo pelos médicos, com a ajuda de Charlie Hodge e Esposito, o Dr. Nichopoulos chegou para ver se podia fazer algo. O médico oficial de Elvis também tentou de tudo no caminho para o hospital. Elvis foi declarado morto às 15h33 de 16 de agosto de 1977, no Hospital Batista de Memphis. “Acabou, ele se foi”, disse o Dr. Nick. Mais tarde, a autópsia apontou “arritmia cardíaca” como causa da morte. Tudo o que aconteceu durante aqueles últimos meses foi frenético e intenso. Mas o fato é que, para os fãs, o tempo parou naquela tarde, 40 anos atrás.