ENTREVISTA

Andreas Kisser fala à RS sobre Sepultura no Lolla, despedida (em estádio?) e legado

Guitarrista comenta como deve ser show no festival paulista, antecipa planos finais da banda e reflete sobre herança artística que quer deixar

Igor Miranda (@igormirandasite)

Publicado em 21/03/2025, às 18h09
Andreas Kisser, guitarrista do Sepultura - Foto: Stephanie Veronezzi
Andreas Kisser, guitarrista do Sepultura - Foto: Stephanie Veronezzi

Sepultura no Lollapalooza Brasil 2025. Nada a ver? Andreas Kisser discorda. “Desde a década de 1990, sempre fizemos festivais alternativos, principalmente na Europa”, reflete o guitarrista em bate-papo com a Rolling Stone Brasil.

Kisser, o vocalista Derrick Green, o baixista Paulo Xisto e o baterista Greyson Nekrutman tocam no terceiro e último dia de evento — 30 de março, domingo —, como a atração final do palco Mike’s Ice. Na mesma data, se apresentam Justin Timberlake, Tool, Bush, Foster the People, Parcels, Terno Rei, Charlotte De Witte, entre outros. O Lolla acontece no Autódromo de Interlagos, em São Paulo, nos dias 28, 29 e 30 deste mês. Há ingressos à venda no site Ticketmaster.

Além de ter sido escalado para diversos festivais fora do metal ao longo dos anos — Andreas cita o neerlandês Pinkpop e eventos típicos da província espanhola Jerez de la Frontera como exemplos —, o Sepultura está acostumado a ocupar espaços que não são destinos ao gênero. O guitarrista, aliás, é um defensor vocal da presença da música pesada até em eventos como o beneficente Criança Esperança. E faz sentido, dada a popularidade do estilo no Brasil e no mundo.

Hoje em meio a uma turnê de despedida, o grupo se tornou benquisto em territórios “extrametálicos” por sua sonoridade única, que, desde o álbum Arise (1991) e especialmente em Chaos A.D. (1993) e Roots (1996), começou a agregar elementos da música brasileira. A respeito disso, Kisser reflete:

“Acho que trazer elementos novos para o metal abriu portas para tocarmos nesses festivais, onde se via poucas camisas pretas na plateia. É muito bom tocar para quem nunca nem ouviu falar da banda e que, na terceira música, está ali curtindo. Nos Estados Unidos ainda havia certo paradigma, mas na Europa sempre foi muito misturado. Em todo caso, é sensacional estar no Lollapalooza Brasil com essas bandas, não só pelo que rola no palco, mas também no backstage, de conversar e conhecer pessoas.”
Sepultura em 2025 (E-D): Derrick Green, Paulo Xisto, Andreas Kisser, Greyson Nekrutman
Sepultura em 2025 (E-D): Derrick Green, Paulo Xisto, Andreas Kisser, Greyson Nekrutman - Foto: Stephanie Veronezzi

No Brasil, ainda assim, não é tão comum ver o Sepultura em festivais um pouco mais misturados. Quando acontece, é recorrente ouvir na plateia pessoas distantes do heavy metal comentar: “achava que era inaudível de tão pesado, mas é bom”. Talvez seja medo de um nome tão direto: Sepultura. Andreas reflete:

“É difícil generalizar o que é ou não é o fã do Sepultura. Se você mostra o Morbid Visions (1986), o Roots (1996) e o Quadra (2020), tudo isso é Sepultura. Três pessoas diferentes podem gostar de cada um. Sepultura é o presente. Por isso a importância da experiência do ao vivo. O que está gravando são registros de um momento, não significa que a música seja aquilo. A música sempre evolui. Tocamos ‘Kaiowas’ de várias maneiras diferentes e continua a mesma música, mas com experiências sempre diferentes, com os convidados no palco. Por isso que não me enjoo de tocar ‘Roots Bloody Roots’ em todo show. Cada show é uma experiência diferente.”

O que esperar do show do Sepultura

Como citado, o Sepultura está se despedindo dos palcos. A turnê final Celebrating Life Through Death foi iniciada em março de 2023 após um drama interno: semanas antes, o baterista Eloy Casagrande, vinculado ao grupo, teve sua saída confirmada de modo repentino e misterioso. Não demoraria muito para ele ser anunciado como novo integrante do Slipknot.

Para sua vaga, o trio remanescente trouxe dos Estados Unidos o jovem Greyson Nekrutman, hoje com 22 anos. Fenômeno das redes sociais, o baterista se notabilizou por seus diversos vídeos tocando jazz e pelo trabalho anterior com o Suicidal Tendencies. A título de curiosidade, sua banda anterior convocou Jay Weinberg… que havia sido demitido do Slipknot, onde Casagrande está. Dança das cadeiras — ou melhor, dos banquinhos de bateria.

Greyson Nekrutman, baterista do Sepultura
Greyson Nekrutman, baterista do Sepultura - Foto: Stephanie Veronezzi

Desde então, muitos fãs do Brasil e do mundo já puderam assistir ao show Celebrating Life Through Death, inclusive em duração maior, visto que a banda tem realizado várias apresentações como atração principal. Para o Lolla, porém, o formato será um pouco reduzido — uma hora de duração — e o repertório não deve ter tantas surpresas. Andreas Kisser aponta que poderá ser “um pouco diferente, mas sem fugir muito” do que executaram no último dia 16 no festival mexicano Vive Latino.

Por lá, sendo mais exato, eles tocaram: “Refuse/Resist”; “Territory”; “Kairos”; “Phantom Self”; “Attitude”; “Means to an End”; “Escape to the Void”; “Dead Embryonic Cells”; “Agony of Defeat”; “Arise”; “Ratamahatta”; “Roots Bloody Roots”. O guitarrista comenta:

“Sempre tem algo diferente, mas dentro do que temos. Estamos ensaiando mais música do repertório com Greyson, pois estamos gravando um disco ao vivo, então temos que ter mais possibilidades de faixas e locais. Serão 40 músicas gravadas em 40 cidades diferentes. O show será um pouco mais compacto do que normalmente fazemos como headliner. Acho que aqui no Brasil faremos um setlist um pouco diferente do que no México, mas não foge muito do que estamos apresentando.”

Um ano de despedida — e de Greyson Nekrutman

Nem parece, mas a turnê de despedida do Sepultura completou um ano no início deste mês. A apresentação inaugural em Belo Horizonte, cidade de fundação da banda, ficou marcada também pela estreia de Greyson Nekrutman com uma tarefa nada fácil, tendo em vista o legado do grupo no que diz respeito a bateria.

Andreas Kisser aponta que, neste primeiro ano, a Celebrating Life Through Death foi “perfeita, do jeito imaginado e planejado de celebrar positivamente, sem melancolia, só com agradecimento aos fãs”. A respeito do novo integrante, o guitarrista diz:

“Greyson é fantástico. Íntegro, leve, aberto, com um talento absurdo e uma família espetacular. Diante de uma bucha, ele matou no peito e chutou no ângulo. Transparece naturalmente para o público. Não à toa, já em Belo Horizonte a galera começou a gritar ‘Greyson, Greyson’, o que se tornou uma constante. Isso é muito real, não se forja. Tem um pouco de sorte, mas também muito poder de observação nosso, de ter conexão com bateristas espetaculares. Desde que o Iggor Cavalera mostrou esse ‘caminho Sepultura’ de ser, de compor e de tocar bateria, só tivemos monstros. Não tem como ter menos. Foi fantástico ter colocado no mapa mundial o Jean Dolabella, o Eloy Casagrande e agora o Greyson.”

Futuro do Sepultura, tanto ativo quanto inativo

Ainda não se sabe exatamente quando a Celebrating Life Through Death irá acabar. O plano, de acordo com Andreas Kisser, é seguir até algum momento de 2026, quando haverá uma apresentação final, em São Paulo, com direito a convidar ex-integrantes.

Quando se fala da capital paulista, a banda já realizou três apresentações lotadas no Espaço Unimed, em setembro último, reunindo aproximadamente 24 mil fãs. O guitarrista admite que torna-se natural, portanto, pensar em um estádio para receber o show derradeiro.

“A intenção é fazer [o show final] em um estádio, sem dúvida. É o último show da banda. Vamos convidar bandas que fazem parte dessa história, todos os ex-membros, amigos, fazer uma festa. Acho que é uma carreira única. Quarenta anos de história, serão 42 quando fizermos esta festa, no ano que vem. Tem que celebrar. Criamos o Sepultura e essa música no nosso país, Brasil, com seus prós e contras. Então, queremos fazer uma festa grande para todo fã do Brasil inteiro e até do exterior: muitos da Europa já estão se programando para participar.”
Sepultura em 2025 (E-D): Derrick Green, Paulo Xisto, Andreas Kisser, Greyson Nekrutman
Sepultura em 2025 (E-D): Derrick Green, Paulo Xisto, Andreas Kisser, Greyson Nekrutman - Foto: Stephanie Veronezzi

De acordo com Kisser, o Sepultura representa “uma porta aberta do Brasil para o mundo”. A se lamentar, apenas o fato de o heavy metal não ter o devido reconhecimento no país.

“É uma porta aberta do Brasil para o mundo, um símbolo cultural brasileiro que, infelizmente, não tem o reconhecimento aqui dentro desse país, como um aspecto cultural, o heavy metal. É o país que mais ama heavy metal no mundo. Não à toa, toda banda do circuito mundial vem para cá, toca em grandes lugares, grava DVDs e discos ao vivo.”

Depois da última apresentação, o Sepultura continua, mas com sua obra. E que tipo de legado Andreas Kisser gostaria de deixar a partir do momento em que a banda encerrar as atividades? Em uma longa resposta a ser mantida na íntegra, ele diz:

“Que tudo é possível, mesmo dentro de um sonho impossível, que era o Sepultura em 1984, até a história que construímos, colocando o Brasil no mapa do mundo do metal. Acreditar em você mesmo, focar, se preparar. O Sepultura ensaiava todo dia, desde que eu entrei em 1987. Até antes, eles tinham essa disciplina, de ensaiar todo dia, de compor, buscar influências, escutar coisas novas.
E ser autêntico com você mesmo. A partir do momento que você começa a perder um certo foco ou identidade, você vai querer fazer música para rádio, vai querer usar um certo visual porque está na moda, ou vai se perder no caminho. Muitos artistas se perdem porque querem agradar ao fã, à gravadora, à rádio, aí se perdem. Sempre fomos muito seguros no que queríamos, sempre lutamos pela liberdade artística, de fazer nossa música, escolher nossa arte para o disco. E aqui estamos.
É muito legal escutar por exemplo o Juanes, um grande artista colombiano, que viu na ascensão do Sepultura fora da América Latina a possibilidade de ele fazer aquilo também. É f#da ouvir um negócio desse. Argentinos, colombianos, chilenos falam: ‘essa banda não é só brasileira, é sul-americana’. É um pioneirismo não só brasileiro, mas sul-americano. Isso tem um poder espetacular de influência, de motivação… de fazer a galera pegar no instrumento, fazer um som e transformar seu próprio sonho em realidade. Acho que é um legado que mostra como, independentemente do estilo musical ou mesmo a profissão que for seguir, se prepare: estude, se respeite, dê a si a chance de encarar os desafios da melhor maneira possível.”
Andreas Kisser - Foto: Elsie Roymans / Getty Images
Andreas Kisser - Foto: Elsie Roymans / Getty Images

*O Sepultura toca no terceiro e último dia de Lollapalooza Brasil 2025 — 30 de março, domingo —, como a atração final do palco Mike’s Ice. Na mesma data, se apresentam Justin Timberlake, Tool, Bush, Foster the People, Parcels, Terno Rei, Charlotte De Witte, entre outros. O Lolla acontece no Autódromo de Interlagos, em São Paulo, nos dias 28, 29 e 30 deste mês. Há ingressos à venda no site Ticketmaster.

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