A falha notória do universo Lucasfilm não saiu da memória do público até hoje - mas sua existência ainda é importante
Alan Sepinwall | Rolling Stone EUA. Tradução: Marina Sakai | @marinasakai_ sob supervisão de Yolanda Reis Publicado em 16/02/2021, às 18h40
Antes de começarmos esse exercício nostálgico, dois assuntos a considerar. Primeiro, assisti o Especial de Natal de Star Wars pela primeira vez, e escrevo essa review como uma meta extensa para o Talk Show do George Lucas, arrecadação de fundos para o Feeding America. Segundo, essa resenha contém spoilers para o último episódio da segunda temporada de The Mandalorian.
Eu vi dois Luke Skywalkers falsos este mês, mas ambos eram um pouco reais.
O primeiro impostor estava no episódio final de The Mandalorian, era a Deep Fake da cara de Mark Hamill em O Retorno de Jedi (1993) colada no corpo do ator Max Lloyd-Jones — e não era uma boa Deep Fake. Aquela cena foi tão arrepiante e, apesar dos efeitos visuais fracos, mostrou o quão boa a equipe criativa é em entender como contar histórias no universo Star Wars, sendo sobre novos personagens ou simulando digitalmente os antigos.
Esse Luke era pouco convincente, mas foi apropriado aparecer naquele momento da história de Mando e Baby Yoda. (E as cenas de luta com Luke escondendo sua cara debaixo de um capuz deram a possibilidade ao Team Mando de dar ao público um gosto do Luke Skywalker, Mestre Jedi, imagem não alcançada nos filmes originais — fora a manobra realizada por ele em O Retorno de Jedi.)
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O segundo Luke falso atuou 100% de acordo com Mark Hamill como parte do Especial de Natal de Star Wars de 1978. Os fãs de Star Wars são polarizados, e você pode se lembrar disso em um instante se for insensato o suficiente para oferecer opiniões sobre Os Últimos Jedi (2017) nas redes sociais.
Mas entre as pobres almas azaradas o suficiente para ter assistido o Especial de Natal, há um acordo unânime: este foi o ponto mais baixo para a franquia dona de Jar-Jar Binks, Anakin explicando seu ódio por areia, e quase todas as partes de Star Wars: Episódio IX - A Ascensão de Skywalker.
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Talvez como resultado do acidente de carro de Hamill um ano e meio antes, e a consequente cirurgia de reconstrução facial, ele apareceu no especial com quilos de maquiagem pesada, parecendo menos o Luke de Tatooine e mais com uma jovem Carol Channing.
Entre a maquiagem e Hamill, o qual, assim como as co-estrelas Carrie Fisher e Harrison Ford, não está feliz de fazer parte desse empreendimento, Luke do especial parece menos convincente comparado ao Luke de CGI de The Mandalorian.
Esses dois programas de televisão (se não for insultante ao meio de TV descrever o Especial de Natal dessa forma) obviamente não foram feitos para serem assistidos de perto. Têm um intervalo de mais de 40 anos entre ambos. The Mandalorian é a preciosidade da Disney+, descrita pelo presidente da Disney como a prioridade número um da empresa.
A série foi feita com envolvimento de muitos veteranos da Lucasfilm, mais notavelmente, o produtor Dave Filoni, de Star Wars: A Guerra dos Clones (2008) e a animação Rebels. O especial de natal foi um trabalho apressado, com objetivo de acrescentar à popularidade surpresa do primeiro filme da franquia (e para ajudar a manter o público consciente durante a longa espera até Star Wars: O Império Contra-Ataca (1980).
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Depois de chegar à ideia de fazer a família de Chewbacca celebrar o “Life Day,” George Lucas não se envolveu e o projeto foi produzido por Gary Smith e Dwight Hemion. Nos anos seguintes, Lucas fez de tudo para apagar o especial da existência, mas cópias continuaram aparecendo no Youtube e em outros lugares.
No entanto, vê-los com poucos dias de diferença criou um contraste impressionante. O espaço entre a primeira aparição significante de Star Wars na TV e seu posto na TV atual parece ter mais de 12 parsecs de distância, não apenas em qualidade, mas em ambição.
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Não é impossível imaginar algo como o Especial de Natal de Star Wars sendo feito hoje, apenas porque Cats, de Tom Hooper, existe. Mas seria muito difícil conseguir. Pedaços de propriedade intelectual são a única moeda na Hollywood moderna, e são protegidas como se fossem ouro. A mordomia da Disney com essa franquia teve altos e baixos e também diretores demitidos, mas ninguém nessa empresa deixaria passar uma ocorrência como essa em um programa relacionado à Star Wars:
*Apesar de protestos dos roteiristas argumentando a inabilidade dos Wookies de falar, os créditos iniciais são seguidos de nove minutos de drama doméstico protagonizados pela esposa de Chewbacca, Mala, seu pai Itchy e seu filho Lumpy vagando pela casa na árvore da família no planeta Kashyyyk, se comunicando apenas através de rosnados.
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*Para compensar a inabilidade do público de compreender a língua dos Wookies, muito do especial inclui a família de Chewie assistindo televisão há muito tempo em uma galáxia muito, muito distante, incluindo um circo holográfico, um clipe musical de Jefferson Starship e o programa de culinária mencionado acima com Korman explicando o jeito certo de preparar o lombo de Bantha.
Quantas pessoas seriam colocadas para fora da Disney por propôr algo assim, filmá-lo e deixá-lo ver a luz do dia, em um especial para crianças?
Se as pessoas têm memórias boas do especial, são por conta de dois segmentos: um desenho introdutório de Boba Fett dois anos antes de O Império Contra-Ataca, e um número musical apresentando Bea Arthur como bartender na cantina de Tatooine onde Luke e Han se conheceram no filme.
Ambos têm seu charme, especialmente se comparados ao resto da catástrofe — ver Arthur dar tudo de si na canção é um alívio depois dos segmentos de Luke e Leia, ambos semelhantes a vídeos de reféns — mas não fizeram sentido no contexto. Como Itchy, cidadão de um mundo ocupado por forças Imperiais, assiste a um filme animado sobre a aventura de seu pai envolvendo Boba Fett trabalhando como um agente secreto em nome de Darth Vader?
Nada além do esperado, dado o talento criativo do grupo. Os roteiristas eram do mundo da comédia ou da TV de variedades. Não era um grupo devidamente equipado para fazer algo fiel ao espírito do filme, especialmente considerando o único aspecto de insistência por parte de Lucas: o ângulo do "Life Day" e dos Wookies. Todos os envolvidos estavam destinados ao fracasso, e falharam espetacularmente.
Hoje, muitos roteiristas de comédia cresceram devorando Star Wars, quadrinhos e outros contos de ficção científica e fantasia, e seriam mais qualificados para contar piadas e apresentar canções vagamente parecidas com o material de origem. Mas alguém tentaria, em primeiro lugar? A Marvel tem um especial de natal dos Guardiões da Galáxia em produção, mas parece ser uma paródia direta de Star Wars, e o MCU, por ser tão grande, tem espaço para experimentar.
Mas quando você mergulha em uma máquina de lucro como Star Wars, tudo deve ser seguido de forma correta e verdadeira. Um Hamill digitalmente mais novo aparece em The Mandalorian porque a série leva a mitologia e a ideia dos filmes a sério, apesar de ter espaço para piadas sobre Baby Yoda cometendo genocídio contra sapos.
Se você pudesse reescrever a história com Star Wars se tornando um fenômeno em 2019 ao invés de 1977 — ignorando o fato de a cultura pop operar do modo como opera por causa de Star Wars — não há como seu primeiro spin-off de TV ser um especial de variedades.
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Lucas seria prático com isso, ou teria um colaborador confiável como Filoni cuidando de tudo enquanto trabalhasse no próximo filme. Provavelmente, teria muita ação, teria Luke, Leia e Han muito mais importantes e engajados, plantaria sementes para a próxima produção de um jeito muito maior. Tudo seria mais focado, vetado, anotado, debatido e, caso contrário, repassado com um pente de dentes finos.
De muitas maneiras, foi para o melhor. Evitei o especial durante toda a vida e posso afirmar: ela teria sido mais feliz se não contivesse memórias do pai de Chewbacca se masturbando. O Especial de Natal de Star Wars não é daqueles ruins quase bons, é simplesmente horrível, e nunca deveria ter acontecido.
Por outro lado, o controle da propriedade intelectual por parte das empresas tornou o mundo do entretenimento mais previsível e, muitas vezes, menos divertido. Minha criança interior estava emocionada em ver Luke se introduzindo a Mando, fazendo o universo Star Wars ser menor, e The Mandalorian parecer mais seguro.
Quando tudo isso de dinheiro está em jogo, grandes riscos se tornam mais difíceis de serem tomados. O Especial de Natal de Star Wars não foi um risco, e sim, uma tentativa sem direção de ensinar uma mula a jogar shortstop. Mas alguém em 1978 tinha poder para conceber e produzir um fiasco tão óbvio, e isso é estranhamente reconfortante.
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Não teria assistido ao filme inteiro se muitos dólares não estivessem em jogo, mas meu desejo de "Life Day" é que grandes negócios como Star Wars ganhem espaço para falhar miseravelmente no futuro — porque isso também indica a existência de uma chance inimaginável de sucesso.
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