ESPECIAL MOSTRA DE SÃO PAULO

49ª Mostra de Cinema de São Paulo: Confira a cobertura completa de Rolling Stone Brasil

A 49ª edição de um dos mais relevantes festivais de cinema do país aconteceu durante o mês de outubro; Rolling Stone Brasil assistiu a diversos filmes

Angelo Cordeiro (@angelocordeirosilva)

49ª Mostra de Cinema de São Paulo Acompanhe a cobertura de Rolling Stone Brasil (Divulgação/Universal Studios/Netflix/Vitrine Filmes)

A Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, um dos principais eventos de cinema do Brasil e da América Latina, já chegou ao fim. Em seu 49º ano, o evento permitiu a cinéfilos e entusiastas da sétima arte conferir centenas de produções inéditas, restaurações de clássicos, obras de diretores consagrados e novidades em sessões distribuídas por toda a capital paulista.

A seguir, a Rolling Stone Brasil lista destaques nacionais e internacionais na programação da Mostra de São Paulo 2025, incluindo Bugonia, novo longa de Yorgos Lanthimos (Pobres Criaturas) estrelado por Emma Stone (Tipos de Gentileza); Frankenstein, versão de Guillermo del Toro para o clássico de Mary Shelley; e O Agente Secreto, novo longa de Kleber Mendonça Filho (Bacurau) estrelado por Wagner Moura (Marighella), que irá representar o Brasil na corrida pelo Oscar 2026, com comentários de Angelo Cordeiro, repórter de cinema do site. Confira:

Bugonia

Sinopse:

Em Bugonia, dois jovens obcecados por teorias da conspiração sequestram a poderosa CEO de uma grande empresa (Emma Stone), convencidos de que ela é uma alienígena com a intenção de destruir o planeta Terra.

Breve comentário:

Bugonia quer ser uma crítica ao presente — às teorias conspiratórias, à masculinidade delirante e à paranoia digital —, mas acaba apenas zombando dessas figuras sem realmente compreendê-las. Jesse Plemons (Guerra Civil), excelente como o conspirador sequestrador que se imagina herói, oferece ótimos trejeitos ao seu personagem, mas o roteiro e a direção não conseguem tirar mais dessa caricatura. O que poderia ser um estudo da loucura contemporânea se transforma em desfile de tipos grotescos sem profundidade e gestos que apenas reforçam o próprio riso de superioridade do diretor. Leia a crítica completa clicando aqui.

Frankenstein

Sinopse:

Victor Frankenstein (Oscar Isaac), um cientista brilhante, porém egocêntrico, dá vida a uma criatura em um experimento monstruoso que acaba levando à ruína tanto do criador quanto de sua trágica criação. Frankenstein é uma releitura do romance clássico de Mary Shelley pelo diretor Guillermo del Toro.

Breve comentário:

Nesta nova adaptação do clássico de Mary Shelley, Guillermo del Toro dá à história um romantismo gótico inconfundível, um deleite visual e emocional que reflete o carinho e o fascínio que o diretor tem pela criatura. É um filme não apenas sobre monstros, mas feito por alguém que os ama profundamente. E essa devoção se manifesta sobretudo na atuação hipnotizante de Jacob Elordi (Euphoria), que dá vida — e uma comovente humanidade — à criatura. Sua interpretação é contida e dolorosa, feita de gestos quebrados e olhares aflitos, e que merecia maior sorte na temporada de premiações. Leia a crítica completa clicando aqui.

O Agente Secreto

Sinopse:

Em O Agente Secreto, Marcelo (Wagner Moura, Praia do Futuro) é um professor universitário, que foge para Recife para escapar de agentes governamentais que o procuram por atividades subversivas. No entanto, ao chegar na cidade, onde acredita que está seguro até conseguir fugir do país com o filho pequeno, ele descobre que está jurado de morte por um antigo desafeto.

Breve comentário:

Para quem acompanha o cinema de Kleber Mendonça Filho, não é exagero afirmar que O Agente Secreto chega como o seu filme mais ambicioso até agora. Laureado no Festival de Cannes de 2025, onde conquistou os prêmios de Melhor Direção, Melhor Ator para Wagner Moura, além do Prêmio FIPRESCI da crítica internacional e o Prix des Cinémas d’Art et Essai, concedido pela Associação Francesa de Cinemas de Arte e Ensaio, o longa é uma belíssima declaração de amor do diretor a Recife, sua cidade natal, a partir de uma recriação de época minuciosa que mistura memória, lendas urbanas e cultura popular. A cidade, mais do que cenário, torna-se protagonista: suas ruas, sons, blocos de carnaval, cinemas e edifícios históricos compõem um retrato vívido da cidade em 1977, refletindo tanto a vitalidade de sua população quanto as tensões políticas do período. Leia a crítica completa clicando aqui.

Palestina 36

Sinopse:

1936. Enquanto vilarejos por toda a Palestina se insurgem contra o domínio colonial britânico, Yusuf, que tenta construir sua vida para além dessa crescente agitação, se vê dividido entre sua casa na região rural e a inquietude de Jerusalém. Mas a história é implacável. Com o aumento do número de imigrantes judeus fugindo do antissemitismo na Europa e a população palestina se unindo na maior e mais longa revolta contra os 30 anos desse domínio colonial, tudo parece se encaminhar em direção a um conflito inevitável, em um momento decisivo para o Império Britânico e o futuro de toda a região.

Breve comentário:

Palestina 36 é notável por ser uma produção de porte maior dentro do cinema palestino recente — claramente pensada para o circuito internacional de festivais. Essa ambição se reflete em sua linguagem: o filme adota um tom didático, quase pedagógico, como se buscasse apresentar ao público estrangeiro as origens de um conflito que ainda hoje define a região. Essa clareza narrativa, longe de empobrecer a obra, confere a ela uma força particular. A diretora Annemarie Jacir conduz tudo com firmeza e elegância, transformando um relato histórico em um drama de grande precisão cênica. Dentro desse equilíbrio entre pedagogia e encenação, o filme encontra sua relevância — se falta ao longa o vigor formal que marcaria uma obra verdadeiramente singular, sobra convicção moral e clareza política.

A Garota Canhota (Left-Handed Girl)

Sinopse:

Uma mãe solo e suas duas filhas voltam a Taipei após anos vivendo no interior para trabalhar em um movimentado mercado noturno da cidade. Cada uma, à sua maneira, precisa se adaptar a esse novo ambiente para conseguir sobreviver e preservar a união da família. Três gerações de segredos familiares começam a ser revelados depois que a filha mais nova, canhota, ouve de seu avô, preso a costumes tradicionais, que ela nunca deve usar sua “mão do diabo”.

Breve comentário:

A Garota Canhota, escolha de Taiwan para representar o país no Oscar 2026, é um pequeno achado — uma obra delicada e atenta às pequenas vitórias e gestos invisíveis da vida comum. Dirigido por Shih-Ching Tsou, o filme equilibra com graça o realismo social e a doçura familiar ao retratar uma mãe e suas filhas enfrentando as pressões econômicas e emocionais da vida em uma Taiwan moderna, vibrante e cheia de contrastes. A relação entre elas, marcada por fragilidade e afeto, ganha leveza sempre que a menina canhota (a encantadora Nina Yeh) está em cena.

Mais do que um retrato da infância ou um coming of age tradicional, A Garota Canhota é um duplo amadurecimento — o da irmã mais velha, obrigada a assumir responsabilidades sem ser responsável, e o da garotinha que observa tudo, curiosa e intrometida. Filmado com a ternura e o olhar humanista típicos do cinema de Sean Baker (Anora) — autor do roteiro e responsável pela montagem —, o longa confirma o surgimento de uma cineasta de sensibilidade rara, em quem vale a pena ficar de olho.

Mirrors No. 3

Sinopse:

Durante um fim de semana no campo, Laura (Paula Beer), uma estudante de Berlim, sobrevive milagrosamente a um acidente de carro. Fisicamente ilesa, mas profundamente abalada, ela é acolhida por Betty (Barbara Auer), que testemunhou o acidente e cuida dela com carinho. Aos poucos, o marido (Matthias Brandt) e o filho (Enno Trebs) de Betty superam a relutância inicial, e uma tranquilidade quase familiar se instala. Mas, logo, eles não conseguem mais ignorar o passado e Laura precisa enfrentar a sua própria vida.

Breve comentário:

Quem conhece Christian Petzold já sabe o que pode esperar de Mirrors No. 3 — e, ainda assim, o filme consegue surpreender. O diretor, hoje um dos nomes mais celebrados pelos cinéfilos, continua a atrair espectadores movidos apenas por sua assinatura, não por sinopses. Desta vez, a curiosidade se intensifica com a presença de Paula Beer, sua grande musa, no centro da trama. Mirrors No. 3 é um Petzold menor, mas isso está longe de ser um demérito. Menor em estrutura, espaço e gesto — um filme que flui entre uma casa e uma borracharia, conectadas por uma estrada que se percorre de bicicleta. Nesse território reduzido, Petzold encontra amplitude emocional: uma história que se passa em poucos dias, mas que carrega a densidade de um luto silencioso.

Como sempre, Petzold filma o invisível. Substitui a dor pela ternura, o trauma pela rotina compartilhada, e o desamparo por esse gesto tão característico de seus filmes: o de preencher o vazio do outro como forma de cura. Há algo de Um Corpo que Cai nessa ideia de substituir uma filha por outra mulher, mas Petzold não persegue o mistério hitchcockiano — ele o absorve ao seu estilo, tornando-o humano. Com Beer, ele se sente à vontade para enquadrá-la: a atriz traduz os silêncios do diretor com gestos quase imperceptíveis, e juntos fazem do cotidiano algo comovente. O filme é atravessado por um suspense leve, quase etéreo — queremos saber para onde tudo caminha, até percebermos que o destino é simples, positivo e belo. Porque, com Petzold, as tragédias sempre ficam pra trás.

O Som da Queda (Sound of Falling)

Sinopse:

Quatro meninas, Alma, Erika, Angelika e Lenka, passam a juventude na mesma fazenda, no norte da Alemanha. À medida que a casa se transforma ao longo de um século, os ecos do passado permanecem ali, nas paredes. Embora separadas pelo tempo, suas vidas começam a refletir umas nas outras.

Breve comentário:

Candidato da Alemanha ao Oscar 2026, O Som da Queda é uma experiência que exige do espectador. Com suas 2h30 de duração, o longa de estreia da diretora Mascha Schilinski possui uma atmosfera sombria e uma câmera que parece capturar presenças invisíveis no espaço. A primeira parte, centrada em uma menina diante da descoberta da morte, sugere um terror existencial — e talvez seja mesmo, ainda que disfarçado de drama histórico. Quando o tempo avança e o foco se desloca entre gerações de mulheres marcadas pelos mesmos traumas, o longa amplia sua ambição, mas também se torna refém dela. A densidade inicial dá lugar a uma repetição que dilui o impacto do tema, transformando o que poderia ser uma experiência hipnótica e perturbadora em um exercício de paciência.

Ainda assim, há algo de poderoso na forma como Schilinski estrutura sua narrativa em torno de um único espaço — uma fazenda que atravessa cem anos e testemunha o ciclo de vida, morte e memória. O filme, de som poderoso, com sua fotografia em sépia que emula o passado e quadros meticulosamente compostos, parece preso a uma moldura que o aprisiona tanto quanto suas personagens. É uma obra sobre a misoginia em cima dessas gerações de mulheres, o peso do passado e a tentativa frustrada de escapar dele. Ao fim, O Som da Queda é menos um filme para se compreender e mais para se suportar.

Cyclone

Sinopse:

São Paulo, 1919. Desafiando todas as regras, uma jovem operária e dramaturga conquista uma cobiçada bolsa para estudar teatro em Paris, mas logo descobre que o maior obstáculo para realizar seu sonho é ter nascido em um mundo onde as mulheres nem sequer são donas do próprio corpo.

Breve comentário:

Em Cyclone, a diretora Flavia Castro coloca a protagonista no centro desse gesto político de retratar uma mulher que ousa reivindicar sua própria identidade numa época em que as mulheres ainda precisavam de autorização do pai ou do marido para viajar. Leia a crítica completa clicando aqui.

Nouvelle Vague

Sinopse:

Nouvelle Vague pretende reconstruir a história do movimento de cinema francês a partir da produção de Acossado, filme de 1959 do renomado diretor Jean- Luc Godard.

Breve comentário:

Há algo de irresistível na ideia de um cineasta norte-americano recriar o set de Acossado. O risco da reverência vazia era grande, mas Linklater escapa dele com facilidade. Em vez de um exercício autoconsciente, o cineasta faz um filme leve, espirituoso e caloroso, sobre o prazer  — e a loucura — de filmar e de pertencer a uma comunidade que acredita nas imagens. Leia a crítica completa clicando aqui.

A História do Som

Sinopse:

Em 1917, Lionel (Paul Mescal) — um jovem e talentoso estudante de música — conhece David (Josh O’Connor) no Conservatório de Boston, onde eles se aproximam pelo profundo amor que compartilham pela música folk popular. Anos depois, Lionel recebe uma carta de David, que os leva a uma viagem improvisada pelo interior do Maine para coletar canções folk tradicionais. Este encontro inesperado, o caso de amor que nasce dele e a música que coletam e preservam vão influenciar o curso da vida de Lionel muito além de sua própria consciência.

Breve comentário:

Mas o que poderia ser uma grande história sobre o poder do som e do silêncio acaba soando excessivamente controlado. O filme tem beleza, melancolia e um cuidado formal evidente, mas falta-lhe intensidade. Paul Mescal e Josh O’Connor entregam performances delicadas, quase coreografadas, mas o diretor parece sempre filmá-los com uma frieza exagerada, fazendo com que seus enquadramentos nos poupem da intensidade que os dois poderiam alcançar juntos. Esse sentimento parece enclausurado, sufocado por uma mise-en-scène que evita qualquer gesto de desejo ou conflito mais carnal, tratando a relação homoafetiva com um conservadorismo excessivo. Leia a crítica completa clicando aqui.

A Sombra do Meu Pai

Sinopse:

A Sombra do Meu Pai é um conto semi autobiográfico do diretor Akinola Davies Jr ambientado em um único dia na metrópole nigeriana de Lagos, durante a crise eleitoral de 1993. A história acompanha um pai, afastado dos dois filhos pequenos, durante uma jornada por essa enorme cidade enquanto a agitação política ameaça sua volta para casa.

Breve comentário:

Logo nos primeiros minutos, A Sombra do Meu Pai flerta com o horror. A ventania forte que balança as árvores, o som amplificado da natureza, a câmera que persegue uma presença invisível — tudo sugere uma assombração prestes a se revelar. “Nos meus sonhos eu vou te encontrar”, diz um dos irmãos, e essa promessa onírica logo ganha forma: a figura do pai, quase mítica, paira sobre os filhos como uma sombra constante — distante, mas determinante. Akinola Davies Jr., nesta obra semi autobiográfica, filma o pai (Ṣọpẹ́ Dìrísù, O Que Ficou Para Trás) como alguém que está prestes a desaparecer ou que já se foi e insiste em permanecer na memória dos filhos graças à magia do cinema.

Mas o filme não se limita a esse drama intimista sobre paternidade com ecos de terror — ainda que essencialmente o seja. Davies Jr. também faz dessa jornada uma experiência multifacetada: há o horror do colapso político da Nigéria de 1993, há o road movie pelas ruas caóticas de Lagos, há o coming of age de dois irmãos que, pela primeira vez, acompanham o pai para longe da vila onde moram e, junto dele, conhecem o peso e os perigos do mundo adulto além da própria figura paterna. A Sombra do Meu Pai é sobre um país à beira de perder a democracia e sobre o esforço de um homem comum para proteger os filhos desse abismo. É uma obra de memória e luto, mas também de ternura, que o próprio diretor apresentou na Mostra de São Paulo como “muito pessoal para mim e minha família“: um retrato assombrado e profundamente humano daquilo que permanece e o cinema permite que seja contado.

De Volta Para Casa

Sinopse:

Em De Volta Para Casa, Anong retorna ao Laos, acompanhado por Tsai Ming-liang (Adeus, Dragon-Inn). Rebanhos vagueiam, o vento balança as árvores, e as luzes oscilam na superfície da água. Nesta terra de ninguém, as casas abandonadas permanecem silenciosas — mas cada uma parece ter um rosto diferente, contando silenciosamente sua própria história. Uma filmadora. Uma câmera. E um filme foi feito.

Breve comentário:

O cinema de Tsai Ming-liang é silencioso, lento, contemplativo e rodado em doses homeopáticas. Em De Volta para Casa, essa linguagem chega ao limite do hermetismo: planos longos e estáticos mostram casas em ruínas, animais, campos de arroz, estátuas, ruídos de um vilarejo no Laos e pouquíssimos seres humanos, mas quase nada se revela além disso. A repetição de imagens parece mais uma coleção de anotações visuais do que um filme com intenção e conceito — deve ter, é claro —, um exercício de olhar que se contenta em observar sem tensionar o que é observado pelo espectador mais paciente. Falta, no entanto, o encantamento poético que marca os melhores trabalhos do diretor — aqui, a contemplação se transforma em tédio, e o retorno à terra natal, que poderia ser um gesto de reconexão, soa apenas como um registro disperso, sem a densidade emocional que o diretor já foi capaz de alcançar.

Morte e Vida Madalena

Sinopse:

Morte e Vida Madalena conta a história de Madalena (Noá Bonoba), uma produtora de cinema tendo que lidar com a morte recente do pai, sua gravidez de 8 meses e a produção de uma ficção científica B onde tudo parece dar errado.

Breve comentário:

Guto Parente (Estranho Caminho) encontra comédia e humanidade em cada percalço: na equipe desorganizada, no abandono do diretor, nos problemas que se acumulam no set. Esse bom humor é o que sustenta o filme — um riso que brota da tensão e da persistência, celebrando o fazer cinema independente a partir de uma luta após a outra: conseguir financiamento, improvisar uma arma para uma cena, lidar com uma greve inesperada ou com os caprichos de uma equipe exausta e desmotivada. Tudo parece prestes a desabar, mas é justamente dessa precariedade que Morte e Vida Madalena extrai sua vitalidade — como na sequência em animação em que Madalena confessa o que a levou a fazer cinema. Parente transforma o caos e o sonho em energia, e a repetição do fracasso em resistência, uma forma de reafirmar que o cinema continua possível, mesmo quando tudo conspira contra ele. Leia a crítica completa clicando aqui.

Amiga Silenciosa

Sinopse:

No coração de um jardim botânico em uma cidade universitária medieval da Alemanha ergue-se um majestoso gingko. Testemunha silenciosa, acompanhou por mais de um século os discretos ritmos de transformação de três vidas humanas. Em 2020, um neurocientista de Hong Kong, dedicado a estudar a mente dos bebês, inicia um experimento inesperado com a antiga árvore. Em 1972, uma jovem estudante é profundamente marcada pelo simples gesto de observar um gerânio e se conectar a ele. Em 1908, a primeira aluna mulher da universidade descobre, pelas lentes de uma câmera fotográfica, padrões sagrados do universo escondido nas plantas mais simples.  Em Amiga Silenciosa, acompanhamos suas tentativas desajeitadas de estabelecer laços — cada um enraizado em seu próprio tempo — enquanto são transformados pela força discreta, duradoura e misteriosa da natureza. O velho gingko nos aproxima do que significa ser humano, e de nossa busca por pertencimento.

Breve comentário:

A diretora húngara Ildikó Enyedi (Corpo e Alma) transforma um majestoso gingko em testemunha da passagem do tempo e da fragilidade humana. O filme se estrutura como uma meditação sobre a interconexão entre pessoas e natureza, costurando três histórias em épocas distintas — de 1908 a 2020 — para refletir sobre como buscamos sentido e pertencimento diante do que é duradouro. A fotografia chama a atenção, especialmente nas variações de textura e formato que distinguem cada período, e há uma delicadeza poética em como Enyedi filma o “invisível”: a vida silenciosa das plantas.

Ainda assim, a beleza formal não compensa a sensação de frieza que permeia o filme. Ao tentar explicar suas ideias espirituais por meio da linguagem científica, Amiga Silenciosa acaba se perdendo entre a beleza da poesia e a ciência inexplicada. Mesmo com a presença da dupla Tony Leung (Amor à Flor da Pele) e Léa Seydoux (Azul é a Cor Mais Quente), a narrativa se dispersa, fragmentada entre linhas temporais que nem sempre se sustentam ou se resolvem. É uma obra que encanta pelo visual, mas que emociona menos do que promete — uma contemplação bela, mas distante, sobre o elo entre o humano e o vegetal.

Como Fotografar Um Fantasma

Sinopse:

Em Como Fotografar Um Fantasma, dois jovens recém-falecidos se encontram nas ruas de Atenas, na Grécia. Lá, eles deambulam em meio à pulsação da cidade e aos fantasmas da história. Ele (Josef Akiki) é tradutor, ela (Jessie Buckley) é fotógrafa — ambos se sentiam excluídos quando eram vivos; na morte, enfrentam os resquícios de seus anseios e erros. Eles percorrem a cidade juntos, encontrando conforto na estranha beleza da existência e no que persiste depois dela.

Breve comentário:

O curta de Charlie Kaufman faz jus à assinatura do roteirista de Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças: uma reflexão melancólica sobre o amor, a memória e a impossibilidade de escapar de si mesmo — mesmo após a morte. Ambientado nas ruas de Atenas, o filme segue dois jovens fantasmas que vagam entre ruínas históricas e suas lembranças pessoais, em busca de sentido no que restou de suas vidas. Há ecos de Hiroshima, Meu Amor, guardadas as devidas proporções, especialmente na forma como Kaufman entrelaça o íntimo e o coletivo, o passado e o presente, entre esses dois seres que se encontram. Ainda assim, o diretor está mais contido do que de costume, e o tempo não parece ser o maior problema; Kaufman aposta menos na experimentação e mais na narração e na presença cênica de seus protagonistas. O resultado é um filme que parece existir entre o sonho, o luto e a ressaca de estar vivo. Daria um longa-metragem? Talvez.

Sirāt

Sinopse:

Em Sirāt, pai e filho chegam a uma rave nas montanhas do sul do Marrocos. Ambos estão em busca de Mar — filha e irmã —, que desapareceu meses antes em uma dessas festas intermináveis. Cercados por música eletrônica e por uma sensação crua e desconhecida de liberdade, eles distribuem a foto da jovem repetidas vezes. A esperança vai se apagando, mas os dois persistem e seguem um grupo de frequentadores rumo a uma última festa no deserto. Conforme avançam por esse cenário escaldante, a jornada os obriga a confrontar seus próprios limites.

Breve comentário:

Oliver Laxe opta pelo estridente: cada plano e efeito sonoro são tentativas de castigar o espectador. Há quem veja nisso uma tentativa de se alinhar a uma linhagem ilustre do desconforto cinematográfico, de Michael Haneke (A Professora de Piano) a Michel Franco (Depois de Lúcia), passando ainda por Gaspar Noé (Irreversível) e Yorgos Lanthimos (Dente Canino), mas enquanto esses diretores constroem suas violências dentro de uma estrutura dramatúrgica coerente, Laxe parece apenas colecionar choques. O resultado é uma obra que confunde brutalidade com profundidade. Tudo soa calculado para perturbar — a mise-en-scène árida, o som ensurdecedor, a brutalidade gratuita —, mas o incômodo nunca se traduz em reflexão. O deserto de Sirāt é literal e simbólico: uma paisagem vazia onde nada floresce, nem mesmo uma ideia. Leia a crítica completa clicando aqui.

No Other Choice

Sinopse:

Man-su (Lee Byung-hun, Round 6) vive dias felizes, até ser surpreendido pela notícia de que foi demitido. O choque é devastador, mas, ainda assim, Man-su promete a si mesmo que encontrará um novo emprego em três meses pelo bem da família. Porém, a realidade se revela bem mais complicada. Apesar da determinação, ele passa mais de um ano pulando de entrevista em entrevista e se sustentando com um trabalho no comércio. Em pouco tempo, começa a correr o risco de perder a casa pela qual tanto lutou. No desespero, aparece de surpresa na Moon Paper para entregar seu currículo, mas acaba humilhado pelo gerente de linha Sun-chul. Convencido de que é mais qualificado do que qualquer candidato para trabalhar na empresa, Man-su toma uma decisão drástica: “Se não existe uma vaga para mim, vou ter que criá-la”. No Other Choice, de Park Chan-wook (A Criada), é o candidato da Coreia do Sul ao Oscar 2026 e uma adaptação do livro “O Corte”, de Donald E. Westlake.

Breve comentário:

Com humor afiado, No Other Choice mostra até onde esse homem está disposto a ir para manter sua posição confortável na sociedade e conseguir a vaga de emprego que tanto almeja: matar seus principais concorrentes pela vaga — isso pode ser visto como um spoiler, mas o importante é a forma com que Park desenvolve tudo. As cenas de assassinato, exageradas e desastradas, remetem ao melhor do cinema sul-coreano — e também a Fargo — nessa comédia de erros que equilibra absurdo e tragédia. Cada tropeço, golpe ou embate físico reforça a sensação de caos, transformando o desespero em momentos tragicômicos e divertidos — destaque para uma sequência em que três personagens disputam uma arma enquanto a música está super alta. Leia a crítica completa clicando aqui.

The President’s Cake

Sinopse:

A história de The President’s Cake se passa no Iraque dos anos 1990, em meio à guerra e à falta de comida, quando o presidente determina que todas as escolas do país façam um bolo em homenagem ao seu aniversário. Lamia (Banin Ahmad Nayef), de apenas 9 anos, tenta escapar da tarefa, mas acaba sendo escolhida entre os colegas. A menina, então, precisa recorrer à sua criatividade para conseguir os ingredientes e cumprir a missão de preparar o bolo imposto pelas autoridades.

Breve comentário:

Quem for assistir a The President’s Cake pode facilmente imaginar que a história se passa no Irã: o filme remete a diversas obras do cinema iraniano que mostram — a partir do olhar de uma criança que tenta cumprir uma tarefa ingrata — um país empobrecido, em crise e dominado por um governo ditatorial. Lamia (Banin Ahmad Nayef), com sua inocência e seu galo à tiracolo, enfrenta essa missão árdua demais que funciona como uma metáfora para a escassez de um país assolado por sanções internacionais, além de ser um verdadeiro tour de force diante de uma realidade dura e implacável.

Para um filme de estreia, The President’s Cake tem seus méritos, mas também mostra limites, permanecendo dentro de uma fórmula já conhecida do gênero. Ainda assim, a recriação do Iraque dos anos 1990 sob o regime de Saddam Hussein é convincente, e a observação da protagonista é tocante — sem sentimentalismo, mas com ternura. No fim, não é uma revolução enquanto cinema, mas há algo poético e honesto aqui: doce na superfície e amargo em seu subtexto.

8 Bi

8 Billions Selves (filme em realidade virtual)

Sinopse:

Existem 8 bilhões de pessoas vivendo na Terra hoje. 8 Billion Selves faz um percurso panorâmico por este planeta. Na pele de um visitante observador, viajamos pelo mundo onde 8 bilhões de pessoas nascem, trabalham, travam guerras, amam, dançam, criam arte e morrem.

Breve comentário:

Assistir a 8 Billion Selves em realidade virtual é uma experiência única — desconfortável, hipnótica e, em alguns momentos, mentalmente vertiginosa. A sensação é de atravessar um delírio coletivo em forma de “safari humano”, onde criaturas bizarras e corpos em movimento compõem uma crítica surreal da sociedade contemporânea. É estranho, incômodo e, ao mesmo tempo, fascinante — é difícil saber para onde olhar diante de tantos estímulos visuais e sonoros: olhe para cima, para baixo ou para os lados e você sempre vai encontrar algo desconcertante e amedrontador. Uma viagem audiovisual que vale a imersão, embora não seja recomendada para pessoas sensíveis.

The Elephant I Found Under My Skin (filme em realidade virtual)

Sinopse:

Em The Elephant I Found Under My Skin, quando Gali vai fazer sua primeira ultrassonografia de mama, ela se sente desconfortável. Ela se desconecta de seu seio, na esperança de escapar do exame. Para sua surpresa, ela e suas mamas são arrastadas para um mundo de fantasia.

Breve comentário:

Aqui, a realidade virtual assume um tom mais doce e introspectivo. A jornada de Gali, que enfrenta o medo do exame de mama e mergulha num mundo fantástico feito de seios, é menos sobre choque e mais sobre reconciliação. É uma experiência colorida, sensível e quase lúdica — um coming of age emocional sobre corpo e aceitação. Depois da intensidade de 8 Billion Selves, assistir a este foi um verdadeiro respiro: leve, bonito e, no fim das contas, surpreendentemente acolhedor.

Aurora 15

Sinopse:

Em Aurora 15, um jovem casal (Humberto Carrão e Carolina Dieckmmann) se muda para a casa dos sonhos. O lugar perfeito para formar uma família. Quando estão prestes a assinar o contrato com a corretora (Marjorie Estiano), um senhor (João Bourbonnais) e sua neta (Olivia Torres) adolescente invadem o espaço. Alegando estarem sendo perseguidos por dois homens armados com a intenção de matar a menina. Os dois homens também chegam (Juliano Cazarré e Milhem Cortaz) e argumentam que precisam desesperadamente capturá-la antes que anoiteça. Mas a noite logo chega e a menina já não possui mais a forma humana.

Breve comentário:

Aurora 15 é um terror modesto, direto e honesto — daqueles que não se preocupam em explicar demais, apenas em jogar o espectador dentro do caos. José Eduardo Belmonte (Uma Família Feliz) não parece totalmente à vontade com o terror, e isso se reflete em algumas escolhas meio incertas. Marjorie Estiano rouba a cena com uma presença bem-humorada que traduz bem o que qualquer coisa desesperada faria na mesma situação, trazendo vida a um enredo que, às vezes, patina em clichês. Ainda assim, o filme mantém o suspense até o fim — você nunca sabe quem será a próxima vítima. É eficiente dentro das próprias limitações e do que se propõe: entrega sustos honestos, um elenco comprometido e um clima de desordem que, de certo modo, funciona. Nada memorável, mas funcional — e, convenhamos, tem coisa pior sendo lançada por aí nos streamings e até nos cinemas.

Blue Moon

Sinopse:

Blue Moon se passa na noite de 31 de março de 1943, quando o lendário letrista Lorenz Hart (Ethan Hawke), convivendo com uma crise pessoal e criativa, se encontra no bar Sardi’s, enquanto seu antigo parceiro Richard Rodgers (Andrew Scott) comemora a estreia triunfal de seu revolucionário musical “Oklahoma!”.

Breve comentário:

Hawke, colaborador de longa data de Linklater, oferece aqui uma das atuações mais devastadoras de sua carreira. Ele conduz o filme com um desempenho simultaneamente exuberante e contido. No início, Hart parece expansivo, espirituoso, ainda dono de certo brilho; mas, aos poucos, o filme lhe retira as máscaras, revelando a exaustão e a tristeza que o corroem. Leia a crítica completa clicando aqui.

Jovens Mães

Sinopse:

Jovens Mães acompanha Jessica, Perla, Julie, Ariane e Naïma, cinco adolescentes que esperam uma vida melhor para si e para seus bebês, e que estão vivendo em um abrigo para jovens mães.

Breve comentário:

A câmera dos Dardenne permanece próxima, inquieta, respirando junto das personagens. É um cinema que prefere as pequenas expressões às grandes lições morais e redenções. O abrigo onde vivem funciona como um raro espaço de respiro, sustentado por políticas públicas que contrastam com realidades de países ainda travados em debates sobre aborto e autonomia feminina. Dentro desse microcosmo, a ternura parece ter encontrado seu último refúgio. O abrigo torna-se, ao mesmo tempo, casa e escola — o lar que muitas nunca tiveram. Cada atitude e movimento dessas jovens é uma tentativa de romper um ciclo de ausências. O olhar dos diretores é compreensivo, sem julgamentos, reconhecendo a humanidade de escolhas que surgem de uma realidade para a qual elas não estavam preparadas. Leia a crítica completa clicando aqui.

Duas Vezes João Liberada

Sinopse:

Duas Vezes João Liberada é a história de João, uma atriz lisboeta, estrela um filme biográfico sobre Liberada, uma figura de gênero não-conforme perseguida pela Inquisição Portuguesa no século 18. A produção do filme se torna um campo de batalha, com João em conflito com o diretor sobre como o legado de Liberada deve ser retratado. Essas tensões se aprofundam ao mesmo tempo em que os sonhos de João são cada vez mais assombrados pelo fantasma de Liberada, confundindo os limites entre passado e presente. Quando o diretor sucumbe a uma paralisia misteriosa, deixando o filme inacabado, João se vê obrigada a navegar pelo caos desencadeado pela situação. Ela enfrenta perguntas sem resposta, não apenas sobre o futuro do filme, mas também sobre sua própria conexão com o espírito e a história de Liberada.

Breve comentário:

Duas Vezes João Liberada é um filme de camadas densas e complexas, no qual a cineasta Paula Tomás Marques mergulha na interseção entre história, política e representação artística. A narrativa acompanha João, atriz lisboeta, durante a filmagem de um longa sobre Liberada, figura de identidade dissidente perseguida pela Inquisição portuguesa, enquanto sonhos e visões da própria Liberada começam a invadir sua realidade, borrando a linha entre passado e presente. Conflitos com o diretor da produção revelam dilemas éticos e conceituais sobre fidelidade histórica e a representação da comunidade LGBTQIA+, transformando o set em um campo de batalha criativo e simbólico. June João se destaca como presença central e política na tela, articulando suas objeções, escolhas poéticas e preocupações éticas, questionando a forma como sua personagem é retratada e reivindicando autonomia sobre a narrativa.

O filme se afasta de soluções narrativas tradicionais, explorando experimentações estéticas e refletindo sobre os paradoxos entre criação artística e experiência humana da própria protagonista e sua retratada. Mais do que reconstruir o passado, Duas Vezes João Liberada busca transcender o tempo e confrontar preconceitos ainda persistentes, oferecendo um estudo meticuloso sobre identidade, memória e a responsabilidade de dar voz a vidas invisibilizadas. Ao final, Marques permite que as duas João — a atriz e sua inspiração histórica — assumam o controle de suas histórias, num gesto simbólico de reparação histórica e autorrepresentação, equilibrando sensibilidade, crítica e inventividade narrativa.

Foi Apenas Um Acidente

Sinopse:

Em Foi Apenas Um Acidente, novo filme do diretor Jafar Panahi, vencedor da Palma de Ouro no Festival de Cannes em 2025, o que começa como um pequeno acidente desencadeia uma série de crescentes consequências.

Breve comentário:

Em vez de respostas, Panahi oferece zonas cinzentas. Seu filme não investiga apenas um crime ou um evento isolado, mas o eco prolongado da violência e a dificuldade de seguir adiante quando o passado insiste em permanecer. Vahid vai atrás de outras pessoas que possam confirmar a identidade do torturador, mas a incerteza parece cada vez mais certa e a vingança vai perdendo sentido. Leia a crítica completa clicando aqui.

O Filho de Mil Homens

Sinopse:

O Filho de Mil Homens, primeira adaptação do livro do escritor Valter Hugo Mãe, acompanha Crisóstomo (Rodrigo Santoro), pescador solitário que tem o sonho de ter um filho. Sua vida muda quando ele encontra Camilo (Miguel Martines), um menino órfão que decide acolher. Em uma tentativa de fugir de sua própria dor, Isaura (Rebeca Jamir) cruza o caminho dos dois, e, em seguida, Antonino (Johnny Massaro), um jovem incompreendido, também se conecta com eles. Juntos, os quatro aprendem o significado de família e o propósito de compartilhar a vida.

Breve comentário:

O filme pulsa com ternura na maneira como retrata esses homens e mulheres solitários, que buscam amor e pertencimento em um espaço que, paradoxalmente, tende mais a isolar do que acolher. A premissa da família que se escolhe revela que é possível superar aquela na qual se nasce. No entanto, se em certos trechos a poesia sustenta a narrativa com força suficiente, em outros, seria necessário um aprofundamento maior nas relações e nos conflitos internos dos personagens para que o drama atingisse sua plenitude — o que é de se esperar de uma adaptação em uma obra tão profunda. Leia a crítica completa clicando aqui.

Papagaios

Sinopse:

Papagaios conta a história de Tunico (Gero Camilo), o mais famoso “Papagaio de Pirata” do Rio de Janeiro que está sempre perseguindo repórteres para aparecer na TV. Após um grave acidente, ele conhece Beto (Ruan Aguiar), um jovem misterioso que se torna seu aprendiz. Este encontro revelará a face oculta da busca pela fama a qualquer custo, em um Brasil com mais de 70 milhões de televisores ligados todos os dias.

Breve comentário:

E você, pelo que vai ser lembrado? Essa é a pergunta que move Papagaios, de Douglas Soares — um filme estranho, no bom sentido, e profundamente atmosférico. A trama acompanha Tunico (Gero Camilo), um “papagaio de pirata” profissional que vive para aparecer na televisão, e seu improvável aprendiz, Beto (Ruan Aguiar), jovem misterioso que parece enxergar na fama uma forma de redenção ou desaparecimento. O que começa como uma sátira da obsessão por visibilidade vai se transformando, aos poucos, em algo mais inquietante e até sombrio. Soares constrói um suspense que prende não por reviravoltas, mas pela dúvida constante: Para onde essa história está rumando? Papagaios não é um filme de grandes rompantes, mas de atmosfera. Tudo nele é envolto em uma névoa ameaçadora que nunca se dissipa. A câmera observa aqueles personagens mais do que explica suas ações e motivações, e o mistério cresce a cada gesto e atitude. Em suma, este é um filme encantado com sua própria estranheza e nesse retrato da solidão e do vazio que se escondem atrás das câmeras.

Pai Mãe Irmã Irmão

Sinopse:

Pai Mãe Irmã Irmão é um longa-metragem, ainda que seja cuidadosamente construído na forma de um tríptico. As três histórias tratam das relações entre filhos adultos, seus pais, um tanto distantes, e também entre si. Cada um dos três capítulos se passa no presente e em um país diferente. “Pai” se passa no nordeste dos EUA, “Mãe” em Dublin, na Irlanda, e “Irmã Irmão” em Paris, na França. O filme é uma série de estudos de personagens: tranquilo, observacional e sem julgamentos — uma comédia, mas entrelaçada por tons de melancolia.

Breve comentário:

Será que Pai Mãe Irmã Irmão teria os mesmos holofotes se não tivesse vencido o Leão de Ouro no Festival de Veneza? Difícil dizer. O que parece certo é que o filme será sempre visto à luz dessa láurea — e, na minha opinião, não faz jus a ela. De forma discreta e sem grandes vaidades, Jim Jarmusch constrói um cinema de pequenas observações, explorando as tensões das relações familiares adultas sem recorrer a conflitos intensos ou catarse dramática.

O longa se divide em três capítulos — Pai, Mãe e Irmã Irmão — que compartilham o mesmo tema — relações de irmãos distantes com seus pais ainda mais distantes —, algumas frases — “cu do Judas” — e até mesmo situações, como a discussão sobre a sorte ou o azar de brindar com água, café ou chá. As histórias se diferenciam em tom e localização, com atenção a detalhes que tornam cada encontro familiar desconfortável e/ou cômico. Apesar de contar com nomes como Adam Driver (Patterson), Charlotte Rampling (45 Anos), Vicky Krieps (Trama Fantasma), Tom Waits (Down by Law) e Cate Blanchett (Tár), ninguém se destaca de forma extraordinária.

O filme se apoia mais na delicadeza e no humor sutil do que em grandes emoções ou performances. No fim, falta risco, urgência ou algo mais profundo, fazendo com que Pai Mãe Irmã Irmão seja uma experiência bastante morna. Jarmusch transforma o cotidiano em poesia melancólica, sem intenção de chocar ou emocionar; como ele mesmo classificou: um anti-filme de ação, um exercício de sutileza que, sem o peso do prêmio em Veneza, talvez passasse despercebido.

Jay Kelly

Sinopse:

Em Jay Kelly, o famoso ator de cinema Jay Kelly (George Clooney) embarca em uma jornada de autodescoberta, encarando seu passado e seu presente. Ao lado de seu dedicado empresário Ron (Adam Sandler), eles percorrem a delicada linha entre os arrependimentos da vida e suas notáveis conquistas.

Breve comentário:

O novo filme de Noah Baumbach (História de um Casamento) tenta ser uma reflexão sobre o preço da fama e o esvaziamento do estrelato, mas acaba refém da própria superficialidade que pretende denunciar. George Clooney interpreta um astro em crise existencial que viaja à Toscana para receber uma homenagem e se aproximar da filha e, no processo, revisita os destroços da própria vida e o vazio de uma glória passada. Há lampejos do Baumbach em seus melhores momentos, especialmente no contraste entre humor e melancolia — que Adam Sandler ajuda a impulsionar —, mas tudo é disfarçado por um verniz de sofisticação que mascara a falta de originalidade.

Jay Kelly parece desconjuntado nessa tentativa de equilibrar reflexão e tributo, sem jamais deixar claro se se trata de um comentário sobre o preço da fama ou de uma homenagem afetada à trajetória de Clooney. Ao usar cenas de filmes do ator como reverência, Baumbach embaralha a fronteira entre personagem e persona — e o que poderia ser metalinguístico se torna confuso e indulgente. Tudo o que o filme tem de promissor se perde nessa ambição de parecer importante. Não chega a ser um desastre, mas é a confirmação de que o diretor e roteirista entrou numa fase confortável demais, até insossa, bem distante do olhar espirituoso que o consagrou em trabalhos mais antigos.

Galinha

Sinopse:

“Com grandes poderes vêm grandes responsabilidades”. Mas e se a heroína for apenas uma galinha? Na história de Galinha, fugindo de uma granja, a ave encontra refúgio no pátio de um restaurante em ruínas. Ali, descobre o amor, enfrenta a hierarquia do galinheiro e luta para proteger seus ovos do ganancioso dono do lugar. Sua busca cômica, mas comovente, pela maternidade reflete os compromissos confusos e as lutas silenciosas da vida humana.

Breve comentário:

Conta-se que Steven Spielberg ficou curioso para saber como Fernando Meirelles filmou a famosa cena da galinha em Cidade de Deus — imagine, então, o espanto do diretor de Tubarão diante de um longa inteiro conduzido por uma ave. Em Galinha, o húngaro György Pálfi constrói uma aventura que alterna entre o genial e o previsível: quando se mantém próxima da protagonista, a câmera revela um mundo de tensões, fugas e descobertas com humor e sensibilidade inesperados; quando os humanos tomam o centro da ação, o filme perde parte de sua originalidade. Ainda assim, diante desse olhar bem humorado para a jornada do herói — no caso, da heroína —, Galinha diverte e encanta com uma proposta que seria ainda melhor se não tivesse pretensão de ir além da protagonista.

A Natureza das Coisas Invisíveis

Sinopse:

A Natureza das Coisas Invisíveis traz Glória (Laura Brandão), de 10 anos, que passa as férias no hospital onde sua mãe trabalha como enfermeira. Lá ela conhece Sofia (Serena), uma menina que está convencida de que a piora na saúde da bisavó é causada pela internação no hospital. Unidas pelo desejo de sair dali, as crianças encontram conforto na companhia uma da outra. Quando a partida se torna inevitável, as meninas e suas mães seguem para um refúgio no interior de Goiás para passar os últimos dias de um verão inesquecível.

Breve comentário:

A morte se apresenta como parte da vida, e as meninas aprendem a lidar com ela de maneira natural, refletindo o processo de amadurecimento precoce que a infância, em certas circunstâncias, exige. Dessa forma, o filme se destaca pela forma delicada com que lida com seus temas contemporâneos, como identidade de gênero e rituais religiosos, que surgem de maneira orgânica, permitindo que o espectador compreenda a complexidade da vida sem perder a pureza do olhar infantil. Leia a crítica completa clicando aqui.

Virtuosas

Sinopse:

Virtuosas mostra um retiro VIP para mulheres em busca de sua melhor versão que se transforma em uma jornada absurda e perigosa.

Breve comentário:

É natural que filmes que abordam e satirizam a ascensão do evangelismo no Brasil, como Medusa, Divino Amor, Raquel 1:1, entre outros, venham ganhando cada vez mais espaço no cinema recente — reflexo de um país em que religião e política se confundem com crescente intensidade. Mas chega um momento em que apenas a caricatura já não basta, e é preciso tratar o tema com a seriedade e o incômodo que ele exige. Em 2025, Petra Costa fez isso em Apocalipse nos Trópicos, seu documentário mais direto sobre fé e poder.

Agora, Cíntia Domit Bittar segue por caminho paralelo, mas dentro do cinema de gênero: Virtuosas transforma o moralismo religioso em matéria de horror psicológico, examinando a devoção feminina sob o prisma do medo e da manipulação. O mérito de seu filme está em detectar a sedução das ideias ultraconservadoras e retratá-lo com um assombro que faz jus à sua sofisticação ideológica.

Virtuosas observa o universo dessas esposas tradicionais (recatadas e do lar) que rejeitam o feminismo com um olhar clínico e perturbador, revelando como a promessa de pureza e submissão se converte em instrumento de controle e violência simbólica. Bittar constrói essa crítica com uma estética elegante, onde cada personagem representa uma faceta de um país em transe religioso. Ao final, Virtuosas não é apenas um exercício de gênero eficaz, mas um retrato incômodo do Brasil contemporâneo que assusta menos pela ficção e mais pelo reconhecimento.

Labirinto dos Garotos Perdidos

Sinopse:

Em Labirinto dos Garotos Perdidos, um garoto do interior se perde na madrugada da cidade grande, passando por uma série de encontros sexuais progressivamente bizarros, enquanto um assassino espreita pelas sombras da metrópole.

Breve comentário:

Em Labirinto dos Garotos Perdidos, Matheus Marchetti se firma como um dos cineastas mais inventivos e autorais do cinema brasileiro recente. Seu novo filme carrega ecos das referências visuais que o formaram — do giallo ao musical, passando por essa vibe de fábula e conto de fadas — tudo filtrado por um olhar muito próprio de autor. Marchetti consegue transformar essas influências em linguagem e assinatura de forma genuína e natural, realizando um cinema de gênero e queer que o cinema brasileiro deveria conhecer mais e se orgulhar.

Fiel ao seu gosto pelo onírico, ele arquiteta essa fábula de descoberta sexual e identidade, onde morte e sexo caminham lado a lado, guiando o protagonista nesse labirinto à la Depois de Horas do Scorsese com as cores de Suspiria, entre encontros, corpos, gozo, pepino e sangue. É um cinema livre muito preocupado no poder da imagem, dos próprios corpos e no que eles representam na tela e também para aqueles atores. É corpo político, praticamente um manifesto nesse sentido. Muito vibrante, sensorial e humano.

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Angelo Cordeiro é repórter do núcleo de cinema da Editora Perfil, que inclui CineBuzz, Rolling Stone Brasil e Contigo. Formado em Jornalismo pela Universidade São Judas, escreve sobre filmes desde 2014. Paulistano do bairro de Interlagos e fanático por Fórmula 1. Pisciano, mas não acredita em astrologia. São-paulino, pai de pet e cinéfilo obcecado por listas e rankings.
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