RESENHA

Ghost soa ainda mais melódico e devoto ao rock anos 80 em Skeletá; RS já ouviu

Sexto álbum do projeto liderado por Tobias Forge dobra aposta na estética do arena rock; resultado é satisfatório, mas inferior ao disco anterior Impera (2022)

Igor Miranda (@igormirandasite)

Publicado em 24/04/2025, às 00h00
Ghost, 2025 - Foto: Katja Ogrin / Redferns
Ghost, 2025 - Foto: Katja Ogrin / Redferns

Em entrevista à Rolling Stone Brasil a ser publicada em breve, os integrantes do The Hives, banda sueca praticante de algo definido como “garage rock”, definiram seu próprio som como “o meio termo entre Meshuggah e Abba. Convidado a falar sobre um grupo conterrâneo — o Ghost —, o vocalista Howlin’ Pelle Almqvist comentou: “gosto deles, está do lado mais Abba do espectro”.

Quase 15 anos se passaram desde Opus Eponymous (2010), álbum de estreia da banda liderada pelo vocalista e multi-instrumentista Tobias Forge, e muita gente ainda não entendeu isso. A estética é sombria, mas o som tem pouco de metal. Skeletá serve como mais um lembrete disso. Talvez o mais claro de todos.

Forge, também em entrevista à Rolling Stone Brasil a ser publicada em breve (no impresso de temática Futuro da Música), nega que seu sexto disco de estúdio seja uma “carta de amor ao hard rock dos anos 1980”. Não há, porém, como definir de outra forma o material que chega a público nesta sexta-feira, 25, pela Loma Vista Recordings. Quase todas as referências sonoras nas dez faixas vêm da década em que nasceu a principal mente criativa do projeto. Tem muito hard rock — e, diferentemente do antecessor Impera (2022), pouco de AOR — e pitadas de pop/new wave daqueles tempos. Tais influências apareceram em outras obras, mas nunca de forma tão aberta como agora.

Ghost, 2025
Ghost, 2025 - Foto: Katja Ogrin / Redferns

Há, porém, uma leitura bastante franca de Tobias a respeito de Skeletá que se nota no desenrolar da audição: aqui, o Ghost retorna, de certa forma, a sonoridades anteriormente exploradas. É o repertório com menos novidades por parte da incansável mente criativa de Forge, que, curiosamente, havia pensado no conceito deste material quando ainda produzia Impera, anos atrás.

Se antes atuou como observador externo e sociopolítico — como os antecessores diretos Prequelle (2018) e Impera (2022) —, agora ele deixa a introspecção tomar conta. Temas como esperança, arrependimento e amor compõem a bagagem lírica deste novo trabalho. “Houve introspecção em álbuns anteriores, mas não tão completa e temática quanto neste”, confirma o artista e intérprete do Papa V Perpetua também à Rolling Stone Brasil.

Skeletá, faixa a faixa

Não é inesperado um álbum do Ghost começar com um coral típico de igreja. Impressiona, porém, o riff de guitarra que introduz de fato a canção de abertura “Peacefield”, especialmente pelo timbre carregado referente a, veja só, hard rock dos anos 1980. Uma das melhores do disco, pareceu ter sido composta em mente para iniciar não apenas o tracklist, como também os shows da turnê Skeletour — o que, claro, tem sido feito. Desenrola-se de modo gradual, mas sempre com fortes ganchos melódicos em evidência. A mudança de campo harmônico durante e após o solo soa como seu grande diferencial.

“Lachryma”, uma das duas já conhecidas do público, é talvez a faixa que melhor se enquadre no estereótipo formado em torno do Ghost. Harmonicamente pegajosa, mas sem abrir mão de riffs pesados. Poderia facilmente estar em Meliora (2015), o álbum onde a banda conquistou maturidade criativa após dois trabalhos que chamavam atenção mais pela estética do que pelas composições.

Talvez o momento menos animador de Skeletá esteja representado nas faixas três e quatro. “Satanized”, escolhida como primeiro single, tem digestão fácil, mas está abaixo do padrão criativo de Forge e seu time de estúdio. Evidencia, ainda, um dos pontos fracos do disco: a timbragem da bateria, em demasia artificial, a ponto de soar programada em determinadas passagens. “Guiding Lights”, única que realmente pode ser definida como “balada” no tracklist, pouco surpreende. O início com violão de aço sincronizado com piano e mudanças harmônicas até promete, mas quando os demais instrumentos entram após o primeiro refrão, fica previsível, seja pelo andamento cadenciado ou pela construção excessivamente convencional.

Ghost no clipe de "Satanized"
Ghost no clipe de "Satanized" - Foto: reprodução / YouTube

Demora um pouco até a impressão ruim passar, ainda mais porque “De Profundis Borealis” começa enganando o ouvinte: seus primeiros segundos no piano parecem indicar outra balada, mas não é o caso. Entra em uma passagem instrumental de ritmo quebrado por quase um minuto até, enfim, desaguar na canção de batida mais acelerada até aqui. O refrão, em contrapartida, é quase pop. Uma delícia, assim como o timbre ligeiramente sintetizado que surge em arranjos e na espécie de “solo”(?) final. O título, vale destacar, faz referência à carta redigida pelo escritor Oscar Wilde na prisão, em 1897, pelo crime de “atividades homossexuais”.

“Alguém que morre não é personificado pela entidade física enterrada num túmulo, mas sim por parte da nossa consciência.” Assim Tobias explica o que é um cenotáfio, que nomeia “Cenotaph”, faixa que soa como se o Def Leppard resolvesse tocar “Children of the Grave”, do Black Sabbath, após uma noite numa balada new wave. O riff “cavalga” no mesmo ritmo, ainda que faça uso de mais notas. Outra faixa, como em “Peacefield”, onde o solo — neste caso, de synth com guitarra — é o destaque.

“Missila Amori”, tal qual “De Profundis Borealis”, engana o ouvinte em seus segundos iniciais, mas para o outro lado do espectro. Começa pesada, mas com a entrada do que seria o refrão, vira um caprichado hard rock farofa, do tipo que Paul Stanley adoraria compor — inclusive pela letra — nos primeiros anos de Kiss sem máscaras. Em essência similar, “Marks of the Evil One” teria potencial para se tornar uma nova “Square Hammer” se os versos fossem tão grudentos quanto o refrão. Entre os dois solos no miolo, há uma brusca queda instrumental que pode tornar esta canção uma opção interessante para os shows.

Shows esses que já contam com “Umbra”. Escolha certeira, visto que é, junto de “Peacefield”, a melhor de Skeletá. Com introdução em sintetizador já utilizada no webisódio “Chapter 18: What A Fiasco!”, a penúltima faixa do álbum traz o andamento mais surpreendente no todo. Tanto o principal riff de guitarra quanto a linha de bateria inicial conduzida por um irresistível cowbell são puramente hard rock oitentista. Se os vocais no verso são apenas protocolares, nos refrães o canto de Forge se abre. O solo, por sua vez, evoca Deep Purple, com direito a batalha entre guitarra e teclado. Uma vibe que remete aos bons momentos do Ghost dos dois primeiros álbuns.

“Excelsis” encerra a audição em um típico momento de descompressão. É como a volta ao mundo normal, após a viagem que um álbum do Ghost oferece. Função similar à de “Life Eternal” (em Prequelle) e “Respite on the Spitalfields” (em Impera), não apenas pela letra que parece se conectar às mensagens transmitidas nas outras faixas, como também pelo andamento mais lento, quase de balada. Boa música, mas que talvez não faça tanto sentido fora do contexto do disco.

O veredicto

Skeletá representa mais um passo no projeto de Tobias Forge em transformar o Ghost numa banda de arena, talvez a maior de sua geração. Não suplanta Impera ou mesmo Meliora em força de repertório ou escolhas de produção (especialmente timbres de instrumentos), mas dobra a aposta do álbum anterior em focar numa sonoridade mais acessível — agora, ao explorar ainda mais as influências da já mencionada década de 1980, tão glorificada pelos fãs de rock e de cultura pop como um todo.

Nem sempre isso dá certo. O resultado pode incorrer na perda de identidade e repetição de clichês. Felizmente, não é o caso deste sexto álbum de estúdio, visto que Tobias Forge conseguiu desenvolver uma forte personalidade criativa ao longo dos trabalhos anteriores.

Forge, aliás, parece estar ainda mais no controle em Skeletá na comparação com os antecessores diretos. Pela primeira vez desde a estreia Opus Eponymous, assumiu a produção — sob o pseudônimo Gene Walker, diga-se. Fredrik Åkesson, guitarrista do Opeth e músico de estúdio do grupo, contou à Rolling Stone Brasil que nesta ocasião o líder assumiu o instrumento de seis cordas bem mais do que em Impera, por exemplo. Não à toa, suas contribuições se resumiram a solos e licks mais específicos.

Combina com o tom ligeiramente introspectivo que se buscou dar a este disco, apesar de, curiosamente, contrastar com músicas tão inspiradas pelo rock de arena. Mas toda a trajetória do Ghost se construiu a partir de dualidades. Esta é apenas mais uma.

Capa do álbum Skeletá, do Ghost

Tracklist de Skeletá:
1. Peacefield
2. Lachryma
3. Satanized
4. Guiding Lights
5. De Profundis Borealis
6. Cenotaph
7. Missilia Amori
8. Marks Of The Evil One
9. Umbra
10. Excelsis

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