Mick Jagger durante show dos Rolling Stones em Cuba, em 2016 - Divulgação

Havana Moon - The Rolling Stones Live in Cuba mostra como foi a passagem da banda pelo país

Concerto histórico será exibido nos cinemas apenas na noite desta quinta, 6

Paulo Cavalcanti Publicado em 06/10/2016, às 18h32 - Atualizado em 04/07/2017, às 14h05

Havana Moon - The Rolling Stones Live in Cuba, com a histórica atuação da banda em Cuba realizada em dia 25 de março, será exibido no Brasil somente na noite desta quinta, 6. O filme poderá ser visto nos cinemas das redes Cinemark, Cinépolis e UCI e, no mês que vem, o registro será disponibilizado em DVD pela Eagle/Som Livre.

Um pouco do cinismo dos velhos tempos se fez presente nessa empreitada cubana dos Stones. A motivação aqui talvez nem tenha sido financeira. O que os músicos pretendiam era entrar para a história, depois de terem tocado na antiga Cortina de Ferro e na China, mas os britânicos do Manic Street Preachers foram os verdadeiros pioneiros - já haviam tocado em Cuba em 2001 para cerca de 5 mil fãs. O Audioslave também se apresentou lá em 2005 e até gravou um DVD. Mas nem é bom falar disso para os fãs dos Stones, afinal, qual é a graça de estragar tudo? O que vale aqui é gigantismo da ocasião – e nisso, os Stones se saíram de forma admirável.

No começo de Havana Moon, Mick Jagger, Keith Richards, Charlie Watts e Ronnie Wood se submetem uma espécie de sessão de perguntas e respostas, que foi gravada após a histórica performance. Eles se mostram profissionais e pró-forma, mas algumas coisas são reveladoras. Keith Richards, por exemplo, fala que os Stones estão acima de qualquer governo, e por isso conseguiram a permissão para tocar na ilha e, assim, mudar a rotina local. As autoridades cubanas, que até então costumavam desprezar os “valores decadentes do rock”, tiveram que ser camaradas com o circo milionário que estava para chegar. E isso é irônico, já que o reggaeton, ritmo extremamente popular do Caribe, havia sido banido pelo governo, por ser considerado “sexualmente sugestivo”.

Jagger, naturalmente, avalia que a política do presidente norte-americano Barack Obama de reaproximar diplomaticamente os Estados Unidos e Cuba e acabar com o embargo econômico foi primordial para que eles e os companheiros finalmente pisassem na ilha. “Ele nos citou no discurso que fez. Obama foi a nossa banda de abertura”, brinca o vocalista dos Stones. Mas ele também diz: “Cuba tem ainda tem uma aura romântica estranha. Afinal, é o pequeno país que enfrentou os Estados Unidos. E ainda existe todo esse culto a figuras como Fidel [Castro] e Che [Guevara]”. Depois finaliza de maneira seca que “os tempos estão mudando”.

Antes de o show começar, as câmeras comandadas pelo diretor Paul Dugdale registram rapidamente o panorama atual da ilha. As tomadas aéreas mostram que Cuba segue como se fosse uma grande favela, repleta de prédios velhos, sujos e decrépitos. A população pobre e humilde sorri quando percebe que está sendo gravada. O diretor vasculha as ruas sujas e em um momento dá um close em uma cabeça de um porco, que é um dos ingredientes de um despacho de macumba. É bem simbólico: se em 1973 os Stones lançaram um álbum chamado “sopa de cabeça de bode” (Goat’s Head Soup), por que não fazer um cozido cubano de cabeça de porco?

O filme em si é convencional. O que vemos é um resumo da apresentação em solo cubano que eles fizeram para a Olé Tour, que levou os Stones a vários países da América Latina, incluindo o Brasil. Para esta visita à nação da América Central, a banda não preparou nada extra. Não tem nenhuma mudança no setlist, nenhum convidado especial local, nada de diferente. Poderiam pelo menos ter improvisado “Havana Moon”. O mais frustrante é que nenhum momento os integrantes da banda são mostrados visitando qualquer ponto da ilha ou interagindo com os locais, embora no começo eles contem que viram alguns percursionistas tocando em uma rua de Havana. Também falam que experimentaram algumas iguarias exóticas na representação diplomática da Inglaterra. Mas seria delicioso ver, por exemplo, Keith Richards confraternizando com alguns tipos locais ou então dentro de alguma lojinha comprando charutos cubanos. Mas aparentemente os Stones não tiveram tempo ou então não se dispuseram verdadeiramente a se embrenhar pelos mistérios de Cuba.

O evento aconteceu nos arredores da Ciudad Deportiva de la Habana e, segundo a organização, 500 mil pessoas compareceram. Foi um dos maiores públicos da longa carreira dos Stones, mas não bateu a apresentação em Copacabana, no Rio em 2006, quando levaram um milhão de pessoas a mais do que isso. A apresentação recebeu um grande número de turistas, principalmente da Inglaterra, Argentina, México e das Ilhas do Caribe Holandês – a produção do show ficou com os responsáveis pelo North Sea Jazz Festival, realizado na vizinha Curaçao. A festa foi democrática: lado a lado, gringos e cubanos tiveram o privilégio de dançar e cantar ao som da (ainda) maior banda de rock do mundo.

O abre foi com "Jumpin' Jack Flash" e, na sequência, vieram “It’s Only Rock and Roll”, “Out of Control”, "Angie" e "Paint It Black" e “Honky Tonk Women”. Entre algumas das músicas, Jagger demonstrou um espanhol bastante razoável, dizendo coisas como: “Por muitas décadas, o rock foi banido em Cuba. Espero que a partir de agora isso mude”. Jagger estava com excelente humor e apresentou os companheiros como “O revolucionário Ronnie Wood! Charlie ‘Che’ Watts! E compadre Keith Richards!”. Em seu segmento solo, Richards ofereceu uma bela versão para "You Got the Silver". Uma pena que "Midnight Rambler" tenha perdido a tensão, já que a banda se alongou e Jagger ficou trocando “ié, ié, e iô, iô” com o público. “Gimme Shelter”, o dueto de Jagger com a bela e afinada cantora Sasha Allen, trouxe um pouco (mas não muito) de perigo à apresentação. O mesmo pode ser dito sobre o satanismo de “Sympathy for The Devil”. “Brown Sugar” pulsou com groove; “You Can’t Always Get What You Want” transplantou a melancolia da antiga swinging London para o Caribe.

O encerramento com “(I Can’t Get No) Satisfaction” é sintomático e tem o resultado de uma panela de pressão explodindo. Se o repertório e a execução não apresentam grandes surpresas, pelo menos Havana Moon, cuja cinematografia e direção se mostram impecáveis (tudo foi gravado com som surround e imagens em alta definição), possibilita ver de uma forma privilegiada a camaradagem, as trocas de sorrisos e “deixas” musicais existentes entre os Stones e seus músicos de apoio.

No plano de dominação mundial, os Stones cravaram a bandeirinha com a língua em cima do mapa de Cuba. Ninguém sabe por quanto tempo o “comunismo puro” ainda vai resistir naquele país. Os septuagenários Stones, é claro, daqui a um tempo já não irão existir mais. Mas neste exato momento, é possível perceber quem ainda está de pé.

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