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Entrevista RS: Rodrigo Amarante

Sozinho em cena pela primeira vez , o músico escancara emoções, conversa consigo mesmo e relembra os bons tempos de Los Hermanos

Pablo Miyazawa Publicado em 31/10/2013, às 15h36 - Atualizado às 16h54

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Rodrigo Amarante - Eliot Lee Hazel
Rodrigo Amarante - Eliot Lee Hazel

O tradicional restaurante de esquina no bairro do Botafogo (RJ) está praticamente vazio naquela tarde quieta de sexta-feira, exceto por um casal em uma mesa afastada. “Fazia mais ou menos um ano que eu não vinha para o Rio de Janeiro”, diz Rodrigo Amarante, frequentador típico da região e do local, em um esforço de memória. “A última vez foi na turnê do Los Hermanos... Quando foi? Eu não lembro essas coisas de mês, sou ruim com isso. Confundo as épocas.”

Entre idas e vindas, Amarante vive em Los Angeles desde 2007, mas prefere não fazer planos futuros. “Hoje, moro lá. Não sei onde vou morar depois”, ele diz. “Se você me perguntasse há dez anos: ‘Diz aí um lugar em que você não moraria’. Talvez eu dissesse ‘Los Angeles. Tá aí um lugarzinho onde não vou morar’. E acabei indo pra lá.” Ele gargalha e pede mais um chope ao garçom. “Foi inesperado, mas me deu essa oportunidade de recomeçar.”

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As circunstâncias determinaram que o caminho artístico atual de Rodrigo Amarante não poderia ser mais distante – certamente mais alternativo e talvez menos comercial – das propostas do Los Hermanos e de outros projetos do qual já fez parte, como a catártica Orquestra Imperial e o ensolarado Little Joy. Aos 37 anos, ele se prepara para encarar pela primeira vez o papel de protagonista nos palcos. Após a entrevista, encontraria alguns amigos músicos (entre eles o baterista Rodrigo Barba, companheiro de Los Hermanos) em um estúdio discreto do outro lado da rua, para ensaiar para a turnê do primeiro disco solo da carreira. No recém-lançado Cavalo, a sonoridade é introspectiva e silenciosa, as músicas quase não têm refrãos (apenas seis das 11 são em português) e há ousadias estéticas: em vez de uma imagem, a capa do álbum exibe as letras das faixas. Tudo é parte de um plano cuja intenção, segundo o artista, é criar espaços para a interpretação do público e jamais entregar informações de bandeja.

“No geral, a saída para os produtos é a subestimação da mente humana. Qualquer coisa que fuja disso é para um público ‘especial’, ‘seleto’”, Amarante protesta. “Eu não acredito nisso, nunca vou acreditar e desejo não corroborar com isso. Imagino que as pessoas são inteligentes. Não por achar que minha música é inteligente, mas [é porque] eu quero ser inteligente. E acredito que todo mundo queira ser inteligente também.”

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Existe um tema comum no disco?

As músicas são diferentes, por não serem tentativas de traduzir um mesmo sentimento. Mas existe um fio que as amarra. Todas têm a ver com essa ideia do duplo, do “cavalo”, de uma entidade com quem se tem o diálogo interno. É você se vendo, se enxergando.

E por que Cavalo?

Poderia ter buscado outras ideias para representar o conceito de “duplo”. Mas escolhi essa porque ela espirra na umbanda e no candomblé. “Cavalo” é aquele que recebe o espírito, certo? Ao mesmo tempo, é uma criatura que a gente doma para servir de veículo. Isso não tem a ver só com o diálogo interno, mas com o exercício de escrever, produzir. E eu sinto que existem dois em mim. Um que é criativo, livre e indomável, que ama a coisa em si e que não tem nenhum compromisso de concretização da coisa. E outro é aquele que tem interesse em voltar à ideia e disciplinar seu espelho a concretizar a coisa. Do que estou falando? Talvez de disciplina. Quem anda a cavalo sabe que a cavalgada perfeita é quando existe a simbiose entre o cavalo e o cavaleiro, quando ele usa o mínimo de força nas rédeas, porque há uma relação de confiança um no outro. Na prática, isso significa conseguir escrever de forma fluida, servir ao mundo um pouquinho de beleza, uma musiquinha que seja. Por isso, Cavalo. Mas entendo que levo isso a um lugar um pouco romântico, idealizador demais. Não me importo, porque é a minha paixão. Eu sempre serei criança, e este é o meu brinquedo, meu amor.

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Que tipo de dificuldades surgem quando se tem esse “diálogo interno”?

Eu entendo que disciplina é muito importante e tento me disciplinar o máximo que posso, mas não tenho muito problema com isso. Não tenho pressa também, né? Tenho dificuldade talvez em relaxar e tirar folga. Porque quando penso em folga, isso sempre tem a ver com alguma ideia [risos]. Não tenho brigas internas. Vou continuar fazendo o melhor que eu posso, na esperança de que haja lugar para o que estou fazendo.

Dá para dizer que a solidão de morar fora serviu de combustível para a inspiração?

Gosto muito de estar sozinho, adoro. Na hora de escolher a palavra, preferi “solitude” no lugar de solidão. Elas significam a mesma coisa, mas solidão carrega tristeza, e solitude tem um ar romântico, ideal. Eu gosto de estar sozinho, mas não gosto de solidão – eu gosto de solitude. Eu me interesso pelo diálogo interno, descobrir novos lugares, conhecer pessoas. Em nenhum momento foi um sofrimento. Assim que cheguei aos Estados Unidos e senti que estava passando mais tempo lá, senti um estranhamento... Tem um quê de desconforto, mas o aprendizado através disso é um prazer, é material para meu pensamento. O disco, no fim das contas, é uma tentativa de mostrar a riqueza que há nisso. Estou bastante exposto nele.

Crítica de Cavalo: depois do exílio, músico retorna com o retrato musical mais íntimo do que qualquer um poderia imaginar.

Você já está há anos em Los Angeles. Quanto isso influenciou no resultado do disco?

As cidades preservam a gênese da sua fundação. A Califórnia ainda é o Velho Oeste, no sentido de que é para onde as pessoas vão para realizar sonhos irrealizáveis ou fugir de fantasmas. É onde coisas recomeçam e tudo é possível, desbundante. E é um deserto, né? Vasto, onde muito é ilusório. As palmeiras foram colocadas ali para que você tenha a sensação de estar num oásis. Mas você sabe que ainda está no deserto.

Foi fácil se acostumar a morar lá?

Eu vivo bem lá, cara. Minha saudade é uma coisa que cultivo sem o menor sofrimento. É um prazer. Não preciso ter uma vivência brasileira lá – pelo contrário, prefiro não ter. Eu não como em restaurante brasileiro. Já tentei, é uma decepção sempre. Prefiro fazer as comidas eu mesmo ou esperar para vir aqui e comer um sanduíche no [restaurante] Cervantes. Porque não vai ter o sanduíche do Cervantes lá.

Na carta que divulgou com o disco, você mencionou quando “se descobriu estrangeiro”. Como você acha que é visto lá fora?

Não tenho a menor ideia. Tenho amigos maravilhosos, sou muito amado por eles e os amo também. Você precisa ser estrangeiro para saber o que é. Não é uma tristeza, eu insisto. Não é se sentir triste, não ter amigos. Pelo contrário. Mas você sabe que é estrangeiro, sabe o quanto demorou para dominar a língua do outro. Posso ficar lá 250 anos e sempre serei brasileiro, carioca. Quando digo que “me descobri estrangeiro”, quero dizer que é uma sensação maravilhosa, porque sinto que não tenho terra natal. Sei de onde vim, quem sou, mas tenho noção de que me imagino de uma forma diferente como você me vê. Da mesma forma, a minha ascendência, aquilo que reconheço em mim, também é uma invenção. É uma vontade, um amor pela memória de ser brasileiro, carioca. Quem é e quem foi estrangeiro sabe do que estou falando.


A expectativa do público te assusta? Porque se levado em conta o sucesso da turnê recente do Los Hermanos, dá para ver que ela é alta.

Eu tô por fora! Mesmo lá, fico quieto no meu canto. Fico feliz de ouvir isso, porque me deu a sensação de que fiquei esse tempo lá na minha caverna pensando no que dizer. Agora, tenho um negócio para dizer. Aí, estou aqui. Não quero gastar seu ouvido à toa! Tenho certeza de que você tem coisa melhor pra fazer [risos].

Olhando hoje, você acha que lidaram bem com o sucesso do Los Hermanos?

Quando fizemos o Bloco [do Eu Sozinho, de 2001], a gente ficou super empolgado. Estávamos escrevendo “Todo Carnaval Tem Seu Fim” e pensando: “Isso está estranho, diferente, nunca fizemos algo assim. Quem será que vai gostar?” Aí o disco saiu, e os primeiros que tiveram contato – a gravadora – não entenderam. Ao longo do tempo, ele se tornou algo aceito para alguns. Para nós, foi assim: “Gostaram? Vieram até aqui? Então vamos mais longe”. Porque amamos fazer música, e nunca quisemos manter uma instituição, um trabalho. Queríamos levar a música e um ao outro a um lugar novo, interessante, excitante. É o nosso papel.

Vi uma entrevista do Renato Russo em que ele disse: “Só tem duas formas de se fazer arte. Uma é fazer para tirar – dinheiro, posição, status. A outra é fazer para dar. Se você acha que criou algo que possa servir para fazer melhor a vida de outra pessoa ou do mundo”. E a gente cultivava isso. Somos como somos por causa daquele diálogo – era uma banda mesmo, na ideia. E a música tinha a ver com a ideia.

Escrever música foi um processo natural?

Eu fazia umas músicas sem pretensão. A minha primeira mesmo foi talvez “Onze Dias” [de Los Hermanos, 1999]. Comecei porque pensei: “Estou em uma banda, vou fazer música”. Simples assim [risos]. Realmente, só virei compositor por causa do Los Hermanos. Não sei, vai saber? Fiz vestibular pra cinema, mas era muito longe de onde eu morava e desisti. Se não tivesse feito jornalismo, não estaria no Los Hermanos. Conheci pessoas incríveis naquela faculdade, mestres, pessoas que viraram professores. O curso em si foi uma depressão do caralho. Enfim, estudei muito, tive aulas maravilhosas, aprendi francês. Mas não me formei porra nenhuma. Tivemos de sair antes. Bruno [Medina, tecladista] conseguiu se formar, sei lá como.

Seu interesse por música vem de onde?

Minha família sempre foi muito musical. A do meu pai, cujo sobrenome é Castro Neves, teve um bloco de Carnaval durante anos em Saquarema. Desde pequeno eu convivia com isso, de me apresentar com todos, tocando bateria. Meu pai não é músico profissional, mas ama, toca violão, piano, e nem sabe o nome dos acordes. Desde pequeno eu via ele tocar de ouvido e pensava: “Quero fazer isso. Mas é difícil pra caralho, devo ser burro! O que ele faz eu não consigo”. Achava que era algo natural, que eu deveria fazer de cara. E quando descobri que não era natural, eu já estava a meio caminho de me sentir à vontade com isso.

Então preferiu aprender sozinho?

Meu pai me botou para estudar piano quando eu tinha 6 anos, na escola do Zimbo Trio, em São Paulo. Depois que a gente se mudou de novo, eu me desinteressei pelo piano e queria ser baterista, mas queria também aprender violão, guitarra. Com 9 eu comprei o primeiro disco do Smiths e pensei: “Tenho que tocar guitarra agora”. Eu pedia pro meu pai me ensinar e ele dizia: “Não, você está bom no piano. Se você quiser, aprende”. Daí, fui na banca e comprei a revistinha do Legião Urbana. E aprendi. Qualquer um aprende, basta querer. Se na primeira vez que você fizer “pleim” [faz o gesto de tocar] vier uma explosão no seu peito, você vai aprender. Senão, não vai.


A última turnê do Los Hermanos causou mudanças em como você enxerga a música?

Foi um negócio louquíssimo. Eu nunca me acostumei com esse lance do Los Hermanos. Cada vez que subia no palco era isso: “Caralho, olha toda essa gente! Que loucura!”. Ao mesmo tempo, todo mundo na banda sempre conversou e tentou tirar o peso que isso tinha. Tentamos ver assim: se serve pra algo, é para nos encorajar a fazer as coisas sem medo. Isso nós desenvolvemos juntos, conversando, os quatro. E é algo que trago comigo, entendeu? Por mais louco, absurdo, que seja o negócio do Los Hermanos, quando vou fazer uma música, eu não fico pensando “Mas tanta gente está esperando por isso...” Meu irmão, eu tô lá longe. Tô fazendo o disco pensando nos meus mestres – os meus amigos, que amo e admiro, uns que já estão mortos. Estou querendo conversar com eles.

A responsabilidade de entregar atrapalha?

Claro que faço a música pra alguém ouvir, mas não sinto peso. E tem outra coisa, que posso chamar de senso de responsabilidade. Uma vez me falaram que isso é coisa de virginiano, de querer servir. Eu quero fazer algo que sirva, não estou aqui pra me aproveitar de ninguém. Não é pra ganhar dinheiro, comprar um carro, sei lá. Eu quero servir. Sem o padeiro, não tem pão; sem o músico, não tem música.

E o fim do Los Hermanos? Por que os fãs custam a aceitar?

Acho que são duas coisas: uma é o amor pela banda, que é maravilhoso. Mas tem aquilo também: “Eles estavam no auge comercialmente. Por que parar?” Na época em que decidimos, até as pessoas próximas ficaram assustadas. “Mas e aí, e agora, e o padrão de vida?” Tudo isso que se construiu em volta da gente é consequência da música. Ela não pode vir porque existe uma demanda de um “padrão de vida” ou porque “existe potencial de mercado pra isso, então vamos fazer”. Acho maravilhoso que a gente conseguiu sentar e discutir: “Então, vamos parar agora”. E realmente pode ser que a gente volte, eu não sei. Ninguém falou “Não, nunca mais”. A gente se ama, é maravilhoso. Tem sido bom ter parado, foi a decisão certa, que me deu oportunidade de eu fazer tudo isso, sair do Brasil. O Marcelo fez vários discos...

Por isso que foi difícil parar. Afinal, normal é querer continuar o que está dando certo comercialmente. Mas a gente falou: “Não está na hora de fazer outro disco. Não vai rolar. Então, não vamos fazer”. As coisas fundamentais são claras e simples. O que está em volta é que complica. Mas, quando a coisa é fundamental, é assim: “Tá a fim? Não. Então não”.

E a relação com o Marcelo Camelo? Você acompanha o trabalho dele, acha que ele só poderia ter tomado aquela direção artística?

O amigo e o artista não têm diferença pra mim. Ele é como se fosse família, um irmão. A gente cresceu e aprendeu a ser adulto junto. Digo que grande parte de eu ter virado compositor era de ver o Marcelo compondo e querendo fazer parte de um diálogo com ele. Realmente, nossas músicas não apontam pro mesmo lugar. Elas se cruzam, um contando histórias ou apresentando uma coisa para o outro. Isso me ajudou muito a achar um lugar próprio de escrever.

Assim como cobraram muito o Camelo, parece que esperam muito de você também.

Toda vez que falam isso, eu puxo de um lado do ouvido e jogo fora. Ainda bem, é um bom sinal, tomo como elogio. Tá esperando muito? Ótimo. Se estivesse esperando pouco, quer dizer que preciso mesmo me esforçar e fazer o melhor para tentar surpreender.

Está pronto para corresponder à expectativa?

O que esperam, não tem problema! Eu não quero deixar ninguém triste. Eu quero tocar! Tocar as pessoas! E talvez isso leve, com sorte, a alguma lágrima. Mas, se você se emociona, é porque talvez entrou em contato com algo seu que estava sufocado dentro. Alguma coisa que deve ser trabalhada, pensada, dita. E isso leva à alegria, a se sentir mais inteiro, a ser uma pessoa mais feliz. Tristeza é fechar as portas, se negar, se esconder, ter medo.