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O bom Donato mau

Com 75 anos, 60 deles dedicados à música, João Donato fala à RS Brasil: seu trabalho "não assusta mais ninguém"

Por Anna Virginia Balloussier Publicado em 29/08/2009, às 14h53

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Algo incomoda João Donato. Seu dente. "Querida, você pode me ligar depois? Acabei de sair do dentista. E dentes, você sabe, são como porcelanas, quebram quando você morde caroço de azeitona."

Algo sempre incomoda João Donato. Pelo simples fato de o acreano de 75 anos (80% deles dedicados à carreira) não fazer tipo que dá trela ao conformismo. "Agora que voltei ao Brasil, não sou tão desconhecido assim, e minha música não assusta mais ninguém. Pelo contrário. Parece que é aceita por todos", o reconhecimento vem do outro lado da linha. Mas nem sempre foi assim. Amigo da galera da bossa nova - João Gilberto, Tom Jobim e Vinicius de Moraes entre eles -, Donato não morria de amores pelo rótulo. A lógica era mais ou menos a de Groucho Marx: "Não entro para clubes que me aceitam como sócio".

Nesta segunda, 31, o músico se apresentará no Teatro Rival (Rio de Janeiro) para comemorar as seis décadas de labuta na seara musical - registros oficiais, já que, sem ter pisado na escola, ele compunha desde os sete anos. O público vai se esbaldar com o repertório de A Bad Donato ("um Donato mau") - uma escolha nada inocente, percebe-se logo.

O álbum, que em 2010 vira quarentão, foi feito com "licença para matar". Entenda por isso a total liberdade que Donato teve, na época, para fazer o que desse na telha, fosse ou não golpe fatal em termos comerciais. E olha que não estamos falando de jovem guarda, música disco ou algo mais palatável a gogós pop. "Andei pelas ruas de Los Angeles até chegar na loja de discos. Perguntei quem estava na moda - nunca sei quem está na moda, não tenho hábito de ouvir rádio. Saí de lá com camaradas famosos da década de 70. Janis Joplin, Jimi Hendrix, Led Zeppelin."

E aí? "Não gostei de nada", emendou como se a rejeição aos totens da geração sessentista fosse tão natural como preferir a casquinha de chocolate em detrimento da de baunilha. "Pedi a coleção do James Brown, que eu já gostava. Me concentrei nele e separei o que mais gostava. Gravei tudo em cima daquilo ali."

A brisa californiana, de fato, deu novos ares à música de Donato. Lançado pelo selo Blue Thumb e eleito um dos 100 melhores discos de todos os tempos pela Rolling Stone Brasil, o disco carrega um bocado do groove de Jorge Ben Jor e Wilson Simonal - só que bem mais experimental.

Até ter carta branca para fazer o que bem entendesse no estúdio, Donato recebeu algumas portas na cara. Não é à toa que A Bad Donato tem asa arrastada para o jazz cubano. "No Brasil, tinha problema para arrumar trabalho porque minha música era moderna demais. Ninguém gostava do meu estilo. Fui procurar outras horizontes", ele explica a ida aos EUA. "Para sobreviver, fiquei amigo de todo mundo. Cubanos, porto-riquenhos, mexicanos."

Hoje é diferente. Donato, por exemplo, toca neste sábado, 29, no Copa Fest, evento no Copacabana Palace que homenageia o Beco das Garrafas, aquele complexo de bares e casas noturnas espremidos numa travessa da Rua Duvivier (Copacabana) onde desabrocharam bossa nova e samba jazz. Curioso é que, naqueles idos anos 50, o artista "não arrumava nem de graça, quanto mais pedindo para pagar". Sem ressentimento. "A lembrança mais forte vem dos músicos maravilhosos, da época em que um ia ver o outro tocar na boate do lado. Como jogador de futebol que vai assistir ao camarada do outro time jogar."

Das antigas camaradagens vieram novas companhias, e gerações se misturaram para participar de Donatural, DVD de 2005 com participação de Gilberto Gil, Marcelo D2, Joyce e Leila Pinheiro, entre outros. Para o futuro próximo, o planos é convocar amigos que ficaram de fora para novo DVD, com produção da MTV.

Enquanto conversa com a reportagem da RS Brasil, Donato - em um táxi a caminho da Urca, bairro carioca onde Roberto Carlos também encontra refúgio - volta e meia volta a reclamar do dente. "O cara demorou muito, precisa fazer tudo com precisão. Não é automóvel, é ser humano, que fala e canta." Duas coisas que o artista, pelo visto, gosta muito de fazer.

Palco MPB João Donato

31 de agosto, segunda-feira

Teatro Rival Petrobras

Rua Álvaro Alvim, 33 - Cinelândia

19h

Entrada Franca

Lugares disponíveis: 100 pessoas, com senhas distribuídas a partir de 13h30

Informações: www.mpbbrasil.com ou (21) 3223-6600