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Vitrine / MÚSICA

O relacionamento fracassado que inspirou comovente música de Bob Dylan

Uma das mais famosas de Bob Dylan, “Don't Think Twice, It’s All Right” expressa resignação perante uma história de amor que havia chegado ao fim

Lucas Peçanha Publicado em 26/04/2024, às 16h00

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Uma das mais famosas de Bob Dylan, “Don't Think Twice, It’s All Right” expressa resignação perante uma história de amor que havia chegado ao fim - Créditos: Reprodução/Amazon
Uma das mais famosas de Bob Dylan, “Don't Think Twice, It’s All Right” expressa resignação perante uma história de amor que havia chegado ao fim - Créditos: Reprodução/Amazon

Lembrado como um dos maiores letristas de todos os tempos, tendo gravado músicas que serviram como hinos nas lutas a favor dos direitos civis e protesto à Guerra do Vietnã (1955-1975), Bob Dylanexprime verdadeiras poesias em suas criações. Além de ser altamente consagrado no meio musical, ele já foi agraciado com prêmios como o Pulitzer, o Nobel, o Oscar, o Globo de Ouro e é claro, o Grammy.

Porém, a discografia de Dylan não “vive” exclusivamente de canções feitas para servir esses propósitos. Com sua voz singular, seu violão e sua gaita, Dylan já compôs baladas oriundas de suas histórias de amor. Uma em particular veio a tornar-se uma das mais famosas de sua carreira. E essa canção, como o próprio Dylan ressalta, não é uma canção de amor, mas sim “uma afirmação que talvez se possa fazer para se sentir melhor”.

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Pele clara e cabelos dourados

Bob Dylan teve algumas companheiras marcantes ao longo de sua vida. Mas quando se trata de inspirações para suas músicas, provavelmente nenhuma se compara com a influência de Suze Rotolo. Como escreveu Dylan em seu livro de memórias, “Crônicas: Volume Um”, ele e Suze cruzaram os olhares pela primeira vez em julho de 1961, no backstage de um show de folk na Igreja de Riverside, em Nova Iorque, por intermédio de um amigo em comum – e isso já bastou para deixar o músico, na época com seus 20 anos, extasiado pela jovem. "Desde o começo eu não conseguia tirar meus olhos dela", escreveu.

"Ela era a coisa mais erótica que já tinha visto. Tinha a pele clara e cabelos dourados, puro sangue italiano. Começamos a conversar e minha cabeça começou a girar. A flecha do cupido tinha assobiado nos meus ouvidos antes, mas desta vez ela acertou meu coração e seu peso me arrastou para fora do barco."

O relacionamento de Dylan e Suze floresceria pouco tempo depois do show daquela noite, e ambos passaram a morar juntos em um singelo apartamento em Manhattan. Suze tinha 17 anos quando começou a namorar Dylan, e veio de uma família ítalo-americana cujos pais eram ativistas políticos. 

A jovem tomou o mesmo caminho dos pais, participando ativamente de manifestações no movimento pelos direitos civis e de marchas da juventude no bairro de Greenwich Village, epicentro da contracultura de Nova Iorque nos anos 60.

As ideologias políticas de Suze foram responsáveis por tirar a neblina que cobria os olhos de Dylan para problemas dos quais ela lutava contra. Ele passou a frequentar encontros do CORE (The Congress of Racial Equality - em português, Congresso da Igualdade Racial) por influência de Suze, introduzindo-se no cenário. 

Esse despertar político do artista foi crucial para muitas de suas composições futuras, como a icônica “Blowin’ In The Wind”, que tornou-se um hino do movimento pelos direitos civis  e “Masters of War”, uma crítica contundente à indústria bélica e àqueles que lucram com a guerra.

"Quantas noites fiquei acordado compondo canções e as mostrando a Suze e perguntando 'Isto está certo?', porque sabia que a mãe dela era associada com os grupos, e ela estava envolvida com essa coisa de liberdades iguais muito tempo antes de mim. Eu checava as músicas com ela. E ela gostava de todas."

Contudo, o relacionamento deles não era bem visto pela mãe e pela irmã de Suze desde o início, e a fama crescente de Dylan tornou-se a pedra no sapato da história de amor do casal.

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Uma corda no seu violão

A relação de Bob Dylan e Suze Rotolo se deparou com um problema que se perpetua até os dias de hoje, mas na época visto com mais escala. Com a ascensão da carreira musical de Dylan, Suze passou a ser chamada de maneira pejorativa por muitos, diminuindo-a para apenas um “objeto” que acompanhava o músico.

No livro “A Freewheelin' Time: A Memoir of Greenwich Village in the Sixties”, escrito em 2008, 50 anos após os eventos retratados, Suze narra com sensibilidade o cenário cultural de Nova Iorque, a morte de seu pai quando ela tinha apenas 14 anos e reflete sobre seu relacionamento com Dylan

Ao longo da obra, ela expressa seus sentimentos sobre ter sido rotulada como “a mulher do músico”, ou “uma corda no seu violão”, como alguns diziam. “Bob era carismático: ele era um farol, mas ele também era um buraco negro”, disse ela. 

Ele exigia um apoio e uma proteção que não consegui fornecer de forma consistente, provavelmente porque eu mesma precisava dessas mesmas coisas. Eu não conseguia mais lidar com toda a pressão, fofocas, verdades e mentiras que a convivência com Bob implicava. Não consegui encontrar terreno sólido. Eu estava na areia movediça e muito vulnerável.

A falta de atenção por parte de Dylan, os constantes insultos e a desaprovação da família perante o relacionamento fizeram Suze repensar a sua vida amorosa. Em junho de 1962, ela decide se afastar daquela sufocante e caótica Nova Iorque na qual se encontrava e foi estudar Artes na Universidade de Perugia, na Itália, a convite de sua mãe, cortando os laços amorosos com seu companheiro. 

“Eu dei a ela meu coração, mas ela queria minha alma”

Tempos após a partida de Suze, Dylan recebeu uma carta dela diretamente da Itália, dizendo que estava pensando em ficar por lá indefinidamente. Sozinho e desolado em seu apartamento, Dylan optou por transformar algo ruim em algo bom. Pegou seu violão, sua gaita, e seu caderno e transbordou as páginas com letras de um homem tomado pela saudade, mas que ao mesmo tempo buscava se desapaixonar. 

Dessas anotações, saíram três músicas: "Boots of Spanish Leather", "Tomorrow Is a Long Time" e, por fim, a que mais se destacou dentre elas, “Don't Think Twice, It’s All Right”. Para compor a faixa, Dylan usou uma melodia que ele adaptou da canção "Who's Gonna Buy You Ribbons (When I'm Gone)", de Paul Clayton

Em "Boots of Spanish Leather" e "Tomorrow Is a Long Time", Dylan coloca um dedilhado mais lento, dando um tom mais melancólico, relembrando como era estar com seu amor, suplicando para que ela voltasse, enquanto vivia um dia após o outro. 

Já em “Don't Think Twice, It’s All Right”, Dylan foge de um ritmo mais lento e passa para um dedilhado mais acelerado, como se cada nota das cordas de aço do violão representassem um passo seu rumo à aceitação de que aquela história havia chegado ao seu desfecho, fugindo daquela estrada longa e solitária. 

A música descreve o cantor questionando Suze onde as coisas entre eles começaram a dar errado. Ao longo da letra, ele reconhece a inutilidade de tentar iluminar o que está perdido, como o trecho “It ain't no use in turnin' on your light, babe” expressa. Ao final, Dylan encara aquele momento como um “adeus”, dizendo que a história deles tinha um potencial que havia sido desperdiçado, e culpa ela por ter feito ele gastar seu “precioso tempo”.

Apesar de no final parecer culpar Suze, como no trecho “I give her my heart but she wanted my soul”, há uma constante que percorre por toda a canção, com ele repetindo a frase que dá nome à música como se estivesse consolando tanto a si mesmo, quanto a sua parceira, tentando extinguir a culpa de ambos os lados.

“Não pense duas vezes, está tudo bem”

Em dezembro daquele mesmo ano, Suze voltaria para Nova Iorque, voltando para os braços de Dylan. Em fevereiro de 1963, o fotógrafo Don Hunstein acompanhou os dois em um ensaio fotográfico pela Jones Street, tirando fotos do casal andando abraçado, tentando se aquecer durante o inverno que pairava sobre Greenwich Village. Uma dessas fotos veio a estampar a capa do álbum “The Freewheelin' Bob Dylan”, lançado no final de maio daquele ano. 

Capa de "The Freewheellin' Bob Dylan".
Capa de "The Freewheelin' Bob Dylan" - Créditos: Reprodução/Amazon

Os fantasmas que fizeram Dylan e Suze se distanciarem passaria pela vida deles mais uma vez, com a contínua discordância da família dela sobre reatar a relação e a popularidade do músico, fazendo-a voltar àquela sensação de asfixia com o seu entorno. E para piorar, uma inesperada gravidez de Suze, seguida de um aborto realizado por ela, abalou ainda mais a vida do casal. 

A história deles chegaria ao fim em 1964, após uma suposta traição de Dylan com a cantora e ativista Joan Baez. No mesmo ano, ele lançou a música “Ballad in Plain D”, que descrevia, de maneira crua, os conflitos pelos quais passaram, descrevendo a irmã de Suze, Carla Rotolo, como uma “parasita” por ter contrariado o relacionamento deles desde o início. Anos depois, ele veio pedir desculpas publicamente por lançar a composição, deixando claro que sua ex-amada ainda ocupava um lugar especial no seu coração. 

“Don't Think Twice, It’s All Right” é o retrato de um inconsolável Bob Dylan perante a ida de sua companheira para uma terra distante, expressando resignação pelo fim da fugaz história de amor que aquele Dylan do show na igreja em Manhattan pensou que fosse durar para sempre.


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