Líderes do Metallica tinham origem cultural e familiar muito diferentes, mas deram certo no âmbito artístico
Uma das parcerias mais duradouras da história do heavy metal é a de James Hetfield (voz e guitarra) e Lars Ulrich (bateria). Os dois formaram juntos em 1981 o Metallica, banda que pode ser citada como a maior de seu estilo, tendo em vista os números impressionantes de vendas de discos e ingressos para shows. Nunca romperam, mesmo com as dificuldades antes e depois que a fama foi conquistada.
Hetfield e Ulrich têm origens bem distintas enquanto pessoas. O primeiro, americano nascido em uma cidade próxima a Los Angeles, é filho de um motorista de caminhão e de uma cantora de ópera. O pai se tornou ausente após divorciar-se da mãe quando o futuro músico tinha 13 anos - e três anos depois, ela morreu de câncer rapidamente ao recusar tratamento devido à crença na chamada Ciência Cristã. Muitos desses traumas estão explícitos nas letras de músicas do Metallica.
+++ LEIA MAIS: Como os novos discos do Metallica são melhores que os antigos, segundo Lars Ulrich
Já o segundo, dinamarquês de boa condição financeira que emigrou para os Estados Unidos na juventude, é filho e neto dos bem-sucedidos tenistas Torben e Einer Ulrich, respectivamente. Por conta disso, esperava-se que ele se dedicasse também ao esporte, mas ao assistir a um show do Deep Purple tendo apenas 9 anos de idade, sua vida mudou: ele queria se tornar um astro do rock. E assim o fez.
+++ LEIA MAIS: Kiss e Deep Purple em Brasília: saiba como garantir seu ingresso
Origens muito diferentes, certo? Mesmo assim, a parceria deu certo - mas não sem antes alguns estranhamentos.
Em entrevista de 2009 à Classic Rock, James foi bem sincero ao descrever sua primeira impressão sobre Lars, a quem conheceu ainda nos tempos de colegial. Inicialmente, contou como o colega ainda não era um bom instrumentista, mas desejava seguir na música profissionalmente mesmo assim.
“Eu tocava guitarra com um amigo e tentava montar uma banda chamada Phantom Lord. Respondemos a um anúncio de Lars no jornal e nos conhecemos pessoalmente. Ele montou a bateria e não era muito bom, mas tinha motivação e conhecimento. Tinha o ímpeto e as aspirações que eu tinha.”
O frontman do Metallica, então, foi convidado a comentar sobre as diferenças culturais entre os dois. Até o odor exalado pelo baterista foi abordado nessa resposta.
“Extremamente diferentes. Além de ele não tocar bem na época, saíam alguns cheiros diferentes dele [risos]. O estigma de ser europeu é que lá não se fabrica sabão e ninguém toma banho. Além disso, a casa dele tinha uma vibração diferente. Muito amigável e aberta. Minha casa era muito elitista e fechada. Se você não acreditasse em nossa religião... não recebíamos muitas visitas. A casa de Lars era o oposto. Bem hippie, bem do tipo ‘chega mais’.”
Outro ponto destacado por James foi a condição financeira de Lars, que o permitia ter uma vasta coleção de discos. O baterista também era filho único, o que facilitava na intenção de ter tudo o que queria.
+++ LEIA MAIS: Metallica: há 40 anos, Dave Mustaine era expulso da banda
“Eu entrei e não acreditei. Eu tinha a minha pequena pilha de discos, enquanto ele tinha uma parede inteira no quarto repleta de coisas. Então eu comecei a gravar fitas a partir de tudo que ele tinha.”
Em outra entrevista, Lars Ulrich também revelou suas impressões ao ter conhecido James Hetfield. No ano de 2018, ao falar com o jornalista Jan Gradvall (via Blabbermouth), o baterista relembrou inicialmente que o objetivo de sua mudança para os Estados Unidos era se transformar no 2º jogador de tênis de uma escola chamada Corona Del Mar - à época, ele estava entre os 10 melhores tenistas da Dinamarca.
“Quando tentei entrar para o time da escola, eu não fiquei nem entre os sete melhores. Então, todo esse sonho do tênis acabou e a música estava esperando para tomar conta. Havia uma seção de músicos no jornal The Recycler, então coloquei o anúncio: ‘Baterista procurando por outros fãs de metal para começar uma banda. Influências: Diamond Head, Angel Witch, Tygers of Pan Tang e Venom’. Aí alguns caras me ligaram falando: ‘eu curto heavy metal, gosto de Styx, Kansas e Van Halen’. Aí eu perguntava se eles sabiam quem era o Diamond Head. Tentei tocar com alguns desses caras e não deu certo.”
Depois de algum tempo, um cara chamado Hugh Tanner ligou e perguntou se poderia levar um amigo. Era ninguém menos que James Hetfield, mas com uma personalidade muito diferente da que o mundo conheceu.
“Ele era muito tímido, introvertido, mal olhava nos olhos, custava a conversar. Mas havia alguma conexão quando tocávamos. [...] Era junho de 1981, então passei o verão na Europa e passei algum tempo na Inglaterra com o Diamond Head e Motörhead. Quando voltei à América, em outubro daquele ano, liguei para aquele James Hetfield, porque havia uma vibe, uma conexão. Perguntei se ele queria se juntar e ver se havia a chance de fazermos algo. E aqui estamos nós.”
A diferença cultural entre ambos também foi narrada por Ulrich. Especialmente no âmbito familiar, os dois eram muito diferentes. A música os uniu.
“Venho de uma cultura europeia, fui filho único, muito próximo aos meus pais, que eram meus melhores amigos. Ele era o exato oposto: o clássico rebelde americano, tipo: ‘f*dam-se meus pais, a sociedade e Deus’. Acho que o pai dele abandonou a família. Foi criado pela mãe, que teve câncer quando ele tinha 14 ou 15 anos. E por causa da crença que tinham, não podiam procurar ajuda médica. Durante um ano e meio, ele viu a mãe morrer. Eu o conheci, depois de um ano, talvez ele tivesse 17 ou 18. Ele era muito tímido e estranho, mas nos conectamos e ouvíamos discos do Tygers of Pan Tang, Girlschool, Saxon e Angel Witch, que ele amava.”