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Como Ronda Rousey, depois de morar no próprio carro, se tornou a força número 1 do MMA

Bethe Correia será a próxima oponente da atleta, no UFC 190, que acontece no sábado, 1, no Rio de Janeiro

Erik Hedegaard | Tradução: Lígia Fonseca Publicado em 27/07/2015, às 18h18 - Atualizado às 18h39

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Ronda Rousey - Peggy Sirota
Ronda Rousey - Peggy Sirota

Ronda Rousey está dormindo tranquila em seu minúsculo bangalô em Venice Beach, na Califórnia, com a respiração rítmica e um pé se mexendo. Está nua porque dorme assim e parece muito diferente de quando se apresenta no octógono do Ultimate Fighting Championship. Nas lutas, ela é uma mulher furiosa de ombros largos e olhar malvado, capaz de overhands de direita sinistros, cotoveladas e, claro, a submissão com chave de braço, sua jogada característica para encerrar os combates.

Encarando as incertezas de uma nova fase na carreira, Mauricio “Shogun” Rua trabalha sem descanso para retornar ao topo do UFC.

Não que o mundo tenha tido muitas chances de ver todo esse caos. As lutas dela, três amadoras e 11 profissionais, sem nenhuma derrota, tendem a terminar em menos de 60 segundos. Aos 28 anos, nos últimos quatro Ronda se tornou a lutadora de MMA mais dominante na história do esporte e, recentemente, foi nomeada a “mais dominante atleta viva”, superando nomes como LeBron James e Floyd Mayweather.

Dentro do bangalô, minutos antes das 9h, o pé direito de Ronda começa a se mexer mais. Ela precisa dormir: a próxima luta, em agosto, contra a brasileira Bethe Correia, não está tão longe assim. E precisa treinar, ama treinar, nunca quer parar de treinar.

O pé direito está se mexendo muito e as pálpebras começam a tremer. O rádio-relógio ao lado está programado para tocar às 9h.

Lutador veterano, Vitor Belfort ainda luta para se manter no topo – inclusive fora do octógono.

Falta um minuto e, de repente, seus olhos se abrem. Ela olha para o relógio e tudo o que consegue pensar é: “Sim! É isso aí!” Uma hora mais tarde, depois de vestir uma camiseta velha da banda punk Misfits e desejar bom-dia a seu grandalhão dogo argentino, Mochi, ela explica a um repórter: “Olha, por algum motivo acho uma vitória acordar um minuto antes do alarme. É como se estivesse competindo comigo mesma, com meu pé chutando até acordar o resto do meu corpo. É a coisa mais estúpida, mas faz com que eu sinta que já venci algo”.

E é assim que ela vive, 24 horas por dia. Trata-se de vencer, de qualquer maneira. Antes de Ronda, o UFC sequer tinha uma divisão feminina. Na época, o lugar mais desejável para mulheres do MMA era uma organização muito menor chamada Strikeforce. Foi também onde Ronda surgiu, em 2011.

Ela tinha um recorde de MMA amador de 3-0, suas vitórias obtidas em menos de dois minutos no total. Depois de duas conquistas igualmente rápidas no Strikeforce, teve a chance de enfrentar a detentora do cinturão de peso-galo, Miesha Tate. Isso levou a uma rivalidade que continua até hoje. Ronda menosprezou Miesha da seguinte forma: “Não tenho respeito pela inconsistência dela. Em um minuto é tudo pelo esporte, no outro ela desfila de short minúsculo”. Depois, disparou: “Vou falar muita merda e vou quebrar o braço de algumas meninas e não lamentarei isso nem um pouco”.

Sereno, Demian Maia também usa a cabeça para encarar adversários nas arenas do UFC.

Esse jeito a deixou com uma má imagem na imprensa, mas ela fez jus a ele na disputa, em 2012. Aos 4 minutos e 27 segundos do primeiro round, hiperestendeu o cotovelo de Miesha com uma chave de braço, rompendo ligamentos e a forçando a desistir.

No entanto, não foram só as habilidades de luta de Ronda que chamaram a atenção de Dana White, presidente do UFC. “Ela é linda, inteligente e muito pró-mulheres, o que respeito”, ele afirma. “E é psicoticamente competitiva.” O que é verdade. Veja a turnê de lançamento de sua nova autobiografia, My Fight/Your Fight [Minha Luta, Sua Luta]: ela estava apavorada com isso até ler uma matéria sobre a maluca turnê do livro de Kim Kardashian e, de repente, mudou de ideia. “Pensei: ‘Preciso que a minha seja mais maluca ainda! Kim, vou acabar com a sua turnê!’”

Nesta manhã, correndo pela estrada em seu Range Rover branco a caminho da academia, não é a Ronda durona que está à mostra. Ela ri alto falando dos shorts que as meninas usam nas lutas, do jeito como eles sobem. “Tenho pânico de pata de camelo”, gargalha. “Juro por Deus, toda vez que ganho, antes mesmo de tirar a proteção da boca, puxo meu short para baixo, porque tenho medo de mostrarem minha virilha em HD, de gente dando zoom na internet e tudo o mais.”

O jeitinho brasileiro foi essencial no processo de transição do Vale-Tudo para o MMA.

Mesmo assim, depois de um tempo na companhia dela, Ronda acaba voltando à forma e começa a detonar alegremente suas oponentes, do passado e do futuro. Não consegue dizer como ficou assim, mas talvez tenha algo a ver com as circunstâncias de seu nascimento e criação. Até os 6 anos, ninguém sabia se ela conseguiria dizer uma frase inteligente, consequência de ter nascido com o cordão umbilical enrolado no pescoço. Os balbucios poderiam ser sinais de dano cerebral. Os pais dela – Ron, executivo da indústria aeroespacial, e AnnMaria, psicóloga educacional e estatística – mudaram-se de Riverside, Califórnia, para Jamestown, na Dakota do Norte, em parte para ficar perto dos fonoaudiólogos da Minot State University, que começaram a dar um jeito nas cordas vocais dela.

Ela era a filhinha do papai, amava pescar ao seu lado e aprendeu a caçar no colo dele. Quando Ronda tinha 4 anos, no entanto, Ron sofreu uma fratura na espinha dorsal em um acidente de trenó, que foi complicada por uma rara doença no sangue que impedia a cicatrização das lesões. Quatro anos depois, ele se suicidou.

“Ele se foi”, Ronda conta, “e lentamente nos acostumamos a isso. O esporte era o que eu tinha, sim, e, bom, ainda faço isso”.

A família voltou para a Califórnia e se estabeleceu em Santa Monica, onde a mãe trabalhava em três empregos para sustentar as filhas (àquela altura, eram quatro, incluindo a caçula, Julia). Todas tinham de tentar o judô – em 1984, AnnMaria foi a primeira norte-americana a vencer o Campeonato Mundial de Judô, então ela tinha algumas expectativas –, mas Ronda foi a única a seguir em frente. E foi o que fez, obsessivamente. Na escola, não foi a nenhuma festa ou baile e não namorou. Tudo o que fazia no tempo livre era treinar.

Edição 69: A Dança Solitária de Anderson Silva.

Nas Olimpíadas de 2008, em Pequim, veio sua grande vitória. Só que Ronda ficou infeliz por ser apenas uma medalha de bronze, mesmo que isso a tornasse a primeira judoca norte-americana a atingir essa colocação nos jogos. Então, entrou em crise e deixou o esporte. Ela passou o ano seguinte vivendo como muita gente comum vive. Trabalhou em um bar. Cobriu o turno da noite em uma academia 24 horas. Bebeu, fumou maconha, badalou, morou um tempo no próprio carro, um Honda Accord.

Casualmente, decidiu tentar o MMA profissional, o que acabou sendo a coisa certa a fazer. “Sou a garota mais durona do mundo”, diz. “E não importa o que mais aconteça comigo, tenho isso. ”

Hoje, ronda não está namorando. Primeiro, porque está ocupada demais. Segundo, diz, “o tipo de cara que me atrai tem muitas mulheres desejáveis dispostas a virar cambalhotas por ele – quer dizer, se você consegue parecer um homem ao meu lado, então é um homem de verdade –, e não vou ficar dando cambalhotas”.

E também há o terceiro e maior motivo: ela não tem medo de muita coisa, mas tem medo dos homens de quem gosta. “Tem um, ele é bem conhecido, que fica me mandando mensagens de texto para irmos fazer isso ou aquilo, e sou tão cagona que não digo sim. E quero dizer sim, mas dou para trás.” Ela suspira. “Não sei qual é a questão, por que fico tão tímida a ponto de ter dificuldade em falar, quando sou tão ousada em outras áreas.” Bate a mão no volante. “Tenho um problema de verdade, acredito nisso.”

Chegando em casa, Ronda cumprimenta Mochi e fica na frente de um espelho de corpo inteiro para mostrar a cara que faz durante cada luta.

Assista ao making of da sessão de fotos com Anderson Silva.

Ela se afasta do próprio reflexo e diz que as pessoas que a acham insensível nesses momentos estão erradas. “Não estou olhando inexpressivamente”, afirma. “Você precisa ter intenção, porque elas [as outras lutadoras] podem ler o que você está pensando, então penso em tudo o que farei. Como com a Cat Zingano. Ela é um doce de menina, superincrível, mas toda vez que olhava para ela, pensava: ‘Vou mandá-la para casa de um jeito que nem o filho vai reconhecer’. Minha mente vai por aí. Para coisas terríveis. Só que, quando a luta acaba, passo da mulher mais perigosa do mundo para a coisinha mais fofa e feliz que já existiu. Eu me apaixono por todo mundo, até por quem acabei de derrotar. Amo aquela pessoa por ter me dado aquele momento. Nunca a odiarei por querer o mesmo que eu. A amo por isso, porque preciso dela para conseguir fazer o que faço por mim mesma.”

Mas, claro, sempre haverá a próxima luta e a próxima oponente para odiar, e é isso o que Ronda fará, porque é assim que vence, e ela faz de tudo para vencer. “Amo alturas, amo insetos, amo procurar minhocas, gosto de cobras, saltar de um lugar, fogo”, afirma. “Fico bem com tudo isso. A ideia de fracassar: esse é meu único grande medo.”

Rainha do Maldizer

Lutadora não poupa nenhuma de suas adversárias

A brasileira Bethe Correia será a próxima oponente de Ronda Rousey, no UFC 190, que acontece no sábado, 1, no Rio de Janeiro. Deverá ser um “pega pra capar”, com casas de apostas em Las Vegas fazendo de Ronda a favorita 1250 (ou seja, uma aposta bem-sucedida de US$ 1.250 na norte-americana só rende US$ 100 em ganhos). Como de costume, Ronda solta o verbo para cima da oponente. “Ela começou a falar merda sobre a minha aparência, tipo: ‘Vou fazer um favor a ela e arrancar aquela pinta do rosto’. Pensei: ‘A, é um charme – vá perguntar à Cindy Crawford sobre isso’. E, B, ela é burra.” Quando Ronda se empolga, é quase como se não conseguisse evitar falar mal das concorrentes, da mesma maneira que seu pé se contorce para acordá-la de manhã e derrotar o alarme. É assim que é. E ela não tem arrependimentos quanto a isso. “Não acredito muito em se arrepender das coisas”, afirma. “É um desperdício enorme de energia.