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Harry Styles

Um ano na vida do cantor em meio ao processo de deixar para trás o passado de astro de boy band rumo ao amadurecimento musical e pessoal

Cameron Crowe Publicado em 18/05/2017, às 19h45 - Atualizado às 19h57

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De ídolo de boy band a promissor astro solo: um ano na vida de Harry Styles - Theo Wenner
De ídolo de boy band a promissor astro solo: um ano na vida de Harry Styles - Theo Wenner

Janeiro de 2016. No alto de Primrose Hill, em Londres, há um banco que dá vista para os contornos da cidade. Se você passou por ali em uma noite de inverno, pode ser que o tenha visto sentado no banco: um sujeito magro com gorro de lã, sobretudo e calça de moletom, com as mãos enfiadas bem no fundo dos bolsos. Harry Styles estava com a cabeça cheia. Passou cinco anos no burburinho do One Direction; naquele momento, um futuro de incertezas se estendia à frente dele. A boy band tinha acabado de anunciar um hiato por tempo indefinido. O ruído branco da adulação havia desaparecido, substituído pelo som abafado da cidade lá embaixo. A fama que Harry Styles conheceu nos anos que passou com o One D foi um tipo especial de mania. Com sorriso acanhado, um toque meio sombrio e o cabelo sempre descrito como “despenteado”, ele se transformou em uma tela sobre a qual milhões de fãs lançaram suas esperanças e sonhos. Uma vez ele teve que parar no acostamento de uma estrada em Los Angeles para vomitar, e o lugar acabou virando altar de adoração das fãs. Dizem até que o vômito foi vendido no eBay, do mesmo jeito que o Muro de Berlim. Paul McCartney o entrevistou.

Mas, no auge da One D-mania, Styles deu um passo para trás. Para muitos, 2016 foi um ano de heróis musicais perdidos e uma nova ordem mundial tóxica. Para Styles, foi uma busca por uma nova identidade que começou naquele banco com vista para Londres. Como seria um disco solo de Harry Styles? Um plano se delineou. Um ciclo de canções sobre mulheres e relacionamentos. Um som mais rock. Uma capa ousada de uma cor só para combinar com o título do trabalho: Pink (Rosa). (Ele cita Paul Simonon, do The Clash: “Rosa é a única cor verdadeira do rock and roll”.) Muitos dos detalhes iriam mudar no decorrer do ano – inclusive o título, que acabaria sendo Harry Styles –, mas uma palavra ficou na cabeça dele.

"Honestidade", Styles diz, um ano mais tarde, rodando de carro pelas ruas de Los Angeles em um Range Rover preto empoeirado. Ele tem morado aqui de modo intermitente nos últimos anos, sempre voltando para Londres. O som do carro de Styles toca uma mistura de country e classic rock. “Eu não queria escrever ‘histórias’”, afirma. “Queria escrever as minhas histórias, coisas que aconteceram comigo. O principal era que eu queria ser honesto. Eu nunca tinha feito isso antes.” Ele fala animadamente da banda que montou sob a tutela do produtor Je Bhasker (The Rolling Stones, Kanye West, “Uptown Funk”). Está cheio de “causos” sobre as sessões de gravação durante duas semanas na segunda metade do ano passado no Geejam, estúdio construído na encosta de uma montanha perto de Port Antonio, uma área remota da Jamaica. Drake e Rihanna gravaram lá, e foi onde Styles produziu o grosso de seu álbum, que tem lançamento marcado para 12 de maio.

Chegamos a uma lanchonete lotada, e Styles vai atravessando o salão com um caderno preto cheio de papéis referentes a seu disco, como se fosse um universitário em busca de um lugar tranquilo para estudar. Está aqui para fazer algo que não fez muito em sua jovem carreira: uma longa entrevista cara a cara, sozinho. Styles está disposto, mas toma muito cuidado com as palavras, às vezes ficando em silêncio, consultando a toalha de mesa antes de responder. Mas, enquanto relata os acontecimentos que levaram a seu ano longe dos holofotes, as camadas começam a se desfazer.

Foi em um estúdio de Londres, no final de 2014, que Styles falou pela primeira vez sobre dar um tempo no One Direction. “Eu não queria exaurir nossas fãs”, explica. “Se você só olhasse para o agora, poderia pensar: ‘Vamos continuar fazendo turnês’. Mas nós [integrantes] consideramos demais o grupo. Você percebe que está exausto e não quer que isso faça acabar a fé que as pessoas têm em você.”

Depois de muita conversa, a banda toda concordou em dar um tempo, o que foi anunciado em agosto de 2015 (Zayn Malik tinha saído do One D repentinamente alguns meses antes). As fãs ficaram traumatizadas com a decisão da banda, mas não foram abandonadas de uma hora para outra – houve uma série de despedidas, inclusive uma turnê que se estendeu até outubro do ano passado. Styles continua sendo um grande defensor do One D: “Eu adoro a banda, e nunca eliminaria nenhuma possibilidade no futuro. O One Direction mudou a minha vida e me deu tudo”.

Ainda assim, a carreira solo chamava. “Eu queria dar um passo adiante. Havia músicas que eu queria escrever e gravar. Cada decisão que tomei desde os 16 anos foi feita de maneira democrática. Senti que estava na hora de tomar uma decisão sobre o futuro... e que talvez eu não devesse depender de outras pessoas desta vez.”

Na pele de um dos rapazes de 23 anos mais famosos do mundo, o ser humano Styles continua praticamente desconhecido. Atrás do personagem efervescente no palco há mais lenda do que fatos. Ele quer que seja assim. “Com um artista como Prince, você só queria saber mais. E aquele mistério... é por isso que essas pessoas são tão mágicas! Tipo porra, eu não sei o que o Prince toma no café da manhã. Aquele mistério... é isso que eu admiro.”

Styles faz uma pausa e saboreia a ideia do desconhecido. Olha para o meu gravador digital como um convidado que não é exatamente bem-vindo. “Mais do que ‘você mantém um mistério vivo?’... não é isso. Eu gosto de separar a minha vida pessoal e o trabalho. Ajuda, acho, quando eu coloco em compartimentos diferentes. Não é que esteja tentando fazer a minha carreira ser mais longa, como se eu estivesse tentando ser um ‘personagem misterioso’, porque não estou. Quando vou para casa, eu me sinto como a mesma pessoa que era na escola. Não dá para achar que isso pode continuar se você mostrar tudo. Tem o trabalho e tem o lado pessoal, e passar de um para o outro é a minha coisa preferida.”

Vamos para o estúdio Beachwood Canyon, de Jeff Bhasker. Quando chegamos, Styles saltita pelos degraus que levam para a sala de gravação, passando por um homem entediado que limpa a piscina. “Como vai?”, Styles pergunta enquanto abre um sorriso contente. O homem não parece compartilhar da mesma alegria existencial de Styles.

Lá dentro, a banda está à espera dele, que abre o caderno e vai para o piano. Ele quer terminar uma música que começou naquele mesmo dia. Fica óbvio que a banda tem uma dinâmica bem lubrificada. Para todos eles, Styles é “H”. Velas com perfume de romã bruxuleiam pela sala. Bhasker entra, vestindo camisa multicolorida, meias vermelhas e sandálias. No começo do projeto, ele estava ocupado cuidando do filho recém-nascido com a cantora e compositora Lykke Li, por isso indicou a Styles os produtores Alex Salibian e Tyler Johnson, além do engenheiro de som e baixista Ryan Nasci. A banda começou a se formar. A última peça do quebra-cabeça foi o guitarrista Mitch Rowland, que trabalhava em uma pizzaria até duas semanas antes do início das gravações. “Estar perto de músicos assim teve um efeito enorme sobre mim”, Styles conta. “Sabe não conseguir passar por um instrumento sem sentar para tocar?” Ele sacode a cabeça. Essa foi a primeira imersão total de Styles na terra dos músicos, e ele obviamente está amando.

Nasci coloca o disco para tocar. As letras são cheias de detalhes e referências – segredos sussurrados entre amigos, declarações de amor fadadas ao fracasso, piscinas vazias – que com certeza farão com que as fãs se esforcem para descobrir os fatos por trás do mistério.

“Claro que eu estou nervoso”, Styles confessa, agitando as chaves que tem na mão. “Quer dizer, eu nunca fiz isso antes. Não sei que porra eu estou fazendo. Fico feliz por ter encontrado esta banda e estes músicos, aqui dá para ser vulnerável a ponto de dar a cara a bater. Ainda estou aprendendo... e é a minha lição preferida.”

O álbum se afasta claramente do dance pop que toma conta das rádios. “Muitas das minhas influências, das coisas que eu gosto, são mais antigas”, ele afirma. “Mas eu não queria lançar meu primeiro álbum e ficar tipo: ‘Ele tentou recriar os anos 1960, 1970, 1980, 1990’. Montes de música fantástica foram escritos nessas épocas, mas não estou dizendo que eu preferia ter vivido naquele tempo. Eu quis fazer algo que tivesse a minha cara.”

“É diferente do que se espera”, define Bhasker. “Fez com que eu percebesse que Harry [no One D] era meio que o Harry digitalizado. Quase como um personagem. Não acho que as pessoas conhecem muito dos lados dele que estão neste álbum. Você coloca para tocar, e as pessoas ficam: ‘Isso é Harry Styles?’”

Styles tem consciência de que seu maior público até agora tem sido de mulheres – quase sempre adolescentes. Quando pergunto se ele passa noites em claro preocupado em ter credibilidade junto a um público mais velho, ele se anima. “Quem pode dizer que meninas que gostam de música pop – que é a abreviação de popular, certo? – têm gosto pior do que um sujeito hipster de 30 anos? Não é você quem vai dizer. A música é algo que sempre muda. Meninas gostam dos Beatles. Como se pode dizer que as meninas não entendem? Elas são o nosso futuro. Nossas futuras médicas, advogadas, presidentes; elas meio que fazem o mundo continuar andando. Fãs adolescentes... elas não mentem. Se gostam de você, estão presentes. Não se fingem de ‘cool demais para isso’. Gostam de você e te dizem o quanto gostam de você. E isso é insano.”

Styles vai até um restaurante tranquilo em Laurel Canyon, no fim da Lookout Mountain Avenue, que já foi o lar de muitos heróis da composição dos anos 1970. Ele antes tinha uma casa aqui pertinho. Conta que não bebe muito, quem sabe um pouco de tequila com gelo ou vinho com os amigos depois de um show, mas quando chegou a última turnê do One Direction não sobrava tempo nem para isso. John Lennon certa vez declarou à Rolling Stone que, por trás das cortinas, as turnês dos Beatles eram iguais ao filme Satyricon, de Fellini. Styles responde que as turnês do One D eram mais parecidas com “um filme de Wes Anderson. Corta. Corta. Nova locação. Corte rápido. Nova locação. Corta. Corta. Show. Chuveiro. Corte seco. Hora de dormir”.

Sobre a cabeça dele estão óculos brancos do mesmo estilo que Kurt Cobain tornou famosos, mas as semelhanças param por aí. Styles, nascido dois meses antes de Cobain deixar a Terra, não se sente amarrado a nenhum gênero ou época específicos. No carro, ele pode aumentar o som da música country de Keith Whitley com a mesma facilidade que manda ver no blues/soul esotérico de Shuggie Otis. Ele até comprou um bolo de cenoura para dar de presente a Stevie Nicks em um show do Fleetwood Mac. (“Mandei escrever o nome dela. Ela adorou. Ainda bem que ela gosta de bolo de cenoura.”)

Uma coisa fica bem clara: ele não vai fazer o papel clássico de artista torturado. “As pessoas romantizam os lugares a que elas mesmas não vão”, ele diz. “É por isso que é fascinante quando as pessoas vão para o lado escuro – como quando Van Gogh cortou a orelha. Você romantiza essas pessoas, às vezes de maneira desproporcional. É a mesma coisa com a música. Você quer um pedaço daquela escuridão, quer sentir a dor, mas também quer voltar para a sua própria vida [mais segura]. Não posso dizer que eu tenha vivido isso. Minha infância foi muito boa. Sinto que tenho muita sorte. Tive uma família ótima e sempre me senti amado. Não tem nada pior do que uma pessoa torturada que não é autêntica. ‘Tiraram minha mesada, então comecei a usar heroína.’ É tipo... não é assim que funciona. Eu nem me lembro mais qual foi a pergunta.”

Harry Edward Styles nasceu em Worcestershire, na Inglaterra. A família se mudou para Cheshire, uma área tranquila do norte, quando ele era bebê. Sua irmã mais velha, Gemma, era a estudiosa da família. (“Ela sempre foi mais inteligente do que eu, e eu sempre tive inveja disso.”)

O pai dele, Desmond, trabalhava com finanças. Era fã dos Rolling Stones, do Fleetwood Mac, ouvia muito Queen e Pink Floyd. O pequeno Harry engatinhava escutando The Dark Side of the Moon (1973). “Eu na verdade não entendia aquilo, mas me lembro de pensar algo como: ‘Isso é legal pra caralho’. Daí a minha mãe sempre tinha Shania Twain e Savage Garden, Norah Jones tocando. A minha infância foi ótima, eu reconheço.”

Mas, na verdade, não era exatamente uma perfeição com uma trilha sonora fantástica. Quando o garoto tinha 7 anos, os pais explicaram que Des sairia de casa. Quando se pergunta sobre aquele momento hoje, Styles olha fixo para a frente. “Eu não me lembro”, diz. “Sinceramente, quando se é assim tão novo, meio que dá para bloquear... Não posso dizer que me lembro da coisa exata. Quer dizer, eu tinha 7 anos. Sentir que eu era amado pelos meus pais e tinha o apoio deles nunca mudou.”

Os olhos dele ficam um pouco úmidos, mas, diferentemente do rapaz que chorou por causa de críticas na internet (um momento forte no documentário A Year in the Making, do One Direction), nessa noite Styles segura a emoção. Ele ainda é próximo do pai, e foi padrinho de casamento da mãe quando ela voltou a se casar alguns anos atrás. “Desde que eu tenho 10 anos”, ele reflete, “é tipo: proteger a minha mãe a qualquer custo. A minha mãe é muito forte. Ela tem o maior coração”.

Foi a mãe que sugeriu que ele se inscrevesse no programa britânico The X Factor. Styles cantou “Isn’t She Lovely”, de Stevie Wonder. A reação implacável de um dos jurados, Louis Walsh, é hoje infame.

“Naquele instante, você está em um redemoinho. Na verdade, não sabe o que está acontecendo; você não passa de um garoto em um programa de TV”, relembra Styles. “Nem sabe se é bom em qualquer coisa. Eu fui porque a minha mãe me disse que eu era bom por me ouvir cantar no carro... mas a sua mãe diz coisas para você se sentir bem, então é preciso aceitar com um pouco de desconfiança. Eu na verdade não sabia o que esperar quando fui lá.”

Styles não avançou na competição sozinho, mas Simon Cowell, o criador do The X Factor, sentiu que tinha ali um ímã para o público. Colocou Styles com mais quatro jovens que não tinham conseguido progredir no programa e os reuniu no One D, em um casamento musical arranjado. E o casamento funcionou.

É de se questionar como um jovem músico é capaz de encontrar seu caminho em meio a picos altíssimos, e continuar com a cabeça intacta sobre o pescoço – sem vídeos de sexo, sem escândalos no TMZ, nada de livros reveladores sobre alguém com quem fez reabilitação. Em um mundo em que um escândalo confuso é capaz de garantir cinco temporadas de um reality show de sucesso... como é que Harry Styles saiu ileso?

“É a família”, responde Ben Winston. “Vem da mãe dele, Anne. Ela os criou de um jeito incrível. Tenho mais chance de ir para Marte na semana que vem do que Harry de ter algum tipo de vício.”

Estamos em Hollywood. Winston, de 35 anos, um produtor executivo premiado com um Emmy por The Late Late Show with James Corden, sai de sua mesa de trabalho e se acomoda em um sofá próximo para falar sobre o amigo. Mais do que isso, Styles se transformou em um improvável integrante da família.

A amizade começou nos primeiros estágios do sucesso do One D, quando a banda estreou em The X Factor. Winston, que na época era diretor e sócio de produção de Corden, quis se reunir com eles e de cara se deu bem com a banda. Ele se transformou em um amigo-mentor de Styles, apesar de a relação dos dois ter passado por um teste já no início. Styles tinha acabado de sair da casa dos pais em Cheshire, localizada a inconvenientes três horas de Londres. Achou uma casa perto da dos Winston em Hampstead Heath. A casa nova precisava de duas semanas de reforma. Styles perguntou se podia passar um tempo com Winston e a mulher dele, Meredith. “Ela concordou”, Winston relembra, “mas só por duas semanas”.

Styles colocou o colchão dele no sótão dos Winston. “Duas semanas se passaram e ele ainda não tinha conseguido comprar a casa dele”, Winston prossegue. “Não estava dando certo. Então, disse: ‘Vou ficar até o Natal, se vocês não se incomodarem’. Veio o Natal e...”

Durante os 20 meses seguintes, um dos astros mais desejados do planeta dormiu em um colchãozinho em um sótão. O único incômodo foi o violão que reverberava no quarto de Winston. Enquanto as fãs se agrupavam na casa vazia na qual ele não morava, Styles passava seus dias incógnito com um casal 12 anos mais velho do que ele. O estilo de vida judeu ortodoxo dos Winston, com ênfase forte na família, ajudou a manter a sanidade do rapaz.

“Aqueles 20 meses foram o período em que eles deixaram de fazer parte de um reality para se transformar em artistas campeões de vendas”, lembra Winston. “Naquele espaço de tempo, ele estava morando com a gente na situação mais suburbana possível. Ninguém nunca descobriu. O bairro é tão família que nem quando ele saía para comer em algum restaurante alguém chegava a sonhar que fosse ele mesmo. Mas ele transformou a nossa casa em um lar. E, quando se mudou, nós sentimos um vazio.”

Winston continua a contar as histórias do sótão. “Eu e Meri tínhamos uma brincadeira. Queríamos ver as garotas que vinham com ele para casa. A gente adorava, porque já estávamos na cama, feito um casal de velhos. Estávamos lá de pijama, e a porta abria. A escada era bem na frente do nosso quarto, então a gente esperava para ver se Harry tinha vindo para casa sozinho ou com alguém.”

“Eu estava sempre sozinho”, observa Styles. “Tinha medo de Meri.”

“Ele não estava sempre sozinho”, Winston corrige. “E era emocionante ver as celebridades de primeira linha que vinham dormir no sótão. Ou então ele chegava e ficava conversando com a gente. Agia como se não tivesse voltado de viagem depois de cantar para 80 mil pessoas, três noites seguidas, no Rio de Janeiro.”

"Vamos à praia", sugere Styles em um dia coberto de neblina. Na noite anterior foi a festa de aniversário dele, movida a tequila e karaokê, cheia de amigos e com direito a uma visita-surpresa de Adele. “Nem estou tão de ressaca”, ele observa.

Styles encontra um lugar em um restaurante de sushi litoral acima. O assunto de hoje é “relacionamentos”. Apesar de Styles dizer que ainda se sente um novato em relação a isso, um punhado de casos amorosos o afetou profundamente.

“A minha primeira namorada de verdade tinha uma risada daquelas”, conta. “Também tinha um pouco de mistério com ela, porque não estudava na nossa escola. Simplesmente adorava o chão que ela pisava. E ela sabia, provavelmente além da conta. Foi difícil. Eu tinha 15 anos.”

“Ela morava a uma hora e meia de distância de trem, e eu trabalhei em uma padaria durante três anos. Terminava o expediente no sábado, às 16h30, e embarcava no trem das 16h42, e se eu perdia esse trem não tinha outro por uma ou duas horas. Então, terminava o trabalho e saía correndo para a estação. Gastava 70% do meu salário em passagens. Mais tarde, eu ficava lembrando do perfume dela. Coisas pequenas. Eu sinto o cheiro daquele perfume o tempo todo. Posso estar em um elevador ou em uma recepção e digo a alguém: ‘Alien, certo?’ Às vezes a pessoa fica impressionada e às vezes fica achando um pouco esquisito. ‘Pare de me cheirar’.”

Se Styles ainda não estava acostumado à atenção global das mídias sociais, passou por um teste em 2012, quando conheceu Taylor Swift em uma cerimônia de premiação. O segundo encontro deles, um passeio no Central Park, em Nova York, foi registrado por paparazzi. De repente, o casal era notícia global. Eles terminaram no mês seguinte, segundo boatos após férias um tanto turbulentas no Caribe; parece que o romance acabou com pelo menos um coração partido.

Ele é conhecido por evitar o assunto. “Preciso fazer xixi antes. Talvez demore”, diz. Levanta-se para ir ao banheiro, e completa: “Na verdade, pode escrever: ‘Ele saiu para fazer xixi e nunca mais voltou’.”

Styles volta depois de uns dois minutos. “Pensei em deixar você mofando um pouco”, brinca, antes de tomar um gole de suco verde. Ele conta que ficou surpreso quando as fotos do Central Park circularam pelo mundo todo. “Quando eu vejo fotos daquele dia, penso: relacionamentos são difíceis em qualquer idade. E, para completar, você não entende exatamente como funciona quando tem 18 anos, então passar por aquela coisa toda não facilitava em nada. Quer dizer, para começo de conversa, você está meio sem jeito. Sai com uma pessoa de quem gosta de verdade. Deveria ser assim bem simples, certo? Foi uma experiência de aprendizado, com certeza. Mas no fundo... eu só queria que tivesse sido um encontro normal.”

Ele sabe muito bem que pelo menos duas músicas de Taylor – “Out of the Woods” e “Style” – são, supostamente, a respeito do romance. “Eu não sei se são sobre mim ou não...”, desvia, tentando ser discreto. “Mas a questão é que ela é tão boa, que as músicas estavam em todo lugar.” Ele sorri. “Eu escrevo a partir das minhas experiências, todo mundo faz isso. Tenho sorte se tudo [pelo que passamos] ajudou a criar aquelas músicas. É isso que pega no seu coração. São as coisas mais difíceis de dizer, e são as coisas sobre as quais eu menos falo. Essa é a parte que tem a ver com as duas pessoas. Nunca vou contar tudo para ninguém.”

Ele teve a oportunidade de dizer a ela que admirava as músicas? “Sim e não”, ele responde depois de uma longa pausa. “Ela não precisa que eu lhe diga que são ótimas. São músicas ótimas... É o diálogo não proferido mais maravilhoso que já existiu.”

Tem algo que ele gostaria de dizer a Taylor Swift hoje? “Talvez seja aqui que você escreve que eu fui embora!” Ele dá risada. “Não sei”, finalmente diz. “Algumas coisas não dão certo. Tem muitas coisas que podem ser certas, e ao mesmo tempo dar errado. Quando escrevo músicas a respeito de coisas assim, gosto de tirar o chapéu para o tempo que se passou junto. Você celebra o fato de que foi forte e fez você sentir algo, em vez de ficar pensando ‘isso não deu certo, e isso é ruim’. E, se você cruzar com a pessoa, talvez seja desconfortável, talvez você precise ficar bêbado... mas vocês dividiram algo. Conhecer uma pessoa nova, dividir essas experiências, é a melhor coisa de todas. Então, obrigado.”

Ele menciona um relacionamento mais recente, que possivelmente já terminou a esta altura, mas que foi importante nos últimos anos. (Styles foi visto com frequência com Kendall Jenner, mas não confirma se é dela que está falando.) “Essa pessoa é uma parte enorme do álbum”, revela. “Às vezes você quer fazer um aceno... e espera que a pessoa saiba que é só para ela.”

No final de fevereiro de 2016, Styles conseguiu um papel cobiçado no épico da Segunda Guerra Mundial Dunkirk, dirigido por Christopher Nolan. Em Nolan, Styles encontrou um diretor igualmente interessado em mistério. “O filme é tão ambicioso”, elogia. “Algumas das coisas que estão fazendo nesse filme são insanas. E foi difícil, cara, do ponto de vista físico foi duro demais, mas eu adoro atuar. Adoro fazer o papel de outra pessoa. Eu dormia superbem à noite, daí acordava e ia me afogar.”

Quando Styles voltou a Los Angeles, ligou para seu empresário, Jeffrey Azoff, e explicou que queria terminar o álbum fora de Londres ou de Los Angeles, em um lugar em que a banda pudesse se concentrar. Quatro dias depois de voltar das filmagens, estavam a caminho de Port Antonio, no litoral da Jamaica. No estúdio Geejam, Styles e banda moraram juntos. Encheram uma casa espaçosa de dois andares de instrumentos, mataram tempo no Bush Bar (que mais parece uma casa da árvore) e tiveram acesso às lindas salas de gravação localizadas ali. Muitas manhãs começavam com braçadas na enseada deserta montanha abaixo.

A vida na Jamaica era 10% praia e 90% expedição musical. Foi o rito de passagem para um músico em busca de explodir o passado e lançar o futuro. A ansiedade em relação ao que viria a seguir foi embora. Surgiram camadas de sentimentos que nunca tinham aparecido nas sessões de composição em grupo do One Direction, cujos resultados eram geralmente retrabalhados por artesãos do pop depois que Styles saía da sala.

Quanto mais vulnerável a música, ele aprendeu, melhor. “O assunto que pega mais fundo é o amor”, diz. “Seja platônico, romântico, amando, conquistando, perdendo... Sempre pega mais forte. Não acho que as pessoas queiram me escutar falando a respeito de ir a bares, e sobre como tudo é maravilhoso. O champanhe estourando... Quem quer escutar essas coisas? Não quero ouvir os meus artistas preferidos falarem sobre as coisas maravilhosas que eles fazem. Quero ouvir: ‘Como você se sentiu quando estava sozinho naquele quarto de hotel, sendo que foi escolha sua ficar sozinho?’”

Para relaxar na Jamaica, Styles e Rowland, o guitarrista, deram início a uma obsessão diária na Netflix por comédias românticas adocicadas. As pessoas que trabalhavam na casa às vezes saíam à noite e voltavam na manhã seguinte para ver Styles terminando, com os olhos vermelhos, de assistir a uma sequência de comédias românticas. Ele se declara especialista em Nicholas Sparks, que agora chama de “Nicky Spee”. Depois de quase dois meses, a banda deixou a ilha com um monte de músicas e histórias. Como por exemplo a vez que Styles acabou bêbado e molhado do mar, fazendo brindes com todo mundo, usando um vestido que tinha trocado com a namorada de alguém. “Eu não me lembro do brinde”, conta. “Mas me lembro da sensação.”

Natal de 2016. Harry Styles estava no carro, parado em frente à casa em que passou a infância, sentado ao lado do pai. Estavam escutando o álbum dele. Antes já tinha tocado as músicas para a mãe, na sala da casa dela, com alto-falantes vagabundos. Ela chorou quando escutou “Sign of the Times”. Então, era a vez de estar com o pai – que gostou mais da música “Carolina” –, fechando o círculo com os dois.

Styles fica comovido quando descreve como se sentiu. Estamos no escritório vazio de James Corden, conversando sobre alguns últimos assuntos antes de ele voltar para a Inglaterra. “Acho que na posição de pai e mãe, principalmente com o One Direction, para eles foi uma montanha-russa e tanto”, reflete. “Sinto como se estivessem sempre pensando: ‘Certo, a jornada pode parar a qualquer momento, e nós precisamos estar presentes quando isso acontecer’. Tocar o álbum e mostrar como eu estava feliz era como se eu dissesse: ‘Se a única coisa que eu conseguir for fazer música, estou contente. Se eu nunca mais voltar para aquele caminho cheio de emoções, fico feliz e orgulhoso dele’.”

“Eu sempre disse, bem no começo, que apenas queria ser o avô com as melhores histórias... e com a melhor coleção de artefatos e coisinhas e bobagens.”

Amanhã à noite ele espera pegar um avião para a Inglaterra. Tem ensaios pela frente. Escolhas para a capa do álbum precisam ser feitas. Ele pega seu caderno preto e se vira para mim por um momento, antes de sumir pelo corredor para entrar no futuro. Pergunta, em parte sério, em parte brincando: “Como é que eu vou ser misterioso, se fui tão sincero com você?”

Rapaz Diplomático

Styles não é afeito a redes sociais e evita embate com Zayn Malik

Harry Styles e seu telefone celular têm uma relação agridoce e madura: passam muito tempo afastados. Ele não pesquisa seu nome no Google e quase nunca checa o Twitter. Menciono alguns dos coquetéis Molotov verbais que Zayn Malik lançou ao One Direction em entrevistas recentes e que fizeram fervilhar as redes sociais. Eis aqui um deles: “[One D] não é a música que eu escutaria. Se eu saísse com uma garota para jantar, colocaria para tocar umas coisas bacanas, sabe? Eu quero fazer música que eu veja dessa forma. Acho que não é pedir muito”.

Styles se ajeita na cadeira. “Acho uma pena ele se sentir assim”, diz, buscando a via diplomática, “mas nunca desejo nada além de sorte a qualquer pessoa que faça o que ama. Se você não está gostando de uma coisa e precisa fazer algo diferente, deve fazê-lo. Fico feliz por ele estar fazendo o que gosta, e lhe desejo boa sorte”.

Prata da Casa

Cameron Crowe é uma lenda da Rolling Stone e do jornalismo musical

O jornalista Cameron Crowe é uma entidade da Rolling Stone EUA e do jornalismo norte-americano. Ele foi o mais jovem editor contribuinte da revista e fez algumas matérias lendárias da publicação, tendo escrito diversas vezes sobre Led Zeppelin, Yes e muitas outras bandas. Crowe também é diretor, produtor, escritor e roteirista, tendo estreado no cinema com Picardias Estudantis (1982), baseado no livro que escreveu após se passar por estudante colegial para fazer uma matéria para a RS. Ele ganhou o Oscar pelo roteiro do memorável Quase Famosos (2000), filme que também dirigiu e no qual conta sobre um adolescente que tem a chance de fazer uma matéria para a Rolling Stone – a história é parcialmente inspirada nele, que começou a trabalhar para a RS entre os 15 e 16 anos. Crowe fez também os longas Diga o Que Quiserem (1989), Jerry Maguire: A Grande Virada (1996), Vanilla Sky (2001) e o documentário Pearl Jam Twenty (2011).