Economia explorada, democracia de exceção
Após 203 anos da proclamação da independência do Haiti, a história de sua república pode ser contada por fatos marcantes, como a rebelião de escravos que libertou a ex-colônia francesa, mas também pela instabilidade política, recortada por ditaduras sangrentas e interferências externas. A democracia, uma exceção no país, teve apenas cinco oportunidades de eleger os representantes políticos (1957, 1990, 1995, 2000 e 2006). Contudo, apenas um deles conseguiu concluir seu mandato e passar o cargo para outro representante escolhido pelos haitianos. Foi René Préval, eleito primeiramente em 1995, e que passou o cargo para Aristide em 2000. Após a longa transição iniciada com a crise política de 2004, Préval foi escolhido novamente presidente nas eleições organizadas com a ajuda da ONU e OEA.
Durante a colonização, o antigo modelo de plantation, baseado no latifúndio para a monocultura da cana-de-açúcar, escravizou africanos. A partir da liderança de Toussaint L'Ouverture, uma rebelião de escravos lutou pela independência do país em relação à França, que impôs uma dívida para "compensar" a perda da mão-de-obra. No período inicial, os militares instalaram um regime autoritário e depois, em nome da normalização democrática, os Estados Unidos invadiram o país durante 19 anos a partir de 1915, deixando um legado de massacre e usurpação de terras. O período da Guerra Fria, polarizado entre Estados Unidos e União Soviética, foi marcado no Haiti por outra ditadura, comandada pela família Duvalier. Começou em 1957 com "Papa Doc". Ficou no poder amparado em uma milícia violenta chamada Tonton Macoutes. Era a forma de reprimir os dissidentes políticos e possíveis novas forças de oposição.
Após sua morte, em 1971, seu filho Jean-François Duvalier, mais conhecido como "Baby Doc", assumiu para manter o legado ditatorial no país. A situação perdurou até 1986, quando uma série de manifestações obrigou o ditador a deixar o país e se exilar na França. Já era então um movimento influenciado pelo líder religioso Jean Bertrand Aristide, adepto da teologia da libertação. O reduto político de Aristide era a maior favela do Caribe, Cité Soleil, localizada ao norte da capital Porto Príncipe e ainda hoje uma região muito pobre e violenta.
Aristide despontou como nova liderança no país reprimido por anos de ditadura. Foi eleito com mais de 60% dos votos em dezembro de 1990. Contudo, sete meses após sua posse, militares tomaram o poder e instalaram novo regime autoritário. Não há números corretos, mas os haitianos estimam que cerca de cinco mil partidários do Lavalas, partido de Aristide, foram assassinados nesse período. Milhares de haitianos deixaram o país por causa da repressão, inclusive lideranças dos movimentos sociais.
O exílio de Aristide nos Estados Unidos ajudou a desencadear uma missão militar com apoio do governo Bill Clinton para restabelecê-lo no poder. O ex-presidente aceitou realizar novas eleições logo que chegasse, assim como a implementação de uma política econômica conservadora com base nos programas de ajustamento
do Fundo Monetário Internacional (FMI), baseada no corte de gastos públicos e na redução das tarifas de importação.
O período comandado novamente pelo Lavalas seguiu com o presidente René Préval após 1995. Seguindo a política ortodoxa da economia, a eliminação das tarifas destruiu, por exemplo, a produção de arroz do país. Segundo dados da ONG Oxfam, as importações do produto, que eram 7 mil toneladas em 1985 passaram para 220 mil toneladas em 2002. Em 1994, temendo novo golpe, o governo extinguiu por decreto o exército nacional. É a Polícia Nacional do Haiti que executa, sem condições, as funções de defesa, vigilância e repressão de crimes.
Quando Aristide estava novamente no poder, em 2004, uma série de manifestações populares e, posteriormente, de grupos armados, marchando do interior para a capital, Porto Príncipe, exigia a saída do presidente. Em fevereiro, os fuzileiros norte-americanos aterrissaram na capital e levaram Aristide para o exílio. Foi instituído um governo provisório e, posteriormente, a ONU enviou uma força de paz com o objetivo de garantir segurança e realizar novas eleições. É a terceira missão das Nações Unidas. Pode ser a mais longa de todas.
Fonte: New Left Review e Missão Internacional de Investigação e Solidariedade ao Haiti