Ian Astbury fala sobre The Cult no Brasil, integridade e futebol [ENTREVISTA]
Fascinado pela “cultura dos torcedores ultras”, cantor reflete sobre caminho artístico “difícil” que sua banda seguiu e avisa: seu show não é “entretenimento”
Igor Miranda (@igormirandasite)
Publicado em 04/02/2025, às 08h30
“Faz oito anos? Oh, m#rda”. Foi assim que o vocalista Ian Astbury reagiu à primeira informação que lhe foi apresentada neste bate-papo com a Rolling Stone Brasil: The Cult não retorna ao Brasil desde 2017, quando se apresentou em Porto Alegre, Curitiba, São Paulo e Brasília. No compromisso na capital paulista, tocaram ao lado de The Who e Alter Bridge, em um show definido pelo próprio como “memorável”.
Hiato provocado pela pandemia à parte, o grupo inglês realiza três apresentações no país neste mês de fevereiro. Rio de Janeiro (22/02 – Vivo Rio), São Paulo (23/02 – Vibra) e Curitiba (25/02 – Live) recebem o quarteto formado por Astbury, Billy Duffy (guitarra), John Tempesta (bateria) e Charlie Jones (baixo). O Baroness, banda americana de sonoridade orientada ao sludge metal, estará na abertura. Ingressos podem ser adquiridos em TheCult.us.
O histórico de Ian com o Brasil é antigo: seu pai era marinheiro e vinha bastante ao país na década de 1950. O cantor e seu grupo vieram para shows em sete ocasiões: 1991, 1995, 2000, 2006, 2008, 2011 e, como já citado, 2017. Ao relembrar a performance mais recente, no Allianz Parque, o cantor disse:
“Foi muito significativo e memorável. Você viaja por outras partes do mundo e acaba se esquecendo de determinados shows. Perguntam como foi e eu apenas digo: ‘aconteceu’. Mas eu me lembro desse show, porque eu fiquei exausto. Cheguei a me sentar sob o palco. Ao sair, simplesmente desmaiei, precisei tomar energia para descer e sair. Mas a energia ainda estava no estádio. Foi bem incrível.”
Nos últimos anos, Astbury e Duffy, líderes do grupo, têm olhado com carinho para suas origens. Isso se reflete na turnê atual que, apesar do nome “85-25”, não visa realizar uma mera celebração de 40 anos. Tudo começou ainda em 2023, quando eles fizeram shows como Death Cult — banda que antecedeu The Cult e trazia uma sonoridade mais obscura que a responsável por consagrá-los.
A revisitação rendeu até mesmo duas músicas lançadas em vinil e no streaming: “Flesh and Bone” e “C.O.T.A.”, ambas como Death Cult. Ao vivo, eles voltam a ser The Cult, mas com a energia do grupo antecessor.
“Senti que o Death Cult era mais relevante agora do que foi por décadas. Sei que esse sentimento é muito influente na cultura. Estamos nesse momento darkwave. Até Lady Gaga fez um álbum (Mayhem) dark wave — ou ela diz que fez. Soa pop para mim, mas ela trabalha com produtores de rock e Gesaffelstein (Daft Punk, Charli XCX, Haim, The Weeknd etc), parece estar com roupas em um estilo muito vanguardista. O logotipo remete vagamente ao death/metal escandinavo. Isso é algo muito atual. Talvez as pessoas estejam sentindo a distopia. Sabemos o que está acontecendo no mundo. Estamos vivendo em Black Mirror [série de TV], não voltará a ser como era. Mas continuamos: e você reage a isso.”
Por isso, Astbury antecipa: quem espera obter apenas entretenimento nos shows do The Cult vai encontrar algo bem diferente. O cantor destacou o ambiente “muito aberto” encontrado nas apresentações de sua banda, devido ao público diverso, mas pontuou: “não estamos lá para entreter”.
“Isso nos provoca de uma forma muito emocional e é bem sério. Não acho que o que estamos fazendo agora seja divertido — talvez um pouco. [...] Mas se eu quisesse ser alguém que entretém, teria tido uma carreira muito diferente. Nunca pensei nisso como uma carreira, um trabalho ou algo assim.”
Inegavelmente, não se trata de um comportamento novo para The Cult. O grupo se reinventou diante do público tantas vezes que várias de suas decisões podem ser classificadas — de forma rasa — como “anticomerciais”, mas a integridade artística nunca foi comprometida. Ian explica como, no fim das contas, a abordagem vanguardista de sua banda:
“Sempre briguei com todos: produtores, Billy, gravadoras, sempre insistindo em fazer de um determinado jeito. Por quê? Porque é isso que estamos sentindo agora. Falaram: ‘mas o último álbum vendeu 3 milhões de cópias’. E daí? Já fizemos isso. Temos que viver o hoje, o que está acontecendo agora. É muito difícil porque, comercialmente, estávamos indo contra a corrente e nos tornamos outsiders. Mas agora acho que, de certa forma, a cultura está chegando até nós. Mesmo em outros gêneros, você pode ver a transição para um material de assunto mais sombrio, sensual ou maduro.”

40 anos de Love
Ian Astbury deixou claro logo no início da entrevista que não está em busca de promover celebrações ao passado — até por entender que seu trabalho como um todo soa fresco e contemporâneo. Um exemplo reside em Love (1985), segundo álbum de estúdio do The Cult, que completa 40 anos de lançamento em outubro. É deste trabalho que vem o primeiro hit do grupo, “She Sells Sanctuary”, mas o vocalista diz ter se reconectado especificamente com outra faixa nos últimos tempos: “Brother Wolf, Sister Moon”.
“Rick Owens (famoso estilista) usou ‘Brother Wolf, Sister Moon’ em um desfile de moda e escolheu essa música para representar o zeitgeist em torno da guerra na Ucrânia. Ele queria algo empático; melancólico, mas otimista. E escolheu essa música, que se encaixava no clima do que ele estava fazendo como designer de moda da época em que a música foi colocada. Meio que me apaixonei pela música novamente. Parecia que todos estavam procurando um caminho a seguir, uma saída, uma maneira de evoluir além desse momento distópico. E essa música era quase um sinal.”
Para o frontman, toda a obra do The Cult está conectada — desde o Southern Death Cult, projeto que antecedeu até mesmo o Death Cult. Ainda assim, ele aponta que Love se destaca porque “tem a sinergia de muitas influências artísticas”, representando “talvez a base” do DNA do grupo.
“Você sempre pode fazer comparações com o Love enquanto disco. Foi um momento completo e foi feito de forma intuitiva, sem influências externas. Era um tempo muito puro. A banda se tornou mais bem-sucedida comercialmente, então houve mais elementos externos, ‘forças’ tentando nos empurrar em uma certa direção. E foi aí que a briga começou, porque eu me negava. Ia contra gravadoras, empresários ou quem quer que seja. Não me pareceu certo seguir o caminho do dinheiro, então escolhemos o caminho difícil — ou pelo menos eu escolhi o caminho difícil e arrastei todos comigo.”
Naturalmente, a conversa nos leva a um registro controverso — ao menos perante o público geral — da discografia: o álbum homônimo de 1994, conhecido pela capa com uma ovelha negra. Último lançado antes de um hiato que duraria quatro anos, o trabalho em questão “destruiu o passado novamente”, nas palavras do cantor.
“É por isso que fizemos um hiato por alguns anos (1995 a 1999), porque quando fizemos o disco homônimo em 1994, novamente, ele destruiu o passado. Os elementos arquetípicos permaneceram porque estão dentro de você, mas você ouve o disco homônimo... músicas como ‘Saints Are Down’, ‘Universal You’ ou ‘Black Sun’ são muito fortes, mas não eram comercialmente viáveis. A gravadora não sabia o que fazer. Eles só estão acostumados com uma coisa: MTV. Isso não funciona para a MTV.”
O futuro do The Cult — ou do Death Cult?
Não que Ian Astbury fosse dar ouvidos, mas em outros tempos, a indústria musical diria que está na hora do The Cult lançar um novo álbum. Três anos se passaram desde Under the Midnight Sun (2022), concebido durante a pandemia de covid-19. A já mencionada revisitação ao Death Cult gerou no ano seguinte o single duplo “Flesh and Bone” e “C.O.T.A.”
Diante disso, o cantor reforça não ter “planos rígidos” para lançar mais material, seja como The Cult ou Death Cult. Hoje o trabalho em estúdio se dá de forma pouco convencional, já que Billy Duffy e Charlie Jones moram no Reino Unido, enquanto Astbury e John Tempesta estão em Los Angeles. Mesmo assim, há conversas frequentes sobre música nova — e, segundo Ian, “gravações anteriores que já estão quase prontas”.
“Lançamos ‘Flesh and Bone’ e ‘C.O.T.A.’ como compacto, ninguém sabia que tinha saído. Decidi que eram músicas do Death Cult. Agora as pessoas estão começando a ouvir e dizer: ‘interessante, tem mais?’. Temos mais algumas desse período. Há planos para lançar outras gravações, talvez do Death Cult, mas definitivamente do The Cult. Mas um álbum formal no estúdio? Não sei. Pode acontecer ou não. Sempre falamos sobre música.”

Astbury demonstrou certo desânimo com o funcionamento atual da indústria — “você pode fazer uma obra-prima que desaparece muito rápido se o algoritmo não gostar” — e notou o declínio do formato de bandas em detrimento dos “artistas individuais gravando em seus quartos”. Ainda assim, reforçou que “haverá música do The Cult em 2025 de alguma forma, apenas não em formato convencional”. E antecipou:
“Haverá um álbum lançado, talvez no meio do ano, que será em formato convencional: um show ao vivo. Mas não posso dizer muito mais do que isso. Você terá que esperar.”
Ian Astbury e a paixão pelo futebol
O tempo livre de Ian Astbury é dedicado a basicamente cinema, muay thai e futebol. Especialmente o último.
Torcedor fervoroso do Everton, clube que disputa a Premier League (primeira divisão da Inglaterra), o cantor diz ter viajado o mundo todo para acompanhar jogos, define-se como “fascinado” pela cultura dos torcedores ultras — algo que no Brasil seria similar às torcidas organizadas, mas em nível ainda mais intenso — e citou nominalmente os nomes de vários times nacionais: Palmeiras, São Paulo, Botafogo (como “Botafuego”), Santos e Flamengo. Com uma “ajudinha”, lembrou também do Vasco (como “Vasco de Gama”) e Fluminense (como “Fluminenze”). Nem deu para destacar o Corinthians, pois este foi citado pelo entrevistador para abrir o tema.
"I regard myself as a devotee of Everton Football Club rather than just a fan." - Ian Astbury, 2012
— Everton (@Everton) October 26, 2024
Still representing, @officialcult. 💙 pic.twitter.com/VmcTQJk09i
A respeito do esporte bretão, Astbury comenta:
“Futebol é como uma religião. Passo mais tempo vendo futebol do que indo à igreja — já que nem à igreja eu vou. Viajei pelo mundo todo para ver futebol. E é ótimo. Você pode ir a qualquer país, entrar em qualquer bar, restaurante, mesmo na rua, e dizer o nome de um jogador de futebol. Imediatamente, uma conversa se inicia. É incrível como isso une as pessoas.”
Para o vocalista do The Cult, há enorme semelhança entre futebol e música. A paixão e o “grande desejo de viver uma experiência coletiva” aproximam esses dois universos — que, na visão do cantor, o Brasil conhece muito bem.
“Tenho muito interesse na cultura dos ultras. As pessoas vivem e respiram futebol, assim como música. Há um grande desejo de viver aquela experiência coletiva. É isso que é ótimo na música ao vivo. Sei que o público brasileiro é muito apaixonado por esse tipo de reunião íntima. Minha última experiência pareceu importante, significativa.”
*The Cult realiza três shows no Brasil neste mês de fevereiro. Rio de Janeiro (22/02 – Vivo Rio), São Paulo (23/02 – Vibra) e Curitiba (25/02 – Live) recebem o quarteto formado por Astbury, Billy Duffy (guitarra), John Tempesta (bateria) e Charlie Jones (baixo). O Baroness, banda americana de sonoridade orientada ao sludge metal, estará na abertura. Ingressos podem ser adquiridos em TheCult.us.
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