Sexta-feira, 15 de agosto de 1969. Até domingo, as rodovias que desembocam numa fazenda em Bethel ("Casa de Deus", em hebraico), comunidade rural a 145 km de Nova York, estarão apinhadas de carros. O engarrafamento se encaracola como se fosse uma interminável trança da Rapunzel - ou melhor, de algum hippie que esqueceu o cartão do cabelereiro no bolso de sua calça favorita nos anos 60.
Neste primeiro dia do Festival de Woodstock, a polícia chegou a calcular um milhão de pessoas na estrada - sendo que só 186 mil ingressos, a US$ 18 por dia, haviam saído do caixa (muitos pularam o muro para entrar no espaço, o que fez com que o evento, mais tarde, acabasse sendo visto como gratuito). Boa parte delas, é verdade, deu meia-volta, volver. Outras tantas acamparam no meio da estrada. Boa parte não fazia ideia se estava a um, dez ou 100 km do destino desejado.
Realizado no pico da Guerra do Vietnã, durante o mandato de Richard Nixon como presidente dos EUA, o evento começou por volta das 17h, com a guitarra folk de Richie Havens: "High Flying Bird", o "pássaro de voo alto", sintetiza bem a história daquele festival que começara passarinho, modesto (os organizadores esperavam menos de 100 mil pessoas - 400 mil assistiram aos shows), para então atingir alturas vertiginosas na história da música.
Depois de segurar o público por quase três horas, com direito a covers de Beatles ("Hey Jude", "Strawberry Fields Forever"), Havens cedeu lugar ao "guru de Woodstock", o indiano Swami Satchidananda, que anunciou a abertura do festival. Morto em 2002, aos 87 anos, o mestre de yoga ensinou o "OM" à galera e bateu o martelo: a música era "o som celestial que controla todo o universo".
Em seguida, a banda Sweetwater, pioneira no rock psicodélico e volta e meia em turnê com o The Doors (que negou convite para tocar no festival), mandou setlist encabeçado por versão lisérgica de "Motherless Child", tradicional canção folk, popularizada pelos escravos norte-americanos.
A próxima atração era Incredible String Band. Mas a chuva foi balde d'água fria em mais de um sentido. Recusando-se a tocar com o toró - responsável pela famosa papa de lama que tomou o gramado do evento -, o grupo foi transferido para o dia seguinte - e não era só "frescura", já que havia risco sério de aventureiros terminarem eletrocutados. A Era de Aquário, pelo visto, era aquática literal e figurativamente.
Bert Sommer e Tim Hardin se apresentaram na sequência, e a esta altura os 600 banheiros químicos espalhados pela fazenda já há muito tinham deixado de dar conta do recado. Ravi Shankar, então, subiu ao palco: indiano pop entre os ocidentais e amigão de George Harrison, ele fechou a apresentação com a aguardada "Raga Manj Khamaj". Mas Shankar não curtiu a onda de Woodstock - pouco depois, estaria dando um chega pra lá no movimento hippie.
Vieram a cantora e compositora Melanie e Arlo Guthrie, filho do totem do folk Woody Guthrie. Coube a Joan Baez fechar o dia, dono do line-up mais apagadinho - mas só porque a concorrência de sábado e domingo, convenhamos, era desleal. Grávida de seis meses, a mezzo cantora, mezzo ativista política - ainda hoje, lembrada pela parceria com Bob Dylan nos anos 60 - dedicou "Drug Store Truck Drivin' Man" ao governador da Califórnia na época, Ronald Reagan. A noite acabou com a espiritualizada "We Shall Overcome" - "nós iremos superar". O copo, definitivamente, estava meio cheio para o povo de Woodstock.
Sexta, 15
- Richie Havens
- Swami Satchidananda
- Sweetwater
- Bert Sommer
- Tim Hardin
- Ravi Shankar
- Melanie
- Arlo Guthrie
- Joan Baez