CRÍTICA

‘A Natureza das Coisas Invisíveis’ trata com sensibilidade e leveza a percepção infantil sobre vida e morte

Primeiro longa de Rafaela Camelo acompanha duas meninas de dez anos que descobrem amizade e entendem vida e finitude durante verão transformador

Angelo Cordeiro (@angelocordeirosilva)

'A Natureza das Coisas Invisíveis' trata com sensibilidade e leveza a percepção infantil sobre vida e morte (Divulgação/Vitrine Filmes)

Eleito pela crítica o melhor filme brasileiro na 49ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo e ainda vencedor do Prêmio Prisma Queer no festival, A Natureza das Coisas Invisíveis é o primeiro longa da diretora e roteirista Rafaela Camelo, que estreia de forma promissora em uma narrativa nada fácil.

O filme acompanha Glória (Laura Brandão) e Sofia (Serena), duas meninas de dez anos que se conhecem durante as férias de verão em um hospital. Glória acompanha o trabalho da mãe enfermeira, enquanto Sofia visita a bisavó, internada com Alzheimer. Unidas pelo desejo de escapar do ambiente hospitalar, elas constroem uma amizade marcada por pequenas descobertas que transformam o cotidiano em momentos poéticos e memoráveis.

A narrativa se desenvolve em duas etapas distintas: os ambientes do hospital e um refúgio no interior de Goiás. No hospital, a monotonia e o ritmo peculiar do espaço de cuidados ajudam a revelar a sensibilidade das protagonistas diante da vida e da morte. Já o contato com a natureza na segunda etapa amplia a percepção das meninas sobre o mundo, funcionando como metáfora para suas próprias transformações. É nesse ritmo contemplativo que o filme encontra sua principal potência, permitindo que o espectador vivencie cada momento compartilhado entre Glória e Sofia.

Nesse sentido, A Natureza das Coisas Invisíveis remete a Cría Cuervos, de Carlos Saura, por apresentar a morte e o luto sob o ponto de vista infantil e ao utilizar sequências sutis de sonho e imaginação que misturam fantasia e realidade — com destaque para uma belíssima cena entre a bisavó e um porquinho. Aqui, no entanto, o peso do luto é mais leve, e a experiência da finitude é explorada com curiosidade e sensibilidade, sem as imposições da experiência adulta.

A morte se apresenta como parte da vida, e as meninas aprendem a lidar com ela de maneira natural, refletindo o processo de amadurecimento precoce que a infância, em certas circunstâncias, exige. Dessa forma, o filme se destaca pela forma delicada com que lida com seus temas contemporâneos, como identidade de gênero e rituais religiosos, que surgem de maneira orgânica, permitindo que o espectador compreenda a complexidade da vida sem perder a pureza do olhar infantil.

Em suma, A Natureza das Coisas Invisíveis consegue abordar com leveza temas densos, oferecendo ao espectador uma visão rara da vida e da morte pela perspectiva infantil. O filme mantém o foco nas meninas, que são o verdadeiro motor da narrativa, e a direção de Rafaela Camelo extrai performances naturais e comoventes de suas atrizes mirins. O resultado é uma experiência sensível, em que a percepção infantil se revela com a espontaneidade, a intensidade e a delicadeza que só a infância é capaz de oferecer.

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Angelo Cordeiro é repórter do núcleo de cinema da Editora Perfil, que inclui CineBuzz, Rolling Stone Brasil e Contigo. Formado em Jornalismo pela Universidade São Judas, escreve sobre filmes desde 2014. Paulistano do bairro de Interlagos e fanático por Fórmula 1. Pisciano, mas não acredita em astrologia. São-paulino, pai de pet e cinéfilo obcecado por listas e rankings.
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