- Joesley Batista (Foto: Dida Sampaio / Estadão Conteúdo via AP Images)

A inacreditável jornada dos caipiras que fizeram o impossível: unir esquerda e direita no Brasil [Análise]

Livro Why Not narra a ascensão dos irmãos Wesley e Joesley, que uniram a política brasileira em torno de um único objetivo: enriquecer ilicitamente os negócios da família Batista

Guilherme Ravache Publicado em 24/05/2019, às 08h58

Possivelmente você já conhece boa parte dos elementos dessa história. Why Not (editora Intrínseca), livro de Raquel Landim, não traz revelações bombásticas e o final é de conhecimento público. Mas os dois anos de trabalho da jornalista e a maneira hábil como narra a história como um thriller político e empresarial são envolventes e dão nova perspectiva aos irmão Wesley e Joesley Batista. Antes, tentar entender os irmãos e seu círculo de influência depois de tantas reportagens ao longo de décadas era como apalpar um elefante no escuro. Cada um imaginava algo diferente dependendo do que tocava, já que ninguém entendia a dimensão do que estava à frente. Agora, é possível ver a engrenagem de uma perspectiva maior, descrita ao longo das mais de 400 páginas da obra.

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As páginas revelam Wesley e Joesley como personagens cativantes. Impetuosos e brilhantes, dispostos a correr os riscos que poucos correriam. Parte de uma família que, apesar das acusações de sonegação de impostos, transformou um pequeno açougue no interior de Goiás na JBS, a maior produtora de proteína do mundo.

Eram irmãos que colocavam a mão na massa e se sujavam quando era necessário. Seja andando pelo chão da fábrica, demitindo executivos em qualquer lugar do mundo, ou manejando um sistema de corrupção que pagava propina a mais 1,8 mil políticos no Brasil. Um empreendimento tão eficiente que, não fosse pela incompetência política de alguns integrantes do Partido dos Trabalhadores (PT) e uma conjuntura econômica internacional ruim, a história seria diferente. Hoje, os protagonistas desta história não seriam os bandidos, mas sim os heróis.

Why Not ("por que não", em tradução livre), nome do iate de Joesley Batista e título da obra, resume o que parece ser a maneira de Joesley, o mais cerebral, ambicioso e deslumbrado dos irmãos ver o mundo.

Se no Brasil tudo estava à venda, principalmente os políticos, por que não comprá-los para que fossem criadas leis em benefício dos Batista? Se o governo do PT queria campeões nacionais (multinacionais brasileiras globais), por que não tornar a JBS um deles. Se o BNDES tinha bilhões a serem investidos em empresas, por que não usá-los em benefício próprio? Se Ticiana Villas Boas, jornalista famosa, inteligente e bonita estava sentada sozinha em um evento, por que não tentar conquistá-la e até casar com ela?

E justiça seja feita, os irmãos foram bem-sucedidos em praticamente todas as suas empreitadas. Os mais cínicos podem até dizer que o direito de corromper e cometer crimes não era exclusividade dos Batista. Muitos empresários menos habilidosos, inclusive no setor de carnes, tentaram usar os mesmos artifícios dos irmãos, mas faliram. Diferentemente de seus pares, os irmãos Batista estão em um outro patamar, prova disso é que mesmo corrompendo meio mundo e cometendo uma sucessão de crimes, por pouco não saíram impunes.

Mas o que torna a dupla tão especial? Ambos sempre sempre estavam dispostos a ouvir e aprender. Joesley, por exemplo, sem ter frequentado faculdade ou estudado contabilidade, criou uma mesa de câmbio para controlar o caixa da JBS com a flutuação do dólar, por exemplo. Wesley, por sua vez, mais discreto e pé no chão, trazia o olhar prático ao dia a dia. Um sonhava, outro garantia que o sonho ia virar realidade.

O livro é uma aula de gestão de empresas brasileiras. Empreender no Brasil não é para os fracos. O país é arcaico, pouco produtivo e a arbitrariedade impera em todos os níveis. Os irmãos Batista nunca foram santos, mas como justificar uma operação como a da Carne Fraca, que gerou pânico no país, afetou as exportações brasileiras e causou o desemprego de milhares? As alegações de que a carne brasileira era “podre” nunca se comprovaram.

Ao longo do livro também se revela um pouco da psique da elite econômica brasileira. Joesley e Wesley sempre foram vistos como caipiras. Se nos encontros os irmãos inspiravam respeito por seu poder, nos bastidores eram tratados como capitalistas de segunda linha.

Joesley se ressentia da baixa avaliação de suas empresas pelo mercado, as ações de suas empresas não decolavam mesmo diante dos grandes feitos de seu império. A turma de terno e gravata da Faria Lima, aparentemente, nunca engoliu a dupla, mas como dizem por lá, “money talks, bullshit walks”. Nada disso impediu bancos no Brasil e no exterior de ganharam bilhões com os negócios da JBS.

Há lições de empreendedorismo e sobre o código penal ao longo das páginas, é certo. Mas é no quesito política que a obra se destaca. Um dos pontos altos acontece quando Joesley se sente abandonado por Temer e seu grupo. Após milhares de reais repassados ao PMDB, Joesley suspeitava que, do ponto de vista do Presidente, se a JBS quebrasse e Wesley fosse preso, a Lava Jato talvez tivesse de terminar por causa do clamor popular em vista de milhares de empregos perdidos, com pecuaristas e criadores de frangos e suínos falidos.

Nos capítulos finais, a República Brasileira se tornou uma espécie de Game of Thrones. A Operação Lava Jato trouxe o inverno. Winter is coming. O que nos primeiros capítulos era somente uma luta de lordes pelo controle do trono com alguns mortos e feridos pelo caminho, ao final se tornou uma batalha sangrenta pela sobrevivência. Escapar da cadeia era a única meta. Temer traiu Joesley, que traiu Temer, que traiu Dilma, que traiu Lula...

Joesley sempre enxergou mais longe. Tentou convencer Lula a não indicar Dilma como sua sucessora na presidência. Joesley resistia a apoiá-la como candidata a presidente. Só o fez ao ouvir de Dilma que Antônio Palocci seria o ministro da Economia, o que ela não cumpriu depois de eleita. E quando Dilma indicou Joaquim Levy ao cargo, Joesley desenhou em um papel porque Levy, um economista técnico, não seria respeitado pelas lideranças da economia.

Joesley defendia Henrique Meirelles na posição, mas Dilma detestava Meirelles. Por sua vez, Meirelles era próximo dos Batista. Sete meses após abandonar o comando do Banco Central no governo Lula, Meirelles se tornou chairman do novo conselho consultivo da holding J&F. Com a função um tanto vaga de “traçar estratégias para os negócios”. Posteriormente, Meirelles idealizou o lançamento do Banco Original, braço financeiro da J&F. E a seguir se tornou ministro da economia no governo Temer.

Nada se comprovou contra Meirelles. Não é um caso isolado. O ministro Fachin recebeu apoio da JBS para sua eleição no STF. Gilmar Mendes recebeu mais de 2,1 milhões de reais em seu Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP). Houve ainda uma fazenda comprada pela JBS que seguiu arrendada pelo irmão de Mendes a pedido do ministro do STF. Diante de personalidades graúdas como essa, o jovem advogado Marcelo Miller parece uma ovelha pronta para o abate.

Ambicioso e com ares de prodígio, Miller subiu rápido na carreira. No Ministério Público Federal atuava como procurador da República e ganhava mensalmente R$ 34,9 mil, 15 vezes mais que a média do salário do brasileiro. Mas ao entrar para iniciativa privada, atuando no badalado escritório Trench Rossi Watanabe, receberia: 1,6 milhão de luvas e salário de R$ 25 mil por mês, além de, no mínimo, US$ 250 mil por ano em honorários. Seus primeiros clientes: os irmãos Batista, que já buscavam ajuda para realizar uma delação premiada. O problema é que Miller começou a atender os Batista antes de se desvincular do MPF. E o MPF estava tentando fazer um acordo de delação premiada com os Batista. Miller lembra um pouco o canário na mina, morria sufocado (na mídia) enquanto outros escapavam.

O desfecho desta história é conhecido. Joesley gravou o presidente Temer em uma conversa extremamente suspeita no subsolo do Jaburu. Mas diferentemente da construtora Odebrecht, onde a propina era gerenciada por mais de 80 pessoas, na JBS somente Joesley, Wesley e Ricardo Saul (braço direito de Joesley) tinham controle do esquema. Quando a notícia da gravação de Joesley e Temer vazou no Jornal o Globo, em um furo (jargão para a informação publicada em um veículo antes de todos os demais) do jornalista Lauro Jardim, no dia seguinte Wesley reuniu seu principais executivos e confirmou a história. Disse ainda que a propina não era uma prática da JBS e que o problema estava restrito a ele, Joesley e Saud. “Cada um de vocês olhe para si mesmo. Vocês sabem que não fizeram nada de errado”, afirmou aos líderes de suas empresas.

Joesley pode parecer a figura mais proeminente e até deslumbrado no auge de sua influência política, mas o papel de Wesley não é secundário neste enredo. No pico da crise, mesmo diante de 18 bancos credores que poderiam facilmente pedir a falência da JBS, Wesley comandou as negociações com surpreendentes calma e disciplina.

Em situações de crise financeira as empresas usualmente tentam não interromper os pagamentos de empréstimos. Wesley fez o inverso, interrompeu os pagamentos para proteger o caixa e garantir a operação no dia a dia. Diante de uma dívida de 22 bilhões a ser paga para alguns dos maiores bancos do mundo, Wesley não se intimidou. Fez valer a máxima que se você deve pouco o problema é seu, se você deve muito o problema é do banco. Em uma reunião com todos os bancos garantiu que venderia empresas e o que fosse necessário para saldar a dívida. Os bancos aceitaram e toparam o acordo para evitar um prejuízo maior.

Ao terminar a leitura de Why Not, uma das prováveis conclusões é: no Brasil, o crime compensa se você for bilionário e muito esperto. Afinal, por muito pouco os irmãos não escaparam da prisão. Gravar o presidente da República em uma conversa suspeita e também gravar o provável futuro presidente, o senador Aécio Neves, pedindo dinheiro é feito de poucos.

Não fosse o esforço de vingança dos políticos entregues pelos Batista e a ganância dos irmãos que lucraram milhões ao apostar na alta do dólar se aproveitando das denúncias que fizeram, a opinião pública possivelmente não tivesse se voltado contra eles e hoje estariam vivendo tranquilamente no exterior. De todo modo o saldo não é negativo para os Batista. Diversos políticos e empresários seguem presos ou entrando e saindo da prisão. Joesley e Wesley cumprem prisão domiciliar e seguem bilionários.

Felizmente existe um irônico fio de esperança. Se dois irmãos foram capazes de unir PT, PMDB, PSDB e uma dezena de partidos e instituições públicas e privadas para beneficiar uma única família, não seria impossível realizar o feito novamente. Unir esquerda, direita e toda sorte de instituições em torno de uma causa comum. E quem saiba essa causa seja o benefício de milhões de famílias brasileiras, não somente a família Batista.

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