B. B. King no Via Funchal - Stephan Solon / Via Funchal

De Eric Clapton a Buddy Guy, todos do estilo imitaram B.B. King

Blueseiro batizou a guitarra de Lucille após incêndio em um show; estima-se que ele tenha feito mais de 15 mil apresentações ao longo da carreira

Rolling Stone EUA Publicado em 15/05/2015, às 11h55 - Atualizado às 19h58

“Puristas do blues nunca se importaram comigo”, disse B.B. King certa vez. “Não ligo para isso. Penso assim: quando fiz ‘Three O’ Clock Blues’, eles não estavam lá. As pessoas lá fora deram o tom. E os puristas do blues só escreveram sobre isso. O público é quem estou tentando satisfazer.”

Veja em que posição está B.B. King na nossa lista de 100 Maiores Guitarristas de Todos os Tempos.

King morreu na última quinta, 14, após décadas de luta contra a diabetes. Durante os 65 anos de carreira, o estilo dele de tocar guitarra e de cantar praticamente definiram o que se conhece por blues, em seu significado mais genérico e abrangente.

À Rolling Stone, Billy Gibbons, do ZZ Top, falou sobre quando King firmou seu estilo como imutável: “Houve um momento de virada, mais ou menos na época de Live at the Regal [de 1965], quando seu som assumiu uma personalidade que hoje é intocável – este timbre arredondado, no qual o captador de cima e o de baixo estão fora de fase.”

Como um garoto, aos 87 anos em 2012, B.B. King fez show memorável em São Paulo. Relembre aqui.

A maneira de tocar de King – definida pelas características notas ressonantes e com vibrato – foi imitada por todos, de Eric Clapton a Buddy Guy. “Sempre gostei de steel guitar. Também amo os caras que tocam com o slide”, disse King. “Mas eu nunca conseguiria fazer isso, eu nunca conseguia fazer o som que eu queria.”

“Então, toda vez que eu pegava a guitarra, eu balançava minhas mãos e vibrava a corda um pouco”, acrescentou. “Por algum estranho motivo, meus ouvidos me diziam que aquilo soava parecido com o que aqueles caras estavam fazendo. Não consigo mais pegar a guitarra sem fazer aquilo. É assim que passei a fazer aquele som.”

Lucille: verdadeiro amor

Em 1949, King estava tocando em Twist, Arkansas, quando dois homens começaram a brigar por uma mulher chamada Lucille até colocarem fogo na casa noturna, ao derrubar o fogão de querosene. O lugar foi evacuado, mas King correu de volta para dentro para salvar sua guitarra, à qual ele deu o nome de Lucille.

Blues e muito charme: B.B. King encantou São Paulo em 2010. Relembre aqui.

Apesar de ter sido casado duas vezes, King disse que Lucille foi seu verdadeiro amor, e ele chamou toda guitarra que ganhou de Lucille, posteriormente. “Lucille é real”, escreveu King uma vez. “Quando a toco, é quase como ouvir palavras e, claro, naturalmente a ouço chorar. Às vezes quando toco, parece que ela quase tem uma conversa comigo. Ela me diz algo. Comunica-se comigo.”

Incasável

Um reportagem da Rolling Stone EUA de 1998 estima que King tenha feito mais de 15 mil shows. Ele passou mais de 65 anos em turnê, tocando mais de 300 vezes em um ano até diminuir esse número para cerca de 100 durante a última década.

“Trabalhamos para caramba de 1963 a 1966, de maneira direta durante esses três anos, sem parar”, Keith Richards chegou a afirmar. “Acho que tivemos duas semanas de folga. E isso não é nada. Quer dizer, fale isso a B.B. King e ele dirá: ‘Faço isso há anos’.”

Trajetória

Ele nasceu Riley B. King em Itta Bena, no Mississippi, em 16 de setembro de 1925. Seu jovens pais se divorciaram quando ele tinha cinco anos de idade e sua mãe morreu quando ele tinha nove, deixando-o para ser criado pela avó materna.

King largou a escola no começo do colegial (mas estudou vigorosamente matemática e línguas, depois disso) e passou a viver colhendo algodão por um centavo a cada meio quilo e cantando músicas gospel em uma esquina.

Ele se casou aos 17 anos. “Acho que estava em busca de amor, porque eu nunca tive ninguém que eu acreditasse que realmente me amava”, disse ele à Rolling Stone EUA em 1998. Foi o primeiro de dois casamentos que deram errado. “Desde o começo da minha infância tive problemas em tentar me abrir. Por favor, abra-me. Olhe lá dentro! Porque eu não consigo. Não sei como fazer isso.”

Em 1948, King vivia em Memphis, trabalhando como um motorista de trator, quando ele fez um show no programa de rádio local de Sonny Boy Williamson. Aquilo o levou a um trabalho em uma casa de show popular da cidade, tocando por seis noites na semana, ganhando US$ 12 por noite.

Em Memphis, ele conheceu artistas como Louis Jordan e T-Bone Walker, com os quais ele ouviu o som de uma guitarra elétrica pela primeira vez na vida. “T-Bone tinha, para mim, aquela sonoridade de ser estar no paraíso”, disse ele.

King teve seu primeiro hit no topo das paradas em 1951, com “3 O’ Clock Blues”. Outras dezenas de hits alcançaram tal posição, incluindo “You Upset Me Baby”, de 1954, e “Sweet Sixteen”, de 1959.

Nos anos 1960, o sucesso das bandas britânicas influenciadas pelo blues ajudou a ampliar o apelo a King. Ele começou a tocar para plateias brancas de rock com gente como os Rolling Stones e Eric Clapton. Nessa época, a sonoridade dele começou a mudar.

Quando a Rolling Stone incluiu King entre os 100 Maiores Guitarristas, Billy Gibbons do ZZ Top disse: “Houve um momento de virada, mais ou menos na época de Live at the Regal [de 1965], quando seu som assumiu uma personalidade que hoje é intocável – este timbre arredondado, no qual o captador de cima e o de baixo estão fora de fase.”

Ele acrescentou: “E B.B. ainda toca com um amplificador Gibson que não é produzido há muito tempo. Seu som vem dessa combinação. É simplesmente B.B”. Algumas das melhores gravações de King são os discos ao vivo, incluindo Live in Japan e Live at Cook County Jail, que mostra sua entrega magistral e carisma de showman das antigas.

Já no fim dos anos 1960, King mudou-se para Nova York e começou a trabalhar com o empresário Sid Seidenberg, que o ajudou a reduzir seus hábitos de aposta e o colocou no estúdio com grandes produtores. Os hits que se seguiram incluem “Paid the Cost to Be the Boss” (1968), “Why I Sing the Blues” (1969) e “Thrill Is Gone” (gravada originalmente em 1951 por Roy Hawkins), que rendeu um Grammy a ele em 1970.

Na década de 1970, King também gravou discos com o amigo de longa data Bobby Bland: Together for the First Time...Live (1973) e Together Again...Live (1976), e a canção “To Know You Is to Love You”, de 1973, produzida por Stevie Wonder.

Em 1988, ele gravou “When Love Comes To Town” para o disco do U2 Rattle and Hum. Bono depois lembrou uma história das sessões de estúdio: “Quando estávamos trabalhando, estávamos mostrando a ele os acordes e ele disse: ‘Senhores, não faço acordes. Faço isso [referindo-se a seu estilo de solar]’. Há uma lição naquilo. Ele é, como Keith Richards descreve, um perito.”

Em 1991, o B.B. King’s Blues Club abriu em Memphis. Em pouco tempo, ele teria clubes por todo o país. Ele continuou tendo sucesso comercial até mais tarde em sua carreira. Em 2000, Riding With the King, álbum gravado com Eric Clapton, chegou ao topo das paradas norte-americanas de blues e vendeu mais de 2 milhões de cópias.

King era também alguém que entretia fora do palco, frequentemente fazendo encontros no quais ele conversava com os fãs e “crianças da guitarra”, como ele os chamava, por horas. Ele também era ávido leitor e entusiasta da internet, tanto que uma vez ensinou um jovem repórter como transferir vinil para mp3. “Deus, não sei como eu vivia sem isso!”, disse ele sobre o computador.

“Estou mais lento”, disse ele à RS EUA em 2013. “Conforme você fica mais mais velho, seus dedos às vezes incham. Mas eu faltei 18 dias em 65 anos. Alguns caras simplesmente escapam. Nunca fiz isso. Se tenho um show agendado, vou lá e toco.

Ele acrescentou: “As plateias me tratam pelo meu último nome. Quando subo ao palco as pessoas normalmente ficam de pé, sendo que eu nunca pedi isso a eles, mas eles fazem. Eles se levantam e não sabem o quanto eu gosto disso.”

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