O músico Liam Gallagher - Reprodução/Facebook

A doce vingança de Liam Gallagher: depois de enfrentar um divórcio e o fim do Oasis, ele está de volta

Ex-vocalista da banda britânica chega ao primeiro disco solo, As You Were, refletindo sobre o rock and roll, a saúde e a relação profundamente conturbada com o irmão, Noel

Brian Hiatt Publicado em 09/10/2017, às 16h58 - Atualizado às 17h41

Pode não ter parecido que foi assim durante a avalanche de champagne e cocaína dele no britpop dos anos 1990 – quando uma noite qualquer poderia acabar com ele sendo detido pela polícia em Amsterdã, expulso de uma sessão no estúdio Abbey Road ou perdendo um show do Oasis para fazer compras para casa –, mas Liam Gallagher sempre pensou no futuro. Ou pelo menos estava sempre pensando. Pegue a postura habitual dele no palco: braços cruzados nas costas, todas as partes do corpo imóveis exceto pelos lábios. “Eu tinha certeza que viveria para sempre”, diz ele agora, tendo chegado enxuto e inflamado aos 45 anos.

Ele correu cerca de 11 km pelo Central Park esta manhã, mas ainda está vagando sobre o carpete de um quarto de hotel em Nova York. Está vestindo uma jaqueta azul com zíper e um short de corrida, como se suas metades superior e inferior existissem em climas diferentes. “Então pensei comigo mesmo: ‘Quando eu tiver uns 80 anos, não vou estar fazendo as porras dos movimentos de dança tipo Mick Jagger’”. Ele joga as mãos para trás do corpo e se inclina na direção de um microfone imaginário. “Então tudo que tenho a fazer é basicamente ficar de pé. Jagger ainda vai ter que pular para cima e para baixo!”.

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Ao contrário de Jagger, Gallagher não tem mais a banda dele, e as possibilidades de tê-la novamente, no momento, não são muito grandes. O Oasis se desfez em Paris, oito anos atrás, depois de um confronto derradeiro entre Liam e o irmão, Noel, guitarrista e compositor do grupo. A versão de Noel é que Liam teve um ataque de raiva violento naquela noite; Liam argumenta que foi provocado (“Ele fez umas armadilhas para mim, e eu caí porque sou intenso e movido pelo coração”), que Noel estava secretamente planejando sair da banda há meses ou anos e o relato sobre uma agressão com um violão é falso. Os irmãos não se falam e Liam diz que até a mãe deles desistiu de tentar estabelecer a paz na relação. “Minha mãe já desistiu”, ele conta, com uma curta risada. “Ela está tipo: ‘Estou pouco me fodendo. Tenho 75 anos agora! Foda-se os filhos, já deu!’ Ela vai nadar, faz as coisas dela. Não está interessada.”

Liam está em Nova York para promover o primeiro álbum solo dele, As You Were. Apesar de Noel ser, com raras exceções, o compositor único no Oasis, o disco de Liam é uma surpresa agradável: uma estimulante, às vezes saudosa, coleção de faixas de rock (incluindo o excelente single “Wall of Glass”) e uma lembrança de que ele sempre foi uma das grandes vozes do gênero. Ele soa como seu herói e “guia espiritual” John Lennon como nunca. “Acredito que ele esteja aqui”, assume Gallagher, que parou no Strawberry Fields (espaço no Central Park dedicado a Lennon) para uma breve comunhão durante a sessão de exercícios desta manhã – e encontrou fãs esperando por ele lá. “Acredito que ele esteja olhando por mim.”

Gallagher está orgulhoso do álbum, ainda que considere ser “meio envergonhante” gravar e se apresentar sob o próprio nome. Ainda assim, ele dá créditos consideráveis aos cocompositores (que incluem o colaborador de Adele, Greg Kurstin) e está propenso a dizer coisas do tipo: “Eu poderia cantar a porra de ‘Three Blind Mice’ ou ‘Baa Baa Black Sheep’ e ainda assim soaria como o Oasis”. Ele costumava passar em pubs enquanto Noel fazia overdubs de solos de guitarras nos últimos discos do Oasis, então ficou confortável com a velocidade de Kurstin, que o lembrou dos processos ‘vai e volta’ dos dois primeiros álbuns do Oasis. E Gallagher não está tímido em admitir um fato que artistas mais mercenários evitam: “Preferia estar falando sobre um disco do Oasis do que de um disco solo do Liam”, confessa. “E sei que Noel Gallagher também iria preferir. Porque somos melhores juntos. Sou bem seguro disso – e ele também” (Noel, que prepara um álbum com a banda solo dele, High Flying Birds, recentemente indicou à Rolling Stone EUA que não está pronto para ser recíproco em relação aos sentimentos do irmão: “Literalmente não tenho opinião”).

Na verdade, Liam está feliz só por estar trabalhando novamente. Ele manteve o impulso do Oasis por alguns anos com o Beady Eye, banda que incluiu todos integrantes que estavam no antigo grupo, menos Noel, e que chegou ao fim por volta de 2013 – na mesma época que o casamento de Liam implodiu após as revelações de que ele seria pai de uma criança, filha de uma mulher de Nova York. Liam estava solteiro, sem emprego, sem nenhuma das coisas que definiram a vida dele. Ele se afundou. Ele bebeu muito. “Não havia shows”, lembra. “Senti-me como uma sombra… Estava perdido. Pensava: ‘Porra, como vou sair dessa?’”.

Eventualmente, ele se mudou para um “bom castelo” na Espanha, começou a correr e encontrou a atual namorada, Debbie Gwyther, que é uma presença constante e calmante na vida dele. Ao todo, contudo, foram “quatro anos de inferno, com advogados de divórcio e toda aquelas porras do caralho. Então passei quatro anos para pensar bem sobre o que quero na vida. Não estou em busca de sucesso. Já tenho mais do que suficiente na vida. Tenho tudo. Tenho mais do que tudo. Só quero voltar a fazer música, entende o que quero dizer? Cantar músicas, sabe?”.

Ele continua sendo um partidário e um defensor da ideia particular de que rock & roll tem de envolver uma perspectiva da classe trabalhadora, guitarras altas e periódicos comportamentos errados no estilo Keith Moon. “Rock & roll, para mim, é um negócio muito sério”, ele admite, reservando uma ira particular para a banda de quem o irmão, Noel, está abrindo os shows atualmente (incluindo apresentações este ano, no Brasil).

“O U2 é a banda de rock mais merda do mundo. Quando foi a última vez que vocês fizeram alguma coisa relacionada ao rock? Vocês não são uma banda de rock!”. Ele gosta de hip-hop (ou “hip-’op”, como ele fala), mas apenas dos mais antigos, tendo aversão a rappers “que usam jeans skinny… Tipo os Kanye Wests e o rap de designer do caralho – não suporto isso”. E EDM? “Isso é tipo, dance music? Tipo Calvin Harris? Foda-se isso. Música dos infernos”. Ele sempre amou bons ganchos pop, contudo – descobriu a própria voz como um adolescente cantando junto a faixas do tipo “Like a Virgin”, de Madonna, no rádio (“Eu amo essa!”).

O rock britânico pós-Oasis teve muitas bandas “classe média”, ele argumenta. Os Gallaghers cresceram vindo da classe trabalhadora de Manchester, com um pai ausente, e a consciência social de Liam se estende a um evento particularmente horripilante em que 80 pessoas, a maioria delas pobres, foram mortas em Londres, em um incêndio recente. “A porra de um quarteirão foi basicamente destruído por vocês, um monte de idiotas tentando guardar dinheiro”, atira, culpando as “pessoas ricas” por colocarem material inflamáveis no prédio. “Não fique se lamentando – você tem que ficar é puto pra cacete. Está tudo bem ficar puto, entende o que quero dizer?”.

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Ele se acalmou um bocado desde os dias mais selvagens – que, segundo aponta, começaram antes do Oasis. “Eu já usava LSD puro, cogumelo, cocaína, todo tipo de merda antes de me colocar em frente a um microfone”, diz. “Não sou uma casualidade, cara. Não sou Pete Doherty… Tenho um pouco de disciplina. Nunca usei heroína, nunca me afundei tanto na cocaína. A gente não era tipo a porra da Stevie Nicks.”

Atualmente, ele diz, “me divirto, mas não estupidamente até 6h da manhã. Uma ressaca agora é como ser capturado pela porra do Talibã. Demora uns três dias para me recuperar totalmente. Então seleciono meus dias.”

Ele tem sentimentos complicados em relação a Noel, e parece se sentir genuinamente traído pelo que encara como a transformação do irmão. “Aquele moleque é um mala”, diz. “Um cretino, virou classe média. Virou o establishment. É um deles. Ele está todo, tipo, o Sr. Puro e Correto. Do jeito que ele toca as músicas do Oasis é como se alguém tivesse sugado a vida delas, porque ele não quer as pessoas pulando para cima e para baixo como antigamente”. Já Liam está tocando as músicas do catálogo do Oasis do jeito que elas fora gravadas – e diz que nem se importa em dar instruções à banda de apoio dele, presumindo que eles conheciam as gravações originais. E, independente do quão distantes os dois tenham ficado um do outro, ele sente claramente cada palavra que o irmão escreveu: “Ele é só um veículo nisso tudo”, argumenta. “Somos todos veículos. As músicas não exatamente pertencem a ele. Elas também não pertencem a mim.”

Em um nível mais profundo, ele culpa Noel por, em sua visão, ter abandonado ele e o Oasis. “Ele ia desativar a banda”, diz. “E ele sabe que eu descobri isso, agora é como se ele quisesse que eu simplesmente sumisse. Como se eu nunca tivesse sequer pisado na Terra, sabe? Bem, tenho novidades para ele – estou de volta, mano! Você acha que vai conseguir desativar minha banda e eu vou ficar tranquilo com isso? Nem pense nessa merda, cara! Vou fazer com que as pessoas saibam, até o dia que eu morrer, que ele se aproveitou de mim e me abandonou.”

O rosto dele está ficando levemente vermelho a esta altura, e ele está vagando pelo cômodo novamente. “Eles tentaram me tratar como a porra de um baterista ou alguém contratado”, confessa. “Eu sou a porra da cara da banda! Sou a voz da banda, e isso significa pra cacete”. Ele suspira e sorri. “Chega de perguntas sobre Noel. Vou ter um ataque cardíaco!”.

Até mesmo nos tempos mais difíceis, Liam nunca ficou perigosamente depressivo. Ele ficou surpreso e chocado com os suicídios de Chris Cornell e Chester Bennington, como ficou com o de Kurt Cobain, décadas atrás. “Estão matando os John Lennons por aí”, teoriza. “Sua vida é preciosa. A vida é como a porra de um avião, cara. Turbulências vão surgir no caminho. Você tem que acreditar profundamente que vai chegar no destino final, aí tudo vai ficar bom pra caralho”. Entende o que ele quis dizer?

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