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Rodrigo Amarante comenta as onze faixas do novo disco, Cavalo

Redação Publicado em 07/11/2013, às 17h04 - Atualizado às 19h39

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Galeria – Rodrigo Amarante – Faixa-a-faixa – capa - Felipe Gabriel
Galeria – Rodrigo Amarante – Faixa-a-faixa – capa - Felipe Gabriel

1. “Nada em Vão”

“Essa foi uma das últimas músicas que escrevi para o disco. Até por isso, ela fala literalmente dessa coisa do espaço. Eu já estava com o espírito de tirar: ela não tem baixo, tem espaços enormes e toda essa dimensão que pode falar entre uma pessoa e outra. Ela representa bem essa ideia do disco, das lacunas que existem entre uma coisa e outra. Por isso que eu a coloquei logo de cara, com aquele saxofone gritando – 'fuuueeen!'."


2. “Hourglass”

“Essa é mais uma sobre o 'diálogo interno'. Sou eu, em diálogo comigo mesmo, tentando entender o ritual de escrever uma música. E tem a ver com hipnose. Não está claro, mas a letra fala sobre eu tentar me hipnotizar, criando uma espécie de ritual de comunicação com esse 'duplo' que inspira, controla a inspiração e que viabiliza a obra. Mas não parece [isso], porque não estou dando de bandeja. É sobre o tempo em que eu me via sentado com a caneta e a página branca, pensando, um cigarro atrás do outro, uma garrafa atrás da outra. Os versos vieram a partir disso - espera, concentra. Nós somos animais rituais.”


3. “Mon Nom”

“É sobre ser estrangeiro, se expressar em outra língua e as maravilhas que isso gera, desvios e confusões. Resolvi usar o francês aqui para criar uma espécie de metalinguagem, outra camada na música. Eu começo falando que sou estrangeiro e que não falo da mesma forma que você. A partir daí, começo a cantar de um jeito que leva a pensar que estou falando em metáforas. Mas como acabei de dizer que não tenho o domínio da língua, você se pergunta: 'É ou não é metáfora? Qual é o assunto?'. Aí gera um espaço para interpretação, uma folga, que pode ser interessante. É uma experiência que ainda estou entendendo no que vai dar. Minha ideia é preservar os espaços e tentar seduzir pela falta, talvez.”


4. “Irene”

“É sobre a falta, um amor que não se consegue esquecer. Quando digo que já não sei o nome dela, é que ela pode ter se casado e mudado de nome. O nome dela eu sei, é Irene. Escolhi esse nome porque é uma referência à ‘Irene’ do Caetano [Veloso], e à do Ciro Monteiro. No caso do Caetano, é a mulher que em exílio ele imaginava sorrir, o símbolo do amor que ficou do outro lado do continente. Para mim, ela representa os amores que tive de largar cada vez que me mudei e inventei coragem de recomeçar na infância - porque na infância eu já amava muito intensamente. A Irene é um amor irrealizado que jamais vai morrer. É um nome que abrange essa mulher, que não precisa ser mulher. Pode ser um lugar, uma memória que ficou e não se apaga.”


5. “Maná”

“Imaginei que seria a que iria tocar mais, e foi por isso que a lancei antes. Escrevi para minha irmã, Marcela - daí o Má, que é o apelido dela. Fiz a música quando ela estava triste, se separando. ‘Maná’ é uma palavra que vem da história dos judeus quando estavam em exilio no deserto: é a comida divina que Deus deu para eles sobreviverem, e termina por significar a graça, uma benção. Fala do ritual de cura, e de coragem, porque diz que ‘o que é para acontecer está acontecendo’.

É também sobre a música enquanto forma de cura, que é uma ideia muito antiga e em que eu acredito muito. Tem a ver com as religiões africanas, porque fala sobre ‘ponto’ – parece que eu estou falando de 'ponto de macumba', e eu também estou. Mas também é no sentido de 'o ponto da conversa'. Ou seja, o importante é saber se amar.”


6. “Fall Asleep”

“É uma canção de ninar que escrevi para mim mesmo. Eu sempre tive insônias incríveis. Graças a Deus não as tenho mais, mas de vez em quando tenho um ciclo delas. Daí eu falei: ‘Quer saber? Vou fazer uma’. Mais uma vez, sou eu me separando de mim mesmo e expressando a vontade de desligar a cabeça. É uma coisa pura, do desejo de conseguir se desligar do mundo, da vida, e sonhar, ter uma experiência fora do ordinário.”


7. The Ribbon

“Nessa eu tentei escrever através de imagens. Ou seja, a música não tem nenhum adjetivo, assim como a maior parte do disco. Se uso adjetivos, eu estou qualificando, e daí estou direcionando o que você vai ver. Mas meu interesse é não definir tanto. Essa música é a história do ponto de vista de alguém...[hesita] Eu não sei se devo te dizer.

Bom, eu vou dizer, foda-se! É do ponto de vista de alguém que está morto. Ela fala sobre um personagem cujo destino foi passivo diante do próprio destino, e ele só consegue ver isso quando não está mais vivo. É alguém que foi levado a fazer a coisa que achou que fosse certa, porque a figura paterna o levou a crer nisso. Ela tem relação com uma outra música do disco. Quando a gente chegar nela eu te digo.”


8. “O Cometa”

“Também é sobre a falta. Mas é a falta de um amigo querido, que é o poeta Ericson Pires, que morreu no ano passado. Foi um grande amigo que conheci logo que entrei na PUC-RJ. Já era veterano e nós nos tornamos grandes amigos. E ele foi meu grande amigo, mas também meu professor, e um cara que me ensinou muito. Grande cabeça, grande louco, culto, intelectual. Essa música foi um retrato dele à minha moda. Também é uma coisa que tem a ver com a saudade que eu sinto dele.

(...) ‘O Cometa’ é [Henry] Mancini puro: é meu amor pelo Peter Sellers e os filmes do Blake Edwards, na genialidade absurda que ele teve de escrever temas de comedia com uma delicadeza e uma inteligência absurda, não subestimando.”


9. “Cavalo”

“Essa é a mais pura, no sentido de ser só imagens. É a que menos tem letra, é a mais sintética, e a que também toca no lance do ‘ritual’. É uma descrição de um sonho de um segundo, uma imagem que atravessa do mundo do sonho para o mundo vivo, através da memória. E que termina por representar todo esse conceito do duplo, de eu enxergando a mim próprio.

O lance do japonês na letra tem a ver com duas coisas. Uma é o formato da escrita, do poema, que é conciso com imagens, como os japoneses fazem. Sempre fui fã da arte japonesa desde criança, não sei bem por que. Tento me perguntar: ‘Será que é quando eu morei em São Paulo eu gostava de ir na Liberdade?’ E me lembro da primeira vez que vi o Sonhos do [Akira] Kurosawa. Tem uma cena que mostra os caras tentando achar um acampamento na neve e não conseguem ver nada, estão perdidos. O líder do grupo não aguenta mais, desmaia e tem um delírio: ele vê a tempestade na forma de uma mulher, que abriga ele com um cobertor de fios brancos, como se a tempestade se tornasse uma coisa confortável, aconchegante. Nesse delírio, ele reconhece que ela é a tempestade e significa a morte dele, e o sol abre. Esse trecho me tocou profundamente, e me lembro de que os meus sonhos sempre têm ventania, uma luz prateada, [que está em] um lugar fora do mundo, entre o dia e a noite. Essa música foi eu tentando ‘dar de volta’ aos japoneses: ‘Olha, eu fiz isso pra vocês, porque vocês me deram tudo isso’. O disco é cheio dessas coisas."


10. “I’m Ready”

“‘I’m Ready’ é o espelho de ‘Ribbon’. É outro personagem da mesma história. [Pensa] Será que digo exatamente o que é? Eu me pergunto isso, porque penso: 'Daí, qual é a graça?' Acho que a graça mesmo é a pessoa ouvir a música e se perguntar. Se eu disser ‘tem uma relação entre as duas músicas, são dois personagens da mesma história, dois pontos de vista’, eu acho que já é o suficiente. Está claro: se você ouvir, vai ver o que é.”


11. “Tardei”

“É a mais autoexplicativa. Ela fala da minha infância, e também desse momento: desse disco, de eu voltar para cá, de todas as vezes que tive de partir, deixar pra trás e ser corajoso, e o que eu trago de volta – o meu rosário, meu fio de contas, que é esse disco. Disco é uma coisa que você precisa sentir que está pronto. E eu senti que essa música era o fim dele.

É por isso que eu disse que me exponho tanto nesse disco: eu estou falando de mim, da minha história, de como eu entendo que sou. Essa música fala desse momento, de eu voltar pra casa, trazendo esse disco, e o que ele traz com ele.”