Guto Bellucco lança disco com letras inéditas de Itamar Assumpção; ouça
Mar Adentro foi criado a partir de poemas, bilhetes e outros escritos do ícone da Vanguarda Paulista reunidos no raro livro Cadernos Inéditos
Redação
Publicado em 06/02/2025, às 17h41
Em meio a onda de homenagens que celebram a obra de Itamar Assumpção, com regravações, peças de teatro e exposições, o músico Guto Bellucco faz uma especial: Mar Adentro, um álbum com letras inéditas do ícone da Vanguarda Paulista.
Com participação das cantoras Jadsa e Lucía Santalices e produção musical de Lucas Vasconcellos, o disco transforma poemas de amor de Itamar em canções mergulhadas em sonoridades e ritmos diversos, que vão do rock ao samba.
Mar Adentrojá está disponível nas plataformas de áudio. Ouça a seguir.
Sorte grande
A homenagem nasceu do acaso. Acidentalmente, Guto encontrou em uma estante o livro Cadernos Inéditos (Editora Terceiro Nome, 2014). Com tiragem limitada à época, a obra contém poemas, bilhetes, motes e outros escritos até então inéditos de Itamar, e é uma raridade em livrarias (atualmente o livro está disponível digitalmente no Museu Itamar Assumpção).
Quando folheou os cadernos do artista reunidos no livro, Guto pegou o violão e começou a compor melodias:
Intuitivamente as notas pareciam pipocar daquelas letras. Os temas também pareciam me chamar, tinha um desespero amoroso e um modo de falar sobre paixão e solidão que a gente não ouve tanto hoje em dia. Um sujeito expondo o que sente de maneira pungente, sincera. Eram blues latentes. Foi uma grande sorte que essas letras tenham caído em minhas mãos e se tornado canções. Ganhei na loteria, mas tinha que fazer jus ao prêmio, gravar um disco que estivesse minimamente à altura do som do Itamar”.

Com produção musical de Lucas Vasconcellos (produtor de Maria Luiza Jobim, guitarrista da Legião Urbana e ex-integrante do duo Letuce, com Letícia Novaes) e Marcos Kuzka (músico e autor de trilhas de filmes como Só dez por cento é mentira), o disco tem na bateria Gabriel Barbosa, o ‘Barbeize’ (Technobrass, Julia Vargas, Posada); baixo e guitarra do próprio Lucas; violão, guitarra e voz de Guto Bellucco e as participações especiais da cantora, compositora e guitarrista baiana Jadsa Castro (Olho de vidro, de 2021, ganhou o Prêmio Multishow de Artista Revelação) e da cantora e performer argentina-brasileira Lucía Santalices.
Diálogos e vozes femininas foram marcas do estilo de Itamar, desde o primeiro disco (Beleléu, Leléu, Eu, 1980); depois, com As Orquídeas do Brasil, a banda feminina que o acompanhou. Esse foi um dos sabores de sua estética musical que procurei nas duas cantoras e nos diálogos que a presença delas permitiu”, comenta Guto.
Referências e inspiração
Mar Adentro ainda tem como referências as obras de Jards Macalé e Sergio Sampaio, outros músicos rotulados de “malditos”, como Itamar, por desafiarem cânones musicais e poéticos da MPB dos anos 70.
Uma das influências está na mistura de sonoridades e escalas de rock e blues com ritmos brasileiros, como faziam os músicos da Vanguarda Paulista. Inspirada no primeiro disco de Macalé (Jards Macalé, 1972), que tinha como originalidade ter apenas três instrumentos gravados simultaneamente – algo incomum hoje em dia – a gravação de Mar Adentro também se baseou em um trio de violão, baixo e bateria, registrados em sessão única de seis horas em estúdio e gravação simultânea.
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A vantagem desse tipo de solução quase artesanal é que os arranjos são feitos coletivamente e improvisos são incorporados à gravação, como na longa digressão instrumental na canção ‘Rap Desculpe’. A gente ainda gravou outros instrumentos, como um clarinete e teclados, além da guitarra, o que completou o clima específico de cada canção, energizando essa nova ‘morbeza romântica”, compara Guto, usando a expressão criada por Jards Macalé para definir a primeira fase da sua obra.
Além das seis canções feitas a partir de poemas inéditos de Itamar, o disco Mar Adentro tem uma sétima criada com a expressão “nunca mais”, que aparece como mote de um dos textos do livro. Guto diz:
A melodia eclodiu a partir dessas duas palavras e de alguns versos do Itamar que giravam em torno disso. Numa parceria com Mariana Filgueiras, fizemos versos a partir desse mote, repetindo o “nunca mais” e criando uma situação amorosa que complementa as que se apresentam nas outras canções criadas. A nova canção ganhou seu lugar entre as que tinham letras do Itamar”, conta o músico.
Parceiro póstumo do ícone da Vanguarda Paulista, Guto teve todo o processo acompanhado por Anelis Assumpção, filha de Itamar.
Quando lançou o livro, com o objetivo principal de reunir e tornar acessível os textos do artista, uma das ideias de Anelis também era estimular que outros artistas fizessem o que Guto fez agora, criando sobre o legado do pai.
Na abertura de Cadernos Inéditos, a poeta e ex-parceira de Itamar, Alice Ruiz, celebra a potência da obra:
Itamar, além de músico inovador, com linhas melódicas e ritmos feitos para prazeirosamente quebrar nosso jeito de olhar e ouvir, é poeta. Não deixou um livro de poesia escrita. Não importa. Deixou esses cadernos”.