Em 1983, George Lucas lançava O Retorno de Jedi, encerrava a 1ª trilogia Star Wars e se preocupava com o futuro da saga
Paul Scanlon, Rolling Stone EUA Publicado em 04/05/2019, às 16h04
(O texto a seguir foi publicado originalmente na Rolling Stone EUA em julho de 1983)
Já faz mais de 10 anos desde que George Lucas começou sua tentativa de vender a ideia do que ele mais tarde viria a chamar de “o filme dos meus filhos” para uma desinteressada Hollywood. Acabaria levando três filmes até que a ideia toda fosse registrada em celuloide.
Star Wars (1977) arrecadou US$ 524 milhões em bilheteria no mundo todo. O sucessor, O Império Contra-Ataca (1980), US$ 365 milhões. Ambos estão na lista dos filmes mais alugados de todos os tempos na segunda e terceira colocação, atrás apenas de E.T. – O Extraterrestre, de Steven Spielberg. E então temos Caçadores da Arca Perdida, no qual Lucas atuou como produtor-executivo. O filme é o quinto na lista dos mais alugados.
E temos todo o merchandise de Star Wars: US$ 1,5 bilhão em vendas brutas. Há também a Lucasfilm Ltd. e suas rentáveis subsidiárias, Industrial Light and Magic (efeitos especiais) e Sprocket Systems (serviços de pós-produção). Há as pesquisas em equipamentos de produção, computadores e videogames interativos.
E finalmente há a construção em andamento dos 300 acres do Rancho Skywalker. E agora temos O Retorno de Jedi, o capítulo de US$ 32,5 milhões de dólares que fecha a trilogia do meio de um épico de supostas nove partes.
A avalanche de números que acompanha o lançamento de um filme de Star Wars tende a eclipsar alguns fatos interessantes. A Lucasfilm quase quebrou ao financiar Império independentemente; um empréstimo bancário de última hora foi necessário para que a produção fosse terminada. E os eventuais lucros deImpério resultaram em um outro problema: a companhia de Lucas começou a inchar.
Lucas conta: “Fomos de dois funcionários no setor de merchandising para 80, e esses 80 estavam fazendo o trabalho de duas pessoas”. O staff foi radicalmente reduzido, e os sobreviventes foram relocados para o norte da Califórnia. O alvo primário da Lucasfilm agora é consolidar tudo no Rancho.
Duas semanas antes da estreia de Jedi, sentamos com George Lucas em seu tranquilo escritório nos fundos de sua casa, em São Anselmo. Ele havia acabado de voltar de seu trabalho como produtor-executivo no Sri Lanka, onde o amigo Steven Spielberg filmava a continuação de Caçadores, Indiana Jones e o Templo da Perdição.
Conheci George Lucas pessoalmente no set de Star Wars, em 1976, e logo me convenci que o que seus amigos de longa data vêm dizendo é verdade: o cara não mudou. Claro, calças mais formais e sapatos bem engraxados substituíram os tênis e os jeans, e um Mercedes tomou o lugar do Camaro 67, e, exceto pela distribuição, a Lucasfilm cortou virtualmente todos os laços que tinha com a indústria do cinema. Não precisa mais dela. Mas Lucas continua o mesmo cara modesto de fala mansa, com um sutil senso de humor difícil de transmitir por escrito.
Mesmo levando em conta que você não está mais dirigindo, tenho a impressão de que fazer filmes de Star Wars não esteja ficando mais fácil.
Jedi quase matou todo mundo, todos os departamentos, do figurino até o pessoal responsável pelas fantasias dos monstros e a sofisticação dos efeitos especiais. Foi duro para mim, tanto quanto Star Wars, tão difícil quanto dirigir. Não sei como me meti nessa. Demanda muito tempo, gera ansiedade e preocupação: “Será que vai ser bom? Vai funcionar? Por que está tudo dando errado o tempo todo?”
E faz parte da minha personalidade. Estou muito envolvido emocionalmente com o filme, e assumi um compromisso enorme com ele. Já se passaram dez anos desde que comecei tudo isso. Comecei em 17 de abril de 1973, e entreguei o primeiro tratamento da história em 20 de maio. De 1º de maio de 1973, até a semana que vem, não houve um dia da minha vida em que eu não tenha levantado da cama e dito: “Caramba, tenho que cuidar desse filme”. Nem um dia sequer, mesmo quando estava de férias ou quando tinha sábados e domingos livres. Depois de Star Wars, fiz outras coisas e achei que estava livre, mas não estava.
Continuava tão afundado quanto sempre. Estava fazendo Caçadores e More American Graffiti, construindo uma empresa e um rancho e fazendo outras coisas em paralelo, achando que tinha tempo para fazê-las. Mas não tinha. Parte do problema é que o sucesso fez com que eu não tivesse mais vida própria. Eu estava pronto para parar depois de American Graffiti [1973]. Pensei: “Bom, vou fazer só mais um filme. Vou fazer essa coisa de Star Wars”.
E se Star Wars tivesse isso pelo ralo, tudo bem. Mas virou um sucesso gigante, que simplesmente tomou conta da minha vida. Você acaba ficando infeliz e se forçando a trabalhar até morrer. Star Wars tornou-se uma prioridade: “Temos que terminar. E se algo acontecer com algum dos atores? Não temos como manter os sets por muito mais tempo; custa muito dinheiro”. Tudo isso me colocou em uma situação ruim. Tenho uma filhinha de 2 anos, e a vejo por cerca de duas horas à noite e às vezes aos domingos, se tiver sorte, e estou sempre muito cansado e chato, me sentindo tipo, “Droga, eu devia estar fazendo outra coisa”.
Eu meio que atropelo tudo o que faço. Mas, agora, acabou. Tenho que decidir de uma forma ou de outra se vai haver outra trilogia. Depende do quão bem esta se sair, de qual será a situação financeira e de como estará minha vida pessoal. Será que posso reestruturar minha vida de forma que minhas prioridades estejam na ordem correta? Minha família deveria vir em primeiro lugar e os filmes em segundo. Se eu não conseguir fazer funcionar desse jeito, então não vai haver mais nenhum filme. Aceitei que Star Wars tomasse a frente por tempo demais. Tenho tentado jogá-lo para trás. Toda vez que o chuto, ele volta. Acho que desta vez dei um jeito de uma vez por todas.
Quer dizer que você vai mesmo ter tempo livre? Vai viajar?
Sim. Vou tirar dois anos de férias, definitivamente, e vou ficar sem fazer nada. Vou ajeitar minha vida pessoal, meu corpo e minha mente e então fazer o que der na cabeça. Não estou planejando nada, sabe. Há coisas que eu sempre quis fazer, mas nunca tive chance. Vou resolver o que quero no dia e fazer. Sempre quis aprender a tocar guitarra. Quero voltar a dirigir carros de corrida – o que seja. De repente, minha vida vai ser minha de novo e não de Luke Skywalker e seus amigos.
A última meia-hora de O Retorno de Jedi é um espetáculo sensorial incrível. Há a batalha espacial definitiva, entrecortada por uma guerra no solo, que por sua vez é intercalada com a luta de Luke e Darth Vader com sabres de luz. Parecia que você estava dizendo ao público: “É isso, pessoal, está tudo aí”.
Foi tudo planejado para que as histórias se encaixassem. Estilisticamente, todos os filmes são planejados para ter um clímax, e esse meio que tem tudo ali. Quando começamos, dissemos: “Ok, agora vamos fazer do jeito que sempre quisemos. Temos dinheiro, conhecimento – agora é a hora”. O primeiro filme foi como se formar no ensino médio, o segundo foi como completar a faculdade, e esse foi nosso mestrado. É o melhor que podemos fazer, porque todo mundo sabia que este possivelmente seria o último. Qualquer que seja a proporção de Star Wars no plano geral da história do mundo, ao menos este está pronto. Se as pessoas quiserem observá-lo, poderão ver a peça completa.
O roteiro besta que eu escrevi pela primeira vez há dez anos pelo menos foi finalizado. Agora está tudo no filme. Sempre pensei em reescrever a história, torná-la maior, porque originalmente foi escrita para ser algo simples. Não era para ser esse fenômeno gigantesco que se tornou. Você pensa: “E aí, agora o filme vai sobreviver à expectativa desse fenômeno?” Mas decidi manter o que havia feito e dizer: “Olha, foi tudo escrito assim há dez anos, e foi dali que eu parti. Se não for o suficiente, então boa sorte”. Você tem que ter essa atitude. Para o bem ou para o mal.
É a primeira vez que ouço você dizer algo positivo sobre um de seus filmes. No passado, você expressou desapontamento por uma ou outra razão.
Cada filme tem conquistas de que gosto. Não é que não goste dos meus filmes, mas, se eu olhar para eles agora, cada um falhou em alguma expectativa minha – porque acho que ou eu traço metas um pouco abaixo do esperado, ou porque hoje nos tornamos um pouco melhores no que fazemos.
Você vê a cena do Jabba the Hutt [em O Retorno de Jedi] e diz: “Então era assim que a cena da cantina [em Star Wars] era para ser”. Ou você assiste a batalha final, e pensa, “Oh, era assim que a batalha final do primeiro filme era para ser”. Mas não tínhamos como fazer assim na época. Quero dizer, não era humanamente ou financeiramente possível. Assim, muitas dessas coisas eu acabei conseguindo fazer neste último. Finalmente consegui a batalha final que eu queria, e a batalha em terra que eu queria, e os monstros do jeito que eu queria.
Você sabe, Star Wars hoje é um sucesso, mas eu não tinha nem ideia do que estava acontecendo. Não sabia nem se ia conseguir fazer os outros dois filmes. Joguei fora dois terços do roteiro original. Na minha cabeça, eu estava dizendo: “Caramba, se esse fizer bastante sucesso, então poderei fazer um filme com todo o material anterior que desenvolvi”. Império e Jedi foram o que aquele primeiro filme era para ter sido. E depois disso, posso contar outra história sobre o que aconteceu com Luke depois do fim da trilogia.
Todas as prequels já existem: de onde Darth Vader veio, a história toda envolvendo Darth e Ben Kenobi, e tudo se passa antes do nascimentode Luke. A outra história – o que acontece com Luke depois de Jedi – é algo bem mais vago. Tenho um caderninho cheio de anotações a esse respeito. Se eu for realmente ambicioso, posso usar isso para imaginar o que houve com Luke.
Você se manteve firme na decisão de não voltar a dirigir. Por que, e como, você escolheu Richard Marquand para assumir a função em Jedi?
Em momentos assim, você quer a melhor pessoa possível para o trabalho. Contratar é algo que se torna um processo muito longo e árduo. Você faz listas enormes de pessoas que poderiam servir. A primeira coisa é procurar alguém que seja tecnicamente capaz e profissional, e que você acredite que tenha experiência suficiente. E aí você – neste caso o produtor Howard Kazanjian – examina a lista inteira e descobre quem está disponível.
Então você começa a perguntar quem estaria interessado, o que reduz a lista a um grupo bem pequeno. A esta altura, Howard fala com os diretores restantes para ver se estão interessados e se entendem a mitologia por trás de tudo e que não se trata de um programa de TV. Isso diminue os pretendentes ainda mais. E no processo, Howard também assiste aos filmes que cada um fez e faz anotações que são repassadas a mim.
Depois, quando chegamos a dez ou quinze pessoas disponíveis, que entendem o material com sinceridade e não o desprezam, olho essa lista e começo a ver os filmes de cada um. Falamos com os diretores assistentes e produtores e alguns dos atores que trabalharam com eles. Então, temos uma longa discussão e reduzimos a lista a cinco ou seis pessoas. Entrevisto-os por duas ou três horas. Reduzimos os candidatos a duas pessoas. Uma delas era Richard. Aí eu os entrevisto de novo.
Passamos o dia juntos; é uma questão de conhecer a pessoa: suas opiniões sobre política, vida, filosofia e religião. Todas essas coisas influenciam no filme, por isso suas visões devem ser consistentes com as que fazem parte dos filmes de Star Wars. É preciso que haja algum tipo de simpatia entre mim e o diretor.
Você se envolve também com a direção de arte e o design de criação?
Me envolvo muito. Algumas dessas coisas são prerrogativas do diretor, mas em um filme como esse, tudo vai além do que um diretor é capaz de dar conta. Cuidar da direção em si já é mais trabalhoso do que seria em um filme normal. E eu acabo tirando esse fardo do diretor, todas essas coisas que ele também teria que cuidar – o departamento de arte e de criação de monstros e figurinos e do visual do filme, porque muito disso é determinado pelos filmes anteriores.
Você sabe que um stormtrooper ainda é um stormtrooper. Que Darth Vader vai ter a aparência de Darth Vader – ninguém vai poder chegar e dizer que quer ele mais baixo, por exemplo. A equipe de design que reunimos, os ilustradores e designers de produção, é formada por profissionais talentosos. Assim, é uma questão de eu escolher o que acho mais apropriado. A verdade é que o diretor recebe um material que já é ótimo. Qualquer diretor esperto vai dizer: “É, isso aí está certo” [risos].
Sua posição é um pouco diferente nos filmes de Indiana Jones, que Steven Spielberg dirige?
É uma situação mais tradicional. Faço a mesma coisa, só que menos. Porque no fim, é mais a visão do Steven do que a minha, enquanto no caso de Star Wars a visão é mais minha, porque dirigi o primeiro filme. Steven dirigiu o primeiro Indiana Jones. Mas por outro lado, a verdade é que mesmo no caso de um diretor como Steve e dos diretores de Star Wars, é útil ter um colaborador.
Claramente você e Spielberg se dão muito bem.
Ele é meu diretor perfeito para se trabalhar junto. Pensamos do mesmo modo sobre tudo. Ele vai um pouco além em umas coisas e eu vou um pouco além em outras, mas não há conflito. Nenhum de nós empurra suas ideias goela abaixo do outro. Nos divertimos muito juntos. Ele fica dizendo que o filme é meu e que serei culpado por ele, e eu digo que o filme é dele e o culpado vai ser ele.
Não tenho nenhum interesse em dirigir. Não é como se eu fosse o tipo de produtor que fica fazendo sombra atrás esperando para dirigir quando o diretor vira as costas. Quer dizer, não tenho vontade nenhuma. Posso fazer o que quero, e se quisesse dirigir, iria lá e dirigiria. É ótimo poder trocar ideias. Se eles as usarem, ótimo. Se não, sem problemas.
O que você se vê fazendo quando suas férias de dois anos terminarem?
Ainda me interesso muito por filmes, mas quem sabe? Dois anos é uma estimativa. Pode levar mais tempo. Vou me sentar quando estiver satisfeito comigo mesmo e pensar bastante. Posso resolver
fazer outra coisa e acabar descobrindo que o que realmente amo é fazer filmes. E sempre tive interesse em fazer meus experimentozinhos cinematográficos estranhos.
Foi o que você disse depois do primeiro Star Wars. Vou esperar sentado.
Ainda não tive chance [risos]. Eu poderia ter uma empresa de cinema de verdade, como Steven tem, soltando de três a quatro filmes por ano. E há a parte dos computadores, que são videogames, e a tecnologia dos videodiscos interativos; diferentes meios de se contar uma história usando processos educacionais e sistemas. Outras áreas são mais de pesquisa do que qualquer outra coisa, primariamente na psicologia social. Posso mudar de área completamente ou acabar virando um ex-workaholic, velejando ao redor do mundo.
No passado, você ressaltou a importância de cineastas regionais independentes para a saúde do cinema. Um amigo meu foi a uma recepção do American Film Institute e voltou com a decepcionante notícia de que todos esses jovens brilhantes que lá estavam só conseguiam falar sobre uma coisa: como conseguir um contrato em Hollywood.
[Sorrindo] Muita gente reclama que estudantes de cinema fazem isso. Acho que a força da indústria independente irá crescer conforme as entidades corporativas forem ficando cada vez mais entrincheiradas dentro do sistema de estúdio, porque os independentes estão mais perto do que está realmente acontecendo. Uma vez que você entra no ramo dos cineastas independentes, você se livra de contratos e vira mais uma coisa de sobrevivência.
Sempre haverá um grupo que está interessado em dinheiro e poder, e haverá um grupo que se importa mais em fazer filmes, se importa com os personagens, em colocar a ideia para fora. Esses serão os que acabarão fazendo os filmes e ganhando dinheiro. Os outros se tornarão agentes ou chefes de estúdio.
Por essa visão, até que você se deu bem. Criou as histórias, ganhou o dinheiro e ainda tem o poder nas mãos.
É, e agora estou largando tudo. Não gosto de nada disso [risos].
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