Músico aponta que estar próximo do público serve de inspiração para suas composições: “todo compositor é um repórter do seu tempo”
Publicado em 06/10/2023, às 09h00
Ivan Lins construiu uma carreira de sucesso na música ao longo das últimas cinco décadas. Além de emplacar hits próprios, o cantor e pianista compôs músicas para Elis Regina, Gal Costa, Emílio Santiago, Simone, entre vários outros.
Embora tenha experimentado as várias facetas da fama, o artista prefere manter certa humildade ao conduzir seu trabalho musical. Em entrevista à Veja, chegou a dizer que prefere fazer shows gratuitos, pois fica mais próximo da realidade do público.
“Não faço música para alienados. Faço para as pessoas que conhecem a realidade do país. Gosto de tocar em praça pública, de graça, porque ali aparece gente de todas as raças, gêneros e classes sociais.”
Ainda de acordo com Lins, que atualmente promove o álbum My Heart Speaks, estar perto de seus ouvintes serve como inspiração para suas composições. Uma comparação com o jornalismo chegou a ser feita pelo músico.
“Todo compositor é um repórter de seu próprio tempo. É possível contar a história do Brasil por meio da nossa música.”
A obra de Ivan Lins é conhecida por demonstrar posicionamento político mesmo em tempos de ditadura militar. Embora tenha iniciado com repertório romântico, o artista passou a explorar temáticas sociais com o passar do tempo.
Em outra entrevista, ao jornal O Globo, o músico usou o mesmo argumento de que um artista “é o repórter do seu tempo”. E reforçou que posicionar-se é importante, mas não obrigatório a quem trabalha na área.
“O artista é repórter do seu tempo. Transmitimos nossa realidade através da música. E o português é muito rico, fácil de ser metafórico. ‘Começar de novo’ é considerada uma canção de amor, mas é política. É contra o [ex-presidente João] Figueiredo. Um dos últimos versos fala das esporas, pois ele era de cavalaria. ‘Sem as tuas esporas…’ Mas acho que só podem cobrar quando você fica do lado do bandido. Se o cara não tá a fim de falar de política, é um direito dele.”
Sobre a politização de sua obra, Lins reflete que, inicialmente, era orientado até por seu pai — o militar Geraldo Luís — a evitar esse tipo de assunto nas composições. No entanto, a realidade do país na década de 1970 o levou a abordar tais pautas.
“Houve uma certa pressão (para não abordar), mas subliminarmente. Eu e Ronaldo (Monteiro de Souza, seu principal parceiro nos primeiros discos) não tínhamos muita vontade de politizar nossa música, era mais romantismo mesmo. Meu pai era militar, e o Ronaldo tinha tios militares. Havia uma pressão da família para que evitássemos canções politizadas. Meu pai não me dizia para não fazer, mas orientava evitar. Sabia que o pau estava comendo. Mas chegou uma hora que foi mais forte do que eu. Comecei a ver que a violência estava demais, muito barra pesada. Perdi um amigo que sumiu, o Nelsinho, até hoje não foi encontrado. Um outro amigo estava andando na rua, pegaram ele e deram uma surra, chegou a perder os testículos. Eles não tinham nada a ver com nada. Aconteciam coisas muito ruins. Aí eu falei com o Ronaldo: ‘agora vamos atacar’. A partir de 1973, a gente começou a politizar mais. Em 1974, conheci o Vitor Martins, que já era muito politizado. Com o Vitor, minha música deu um salto.”