Gênero musical em ascensão, a mistura das batidas com louvor a Deus está cada vez mais conquistando público
Camilla Millan Publicado em 08/02/2020, às 10h00 - Atualizado em 09/02/2020, às 10h00
"Conte de um até três/ Antes de partir pro abraço/ Se não for benção de Deus/ Sai correndo que é laço."
A canção "Chuta Que É Laço", de Adriano Gospel, é um grande hit do gênero Funk Gospel, responsável por misturar as batidas conhecidas do funk com o louvor a Deus. COmpartilhada no YouTube em 2008, a canção consegue, ao mesmo tempo, instigar a dança e o culto. No entanto, o movimento agora é um fenômeno que inclui clipes, duplas e até canal de dança, o Gospel Dance. Como isso aconteceu?
De acordo com o último censo do IBGE, o número de evangélicos no Brasil cresceu 60% nos últimos 10 anos. E o que isso tem a ver com o Funk Gospel? A atual transição religiosa brasileira - do cristianismo para as religiões pentecostais - mudam a influência da crença na cultura, possibilitando ainda mais a união entre funk e religião.
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Resumidamente, este não é um processo curto ou recente. A mudança nas crenças assim como a pluralidade de religiões é uma realidade antiga no Brasil e, inevitavelmente, a religião exerce influência na música, como no funk.
Além disso, antes de tudo, é importante ressaltar que a religião evangélica possui diversas vertentes. As diferentes linhas representam diversas doutrinas e até a falta de doutrinação. Os neopentecostais (sem doutrina) e os pentecostais (alguns com doutrina e outros não) são os maiores responsáveis pela união do funk e da religião devido às crenças.
A partir disso, a primeira questão a qual deve-se perguntar é: como o funk conseguiu entrar em contato com essa religião, principalmente a pentecostal? A dissertação de mestrado "FÉ EM DEUS, DJ: FUNK E PENTECOSTALISMO ENTRE JOVENS DAS CAMADAS POPULARES", da pesquisadora Réia Pereira, explica alguns pontos.
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O funk surgiu nas periferias, e é nelas que o gênero musical tem força. Além dele, as Igrejas marcam presença nas comunidades. Onde o Estado não consegue cumprir todos os seus deveres, as Instituições religiosas fazem o papel de ajudar socialmente a população.
Ricardo Mariano, pesquisador de religião na USP, explica como a Igreja, principalmente religiões pentecostais, consegue ocupar esses espaços nas comunidades. No artigo "Crescimento Pentecostal no Brasil: fatores internos", publicado na Revista de Estudos da Religião, em 2008, Mariano fala sobre a situação das regiões ditas periféricas.
Segundo o autor, "a vulnerabilidade e o desespero de grandes contingentes populacionais, em especial das mulheres pobres e mais ainda das negras pobres, vítimas de discriminações de gênero e raça, sem dúvida facilitam seu trabalho [das religiões pentecostais] e ampliam sua probabilidade de êxito".
Na publicação, o autor continua: "Mas seu sucesso proselitista não depende da existência de tais problemas em si mesmos, e, sim, justamente, de sua elevada capacidade de explorá-los, oferecendo recursos simbólicos e comunitários para seus fieis e potenciais adeptos lidarem com eles".
Não é à toa, por exemplo, que a maior porcentagem dos evangélicos é formada por mulheres (59%) e negras (negros são 58% dos fiéis) - dados apontados pelo Datafolha. A assistência dessas igrejas vai além de caridade, hospitais (Santa Casa, por exemplo) ou alimentação. A religião faz o papel de incentivadora na cultura nos mais diversos extremos do país e em diferentes níveis.
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Na cidade de São Paulo, por exemplo, a Escola de Música do Estado de São Paulo – Tom Jobim, localizada no bairro da Luz, é gerida pela Santa Marcelina Cultura, uma associação religiosa.
Nas periferias, o local de cursos profissionalizantes, assim como oficinas de arte e música são as igrejas, principalmente Evangélicas. Dessa forma, a música acaba transitando para dentro desses espaços, assim como a religião ganha outros lugares.
Dessa forma, o funk brasileiro consegue dialogar com o culto. Um exemplo de cantor de Funk Gospel é Gustavo Balbi, cujo principal hit é uma releitura de "Baile da Gaiola", do MC Kevin o Chris. Na canção "Culto da Vitória", o funkeiro fala sobre a igreja lotada: “Eu vou para o culto da vitória, na intenção de agradecer. [...] Eu sou de Jesus Cristo, pego na sua mão e faço a proposta, ora, ora, ora”.
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Réia Pereira é uma das pesquisadoras sobre funk e religião. Na dissertação de mestrado dela, realizada na UFES (Universidade Federal do Espírito Santo), Pereira fala sobre a transição de jovens de camadas populares entre o funk e as religiões pentecostais.
Na tese, Pereira escreve: "Se discursos a princípio tão díspares conviviam em um mesmo espaço, então o funk, com seu caráter catártico e hedonista (DAYRELL, 2007), e o pentecostalismo, com seu suposto ascetismo moral (MARIANO, 2004), não apenas formavam visões de mundo aparentemente opostas, mas também interagiam e possibilitavam o trânsito entre elas".
E como o Funk Gospel consegue crescer? Com o diálogo entre a Igreja e o gênero musical - possibilitado pela proximidade física nas periferias - as congregações buscam atrair jovens utilizando o funk como meio de evangelização.
Em 2015, a Vice publicou uma matéria sobre a ascensão do estilo musical, demonstrando que o movimento não é recente. Tonzão, ex integrante dos Hawaianos, é um dos precursores do Funk Gospel nacional. O músico tem alguns dos vídeos do gênero mais assistidos do YouTube. No hit "Temos de Montão", o artista dá novo significado à ostentação.
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"Sobe morro, desce morro, entre becos e vielas/ Tem que ser uma moto zica, pra pregar lá na favela."
O movimento Funk Gospel está em tanta ascensão que foi criado, em 2015, o Gospel Dance, canal de YouTube com coreografias dos funks abençoados.
Com mais de quatro milhões de visualizações, o vídeo da coreografia de "Balança mas não cai"(Mc Juniinho e Irmão Lázaro) é um dos mais populares do canal - e as mais de 39 mil curtidas na publicação demonstram que o conteúdo é, realmente, procurado.
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