Lançamento de CD e DVD marca uma breve despedida do músico do samba
Seu Jorge está atrasado. Uma hora depois do horário marcado, nesta terça-feira, 6, a equipe de reportagem da Rolling Stone Brasil entra em uma redonda sala com cheiro de cinzeiro onde ele concede as entrevistas, para divulgar seu CD e DVD ao vivo Músicas Para Churrasco Vol. 1 Ao Vivo. O músico nos recebe com o sorrso branco aberto. “Você quer uma cervejinha?”, pergunta ele ao voltar a se esparramar em uma das muitas cadeiras que circulavam a mesa no centro da sala, logo depois das apresentações. “Não quer, mesmo? Pô, vai recusar minha cerveja artesanal... Tem suco aqui também. E salgadinhos?”
O jeitão malandro carioca e a fala mansa já indicam que Jorge Mario da Silva não liga muito para horários. Sobre o motivo do atraso, uma gravação com Dudu Nobre, para o próximo álbum do sambista, ele conta com uma empolgação quase infantil: “Tá bom pra caralho! Samba, muito samba. Eu acabei com tudo lá”, diz ele, antes de cantar “E Eles Verão a Deus”, um samba-enredo da Unidos da Ponte, com aquele vozeirão característico: “Hoje a natureza canta / A musa se encanta / E vem pra festejar / E vem sorrir que a vida é bela”.
O DVD e CD ao vivo, com lançamento previsto para o dia 21 deste mês, marcam a despedida (pelo menos por um tempo), do Jorge sambista. Músico acostumado a ir para direções difusas (basta lembrar o experimental Seu Jorge e Almaz, antecessor do popular Músicas Para Churrasco Vol. 1), ele agora pretende “colocar o cavaquinho descansar”. É também a despedida de Pretinho da Serrinha do grupo que acompanha Seu Jorge, que parte agora em projeto próprio com o Trio Preto +1. “Perdi um cavaquinhista, mas ganhei um artista”, brinca Jorge.
“Sempre achei o choro do cavaquinho tão bonito, prático e maravilhoso. Mas ele era totalmente colocado de lado, discriminado. O técnico de som vê um cavaquinho e já diz: ‘lá vem um pagodeiro’”, diz o músico. O samba, intrínseco na sua formação, ganhou espaço com o último disco, feito exatamente para criar uma aproximação maior com as camadas mais populares. “Eu me apoiei muito nesse instrumento. Porque por mais igual que eu seja, em formação, ao Belo, ao Exaltasamba e ao Revelação, sou diferente.”
E, por ser esta uma breve despedida, o clima do registro não poderia ser outro, que não festivo. “E era o dia da Consciência Negra”, relembra o músico. O show gravado foi realizado em 20 de novembro de 2011, na Quinta da Boa Vista, no Rio de Janeiro. “Queria gravar em Madureira”, confessa o músico, mas a estrutura do bairro não comportaria a quantidade de gente presente.
O encontro dessas canções com o subúrbio carioca entrara em ebulição naquela noite. Músicas Para Churrasco foi feito intencionalmente para isso, com causos e personagens suburbanos , como “A Doida”, “Meu Parceiro”, “Véia”, “Vizinha”, “Amiga da Minha Mulher”, todos eles facilmente reconhecíveis – personagens e histórias comuns para qualquer um de nós.
No palco, Jorge parece atuar como o faz nos cinemas. É uma espécie de novo Tony Tornado (mais baixo, obviamente), mais um showman – com divertidos passinhos de dança – e anfitrião para os convidados, não apenas um cantor. Ao fundo, a excelente banda também relembra os animados shows de gospel, com o quarteto de metal balançando cheio de ginga ao sabor da música. “Eu quis reencontrar essa identidade negroide da música brasileira que tem passado despercebida e ficou nas mãos das batidas eletrônicas, como no hip-hop e no funk carioca. Tocar esse tipo de som, de maneira mais analógica ou eletroacústica, foi um grande desafio. Acho que deu certo”, diz.
Os convidados também entram e dão força ao espetáculo, cantando ora músicas próprias, ora de Seu Jorge. Como bom anfitrião, Jorge os deixa à vontade – tem até cerveja e uma mesa de boteco no palco para Zeca Pagodinho cantar “Bagaço da Laranja” e “Deixa a Vida Me Levar”. Há participações de Alexandre Pires, Caetano Veloso, Trio Preto +1, Sandra de Sá e Racionais MC’s.
“Era uma festa aberta para o público e todas essas pessoas são amadas pelo povão”, diz Jorge, antes de dizer que tentou chamar Ivete Sangalo para participar da gravação, mas foi impossível encaixar a data na agenda. “Aquela galera [público] que está no DVD gosta do Caetano, mas não pode vê-lo. Não por dinheiro, não, meu irmão, mas por um complexo de inferioridade que é embutido neles. O cara vai falar: ‘Eu não tenho roupa para ir’. É a mesma coisa com a curiosidade de ir ver uma pintura do [Claude] Monet, o cara já ouviu falar, mas vai dizer que vão reparar no sapato que estiver usando, na camisa, entende? Quando um artista dessa grandeza, como Caetano, vai até o público, as pessoas ficam daquele jeito.”
O clima festivo do show só some quando os paulistanos Racionais MC’s surgem no palco para cantar “Diário de um Detento” e “Negro Drama”. Questionado sobre o motivo para incluir a turma de rappers, Jorge dá nos ombros e não busca justificativas rebuscadas. É direto: “Eles são a minha referência. O Racionais é tudo o que eu queria ser e não fui”, conta. ”Entendo a dureza que é, como é importante para eles manterem a posição deles, mas algumas coisas estão mudando. Como era o Dia da Consciência Negra, não tinha como falhar. Era de graça, não tinha como falhar, entendeu?”
As pistas para o próximo trabalho de Seu Jorge estão na décima faixa de Músicas Para Churrasco Vol. 1, de 2011, “Quem Não Quer Sou Eu”, que foge do caráter animado de todo o resto do disco e parte para um soul suingado dos anos 80. “Vamos começar a trabalhar com o charme, aquela ideia de baile de charme, com R&B. As pistas estão ali”, diz. “Mas quero algo bastante brasileiro, com a nossa fonética, não com aquele monte de ‘oh yeah’”, diz ele, gesticulando como uma daquelas cantoras divas norte-americanas. “Estou ficando mais velho e o público também”, brinca Jorge. Ele se despede, novamente em pé, agarra o copo suado de cerveja e leva-o à boca, acendendo outro cigarro na sala fechada para se preparar calmamente para a próxima entrevista. O relógio já passou das 20h30, e ele tem uma longa jornada pela frente. Seu Jorge ainda está atrasado.