Em 7 de julho de 1990, o cantor e compositor morreu vítima de aids; Lucinha e João Araújo, pais do músico, e o amigo Leo Jaime relembram sua trajetória
Atualizada às 16h37
O dia 7 de julho marca a data de morte de um dos grandes nomes da música popular brasileira, Cazuza. O cantor e compositor carioca se despediu dos fãs no ano de 1990, aos 32 anos, após uma longa batalha contra a aids, doença pouco conhecida nos anos 80, quando diagnosticada pelo cantor. A saudade dos admiradores e amigos pode ser enorme, mas sua música e coragem, dois de seus maiores legados, permanecem intactos até hoje.
Filho de João Araújo, importante produtor musical que presidiu a gravadora Som Livre durante muitos anos, Agenor de Miranda Araújo Neto, o Cazuza, cresceu em convivência com grandes nomes da música brasileira, como Caetano Veloso e Novos Baianos. Difícil acreditar que cerca de dois anos antes de entrar para o Barão Vermelho, em 1981, Cazuza nem sonhava em ser cantor. O tímido garoto intelectual fazia teatro e adorava explorar mapas e livros de geografia, além de escrever poesias e divagar sobre o mundo. O responsável por fazê-lo enxergar seu potencial musical foi o amigo e músico Leo Jaime, que, na época, assumia os vocais das bandas Nota Vermelha e João Penca e seus Miquinhos Amestrados. "Um dia, ele me mostrou uma música, 'Down em Mim', que fez em uma semana, enquanto tocava violão, coisa que eu nem sabia que ele fazia", conta Leo, em entrevista à Rolling Stone Brasil.
A faixa era "espontânea, ingênua e de uma maturidade enorme". "Percebi que estava diante de um gênio, mas ele disse que se eu mostrasse pra alguém, cortaria relações." Leo, então, começou a tentar empurrar o amigo, que tinha o apelido de Caju, para a carreira musical. Chamou-o para fazer pontas como backing vocal, até que, quando recusou convite para fazer parte do Barão Vermelho (na época com Frejat, Dé, Guto Goffi e Maurício Barros), indicou Cazuza para os vocais. "Eu disse que ele era talentoso, bom letrista e uma boa figura no palco porque era divertido. Eles toparam e Cazuza foi ao ensaio dizer que não tinha o menor saco para ser cantor de rock." Um mês depois, o Barão estava no estúdio gravando o primeiro disco, pela Som Livre, após muita insistência do produtor Ezequiel Neves (que, coincidentemente, morreu nesta quarta, 7, aos 74 anos) e do diretor artístico Guto Graça Mello para João Araújo, que achava antiético gravar as músicas de seu próprio filho. O disco autointitulado, de 1982, contava com faixas como "Down em Mim" e "Todo Amor que Houver Nessa Vida", incluída no repertório de Caetano Veloso no ano seguinte.
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Em 1983, o grupo lançou Barão Vermelho 2 mas, assim como o disco de estreia, não alcançou grandes vendagens - até Ney Matogrosso regravar a faixa "Pro Dia Nascer Feliz". O último álbum do Barão Vermelho com Cazuza, Maior Abandonado, de 1984, certamente foi o mais notável, já que a banda foi convidada para compor e gravar o tema do filme Bete Balanço. Em 1985, o grupo se apresentou no Rock in Rio, mesmo ano em que Cazuza deixou a banda.
De acordo com João Araújo, o que mais motivou sua saída foi o interesse em "ser abrangente". Além de rock, Cazuza adorava samba-canção e samba de raiz, uma mistura que, somada às composições extremamente emocionais, trazia um repertório diferenciado. "Para Cazuza, rock incluía tudo, até músicas românticas, como 'Codinome Beija-Flor'. Frejat era mais radical, achava que tinha que ser só rock." Já Leo Jaime parafraseou o produtor Ezequiel para falar da autenticidade de Cazuza: "Ezequiel dizia que Caju não falava em dor de cotovelo, mas em fratura exposta de cotovelo. Ele misturava um pouco disso com a malandragem rock 'n' roll". Para Leo, a música de Cazuza foi o "hino de uma época": "Cazuza e Renato Russo foram, para o Brasil, o que Jimi Hendrix e Janis Joplin foram para a música pop internacional: os heróis, que não tinham freios, abriram o coração, se expondo e dando voz a uma geração."
No final de 1985, Cazuza lançou seu primeiro disco solo, Exagerado, com faixa-título composta em parceria com o cantor Leoni. O segundo álbum, Só Se For A Dois (lançado pela gravadora PolyGram, hoje Universal Music), contava com "O Nosso Amor a Gente Inventa" e "Solidão Que Nada". Depois, em 1988, saiu Ideologia, com "Faz Parte do Meu Show" e "Brasil", tema de abertura da novela Vale Tudo, da Rede Globo, na voz de Gal Costa. Em 1989, vieram os dois últimos discos: O Tempo Não Pára e Burguesia, gravado pelo cantor já em cadeira de rodas, em decorrência das complicações da aids, doença que o atingiu cerca de cinco anos antes.
Luta contra a doença
"Vamos pedir piedade/ Senhor, piedade/ Lhes dê grandeza e um pouco de coragem", cantava ele "às pessoas de alma bem pequena", na clássica "Blues da Piedade". De personalidade forte, Cazuza caminhava pela timidez e pelos momentos de extroversão, mas uma característica em particular é lembrada pelos mais próximos ao cantor e pelos fãs: coragem - a mesma que faltava aos "miseráveis" citados na canção. "Nunca conheci um homem tão corajoso como meu filho, modéstia à parte", diz Lucinha Araújo, sobretudo sobre a postura de Cazuza em relação à doença com a qual foi diagnosticado na segunda metade dos anos 80. "A primeira atitude de alguém que tem essa notícia é parar de fazer as coisas, não sair de casa, e isso enfraquece e acaba levando a pessoa antes do tempo. E o Cazuza tirou uns dois ou três desse caminho", conta o pai, sobre o auxílio do cantor aos colegas que também eram soropositivo. "Ele animava, falava 'sai daí, vai ver o sol, não se entregue'."
Em meio a uma sociedade marcada por imenso preconceito e pouco conhecimento sobre a aids, o cantor deu a cara à tapa e se tornou a primeira figura de peso na mídia a assumir publicamente a doença. O rebuliço foi enorme, claro, e, se sua trajetória musical já era acompanhada pelos fãs ao longo dos anos 80, o tratamento de sua saúde ganhou semelhante visibilidade. "Ele disse um dia a frase definitiva: 'Mamãe, quem canta 'Brasil mostra sua cara' não pode esconder a sua em um momento desses'", lembra Lucinha, sobre quando o cantor decidiu falar abertamente.
Viva Cazuza
Após a morte do filho, Lucinha notou a necessidade de auxiliar aqueles que também lutam contra a doença. Ainda em 1990, no mês de outubro, foi criada a Sociedade Viva Cazuza, instituição que atende crianças e adolescentes portadores do vírus HIV - além de auxiliar na difusão de informações a respeito do assunto. Na casa, há 20 pacientes com idades que vão dos 11 meses aos 17 anos. "O adulto carrega com ele uma culpa. A criança é inocente, com ela você consegue lidar muito mais. Todas foram contaminadas pela via materna", afirma.
Com base em informações divulgadas pelo Ministério da Saúde, são registrados anualmente cerca de 35 mil novos casos da doença. Na instituição, os medicamentos antirretrovirais - que inibem a reprodução do HIV - são cedidos pelo governo, enquanto que o sustento geral se dá a partir dos direitos autorais do cantor (cada vez menores, segundo Lucinha) e por meio de doações. A ONG também desenvolve o Projeto de Adesão ao Tratamento, atendendo, todos os meses, 140 pacientes que se encontram sob cuidados na rede pública do Rio de Janeiro. Atualmente, a Viva Cazuza busca por parceiros que possam auxiliar em seus projetos. Para mais informações, clique aqui.
Relembre abaixo o trabalho de Cazuza: