Gilberto Gil cantou clássicos de sua carreira em versões repaginadas pelo trio Macaco Bong no Auditório Ibirapuera
Por Leonardo Dias Pereira Publicado em 24/11/2010, às 15h20
"Esta apresentação, como dizem no futebol, é o intervalo entre o primeiro e o segundo tempo dos seminários. E o principal propósito é mostrar toda a diversidade da cultura musical brasileira", explicou Gilberto Gil quando o tempo regulamentar do espetáculo Futurível, em São Paulo, começava a se esgotar. Por "seminários" entenda-se o Fórum Internacional Geopolítica da Cultura e da Tecnologia, realizado entre os dias 11 e 13 de novembro, que teve o ex-ministro na curadoria, e o II Fórum da Cultura Digital Brasileira, que começa nesta segunda, 15, e vai até o próximo dia 17, ambos na Cinemateca Brasileira.
E a fala de Gil não foi mero truque retórico para agradar a plateia já entregue naquele momento, à sua presença magnetizante. Extraído do título de uma canção do eterno porta-bandeira do movimento Tropicália feita em 1969, "futurível" é a junção das palavras "futuro" e "possível", neologismo que se transformou em espetáculo músico-visual para um Auditório Ibirapuera abarrotado, privilegiado em presenciar um momento de convergência de expressões artísticas, gerações e gêneros musicais distintos. No evento, roteirizado para não ter interrupções, e tendo Gil como ponto de intersecção, os personagens da noite iam entrando e saindo do palco sem dar brecha para qualquer leve dispersão - e as imagens projetadas pelo VJ Scan, misturando flashes de manifestações culturais com outras captadas no momento, foram importantes neste propósito.
DJ Tudo, codinome usado pelo músico e produtor Alfredo Bello, e Sua Gente de Todo Lugar abriram os trabalhos mostrando a sua eficaz apropriação (no bom sentido) de ritmos regionais como maracatu ("Sou Massapé"), baião ("Baião Antigo") e repente ("Quero Bater no Pandeiro"). Em "Chiclete com Banana" aconteceu a primeira aparição de Gil na noite. Acompanhado de seu filho Bem Gil no pandeiro e da Banda de Pife Princesa do Agreste, vinda de Caruaru (Pernambuco), o baiano arrancou aplausos com uma sambadinha meio desajeitada. Sem a música cessar, todos saíram deixando apenas a banda de pife no palco. Vestidos à caráter (com direito a chapelão de cangaceiro no cocuruto), os integrantes transcenderam a figuração e ganharam aplausos vigorosos ao fim de suas músicas, sempre anunciadas com causos engraçados sobre as circunstâncias que as influenciaram.
O power trio instrumental Macaco Bong entrou discretamente e disparou os primeiros acordes de "Fuck You Lady" antes mesmo dos simpáticos senhores pernambucanos seguirem o caminho das coxias. Mas o momento mais aguardado era saber como ficaram os novos arranjos elaborados pelos cuiabanos para clássicos de Gil, que seriam executados ali com a luxuosa presença do autor. "Aquele Abraço" e "Cérebro Eletrônico" tiveram a espinha dorsal quebrada e ganharam melodias conduzidas por uma tensão provocada pelas linhas de baixo e bateria, impelindo Gil a cantar com agressividade. "Bat Macumba" foi levada em boa parte pelas palmas da plateia, com breve intervenção dos meninos do Macaco "Bongo", como Gil teimava em chamá-los. O suingue apareceu brevemente em "Vitrines", e foi quebrado com a frieza criada em "O Canto da Ema" e "Omã Iaô", com Bruno Kayapy criando uma parede de guitarra dissonante. A desconstrução de "Palco" foi a mais radical, sendo percebida apenas pela indefectível letra, quase falada por Gil em meio a ataques rasantes proporcionados pelo trompetista e saxofonista do DJ Tudo. No final todos retornaram ao palco para tocar novamente "Baque Forte" e a noite terminou com o público seguindo a banda de pife numa marcha festiva até o saguão de entrada do auditório.
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