Diversidade sonora marcou o primeiro dia de festival, que ainda teve o show introspectivo do duo Madrid e o trio hermano de stoner rock Pez
PEDRO ANTUNES, DE GOIÂNIA Publicado em 10/11/2012, às 12h21 - Atualizado às 14h09
Sob as linhas sinuosas desenhadas pelo arquiteto Oscar Niemeyer para o projeto do Centro Cultural que leva seu nome, localizado a 7 Km do centro de Goiânia, o festival Goiânia Noise completou 18 anos nesta sexta, 9, e comemorou o aniversário com grande pluralidade sonora e público de menos.
O local, espetacularmente belo, foi construído sob uma pequena colina de onde é possível vislumbrar a cidade inteira – principalmente à noite, quando as luzes pareciam dançar ao sabor da música que corria solta por ali. As 56 atrações dos três dias de shows foram divididas em dois palcos, o Esplanada, aberto, e Cidade da Música, um grande teatro.
Sem filas, toda a infraestrutura de serviço do festival funcionou muito bem nas quase 12 horas de música do primeiro dia. Comes e bebes eram oferecidos por um preço mais justo do que aquele cobrado em grandes festivais do eixo Rio-São Paulo. Uma latinha de cerveja, por exemplo, custava R$ 4, já uma fatia de pizza era comprada por R$ 5.
A falta de adesão do público no primeiro dia facilitou a transição entre palcos, mas dificultou a vida de algumas das 12 bandas escolhidas para se apresentar nesta sexta. Apenas o som intimista do duo Madrid, a anarquia punk dos argentinos Boom Boom Kid e a psicodelia de Lirinha conseguiram levar mais de uma centena de pessoas para frente do palco para dançar ou pular. Mesmo que ainda não tenham sido divulgados números oficiais, o espaço era dedicado a uma quantidade de pessoas muito maior do que aquela presente.
A ideia de dois palcos que funcionariam alternadamente, diminuindo o tempo de espera entre os shows, precisou ser abandonada depois do show de hardcore pesado da banda goiana Mortuário, terceira do dia, no Esplanada. A organização foi obrigada centralizar todas as performances no Palácio da Música, a partir das 20h, duas horas antes do programado, por causa de uma palestra que era ministrada em um dos prédios do Centro Comercial Oscar Niemeyer.
Primeiro destaque
Uma hora depois do programado, às 20h30, o power trio goiano Space Truck subiu no Palácio da Música trazendo uma boa gama de referências de bandas dos anos 70. Formado por três garotos de 20 e poucos anos, os irmãos Rogério (voz, baixo e teclados) e Rodrigo Sobreira (guitarra), e Fellipe Roso (bateria), o grupo diminuiu o peso das guitarras na sonoridade do festival, que até então vinham carregadas de distorção e acompanhavam vocais guturais. Em 30 minutos de show, os três jovens que montaram a banda em maio de 2011 mostraram um som progressivo e, a cada virada e solo, era possível notar boas doses de referências de Led Zeppelin, Queen e Rush. Bebendo de uma fonte de ótima qualidade, eles fizeram uma apresentação consistente, com músicas próprias e letras cantadas em inglês. Com a falta de público, contudo, o som da banda sofreu com o eco produzido pelo imenso teatro vazio.
Centralizando todos os shows no Palácio da Música, o cronograma do festival foi alterado. Veio o também trio Mapuche, de Santa Catarina, com canções bucólicas e interessantes camadas de reverbs. Os paulistanos Worst deveriam ter se apresentado às 20h, no palco externo, mas só surgiram duas horas depois. A agitação do vocalista Thiago Monstrinho, pedindo por ânimo do público ainda pouco participativo, conseguiu convencer alguns mais próximos criar uma pequena roda de bate-cabeça. Em uma boa manobra da organização do evento, o também pesado Kamura, de Goiânia, teve seu horário de show igualmente alterado, subiu no palco logo em seguida e deram continuidade à pancadaria sonora.
Rock argentino chega ao festival
O relógio já passava das 22h40 e a chuva prometida pela previsão do tempo chegou ao Centro Cultural Oscar Niemeyer e por lá ficou, mesmo que quase imperceptível, depois de um início forte. Foi o momento para a primeira apresentação estrangeira da noite, com os veteranos argentinos do Pez. Liderada por um insano Ariel Minimal, conhecido no circuito de rock alternativo hermano pelo seu antigo grupo, o Los Fabulosos Cadillacs, a banda diminuiu novamente as batidas por minuto a apostou num stoner rock de alta qualidade e sotaque espanhol. Ainda que pouco conhecidos pelo mirrado público postado à sua frente, os três músicos mostraram canções com variações rítmicas diferenciadas e Ariel, com voz fora dos padrões, dava um ar singular ao show.
Com músicas que casavam perfeitamente com o teatro, o duo Madrid trouxe o repertório do seu disco de estreia, com o mesmo nome do grupo, lançado este ano. Formada por Adriano Cintra (ex-CSS) e Marina Vello (ex-Bonde do Rolê), a dupla é intimista, quase silenciosa. Alternando nos vocais, os dois mantém o tom de voz baixo, quase sussurrado, até mesmo nos agradecimentos tímidos a cada música. Foi a primeira banda que conseguiu reunir um bom número de pessoas na frente do palco. De frente para os rostos curiosos, executaram ótimas canções como “Your Hand”, com Adriano no teclado, Vello alternando entre guitarra e voz, no fundo, e uma projeção com a sombra de um baterista ilustrando as batidas eletrônicas.
Anarquia sonora
A partir daí o festival engrenou em uma sequência que resume bem o que representou esse primeiro dia do Goiânia Noise, a reunião de gêneros musicais distintos, mas igualmente interessantes. Banda mais surpreendente do dia, a argentina Boom Boom Kid, que deveriam fechar o palco Esplanada às 21h, subiu ao Palácio da Música depois da 1h. Com som explosivo, variando do hardcore e indo até melodias mais calmas e trabalhadas, o grupo transformou o espaço com sua anarquia absoluta. Incentivado pelo vocalista Carlos Rodriguez, cerca de 20 rapazes subiram no palco e lá ficaram, empurrando-se, caindo, pulando, batendo palma, como se fosse um show na sala das suas casas. Ainda que com isso fosse impossível ver a banda, assistir a tudo foi uma experiência que mostrou o porquê da necessidade de festivais desse tipo. Longe de protocolos e mainstream, o Noise abre espaço para o improviso e para o inesperado, como a cena da algazarra dos marmanjos sobre o palco, agindo como crianças que descobrem o rock pela primeira vez.
Antes do fechamento do dia, com o funk goiano cheio de groove da banda Chimpanzés de Gaveta, o pernambucano de Arcoverde Lirinha (foto) trouxe a normalidade – ou quase – de volta ao festival. Estreando em Goiânia com sua carreira solo, depois de inúmeras apresentações ao lado da sua antiga banda, Cordel do Fogo Encantado, o vocalista entregou o melhor de si, recitou seus versos com fôlego de garoto, suou e dançou como nunca. A formação do grupo que o acompanha criou duas paredes sonoras com dois bateristas e percussionistas e dois músicos nos teclados e sintetizadores, entre eles o ótimo Astronauta Pinguim. Com estes dois alicerces sonoros, o aniversariante Lirinha e o guitarrista Neilton, do Devotos, rabiscavam texturas psicodélicas e viajantes.
O vocalista trouxe canções de Lira, seu primeiro álbum, lançado para download em dezembro de 2011, e duas faixas do seu antigo grupo, entre elas “Os Oim do Meu Amor”, que realmente levantou o público, até então mais contemplativo. Lirinha deixou a percussão forte para trás e descobriu um uma maneira de se expressar de forma mais pop e ainda mantendo a profundidade das suas letras. E, ainda que o primeiro dia não tenha tido o quórum esperado para o tamanho do espaço reservado para os shows, o Goiânia Noise garantiu pérolas de boa música e um interessante encontro de sonoridades diversas com um belo cenário de fundo.
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