GRAMMY

Discurso de Chappell Roan no Grammy levanta questões sobre planos de saúde na indústria musical

Navegar pelo sistema de saúde pode ser um processo complexo para músicos. Ativistas e legisladores estão em busca de soluções

Aline Carlin Cordaro (@linecarlin)

Publicado em 06/02/2025, às 16h25
Chapell Roan usou seu discurso de Melhor Artista Revelação no Grammy para pedir um tratamento melhor para artistas emergentes: "Gravadoras, nós temos vocês, mas vocês têm a nós?" - Kevin Mazur/Getty Images
Chapell Roan usou seu discurso de Melhor Artista Revelação no Grammy para pedir um tratamento melhor para artistas emergentes: "Gravadoras, nós temos vocês, mas vocês têm a nós?" - Kevin Mazur/Getty Images

Chappell Roan trouxe novamente à tona o debate sobre o tratamento dos artistas na indústria musical durante seu discurso de aceitação do prêmio de Artista Revelação no Grammy deste ano. A cantora desafiou as gravadoras a melhorarem as condições para os novos talentos em desenvolvimento.

“As gravadoras precisam tratar seus artistas como funcionários valiosos, com um salário digno, seguro de saúde e proteção,” disse Roan. “Gravadoras, nós estamos com vocês, mas vocês estão com a gente?”

As declarações de Roan refletem um sistema frustrante que deixa muitos artistas se sentindo vulneráveis e impotentes. No entanto, o sistema de saúde para músicos — assim como para a maioria das pessoas nos Estados Unidos — é ainda mais complicado do que os comentários de Roan sugerem. Mas como ele realmente funciona?

Como funciona o seguro de saúde para músicos?

Pode-se presumir pelo discurso de Roan que artistas de grandes gravadoras não têm acesso a seguro de saúde, mas isso não é necessariamente verdade. Embora as gravadoras não ofereçam cobertura direta para seus artistas, como a maioria dos empregadores em outras indústrias faz, elas têm acordos com o SAG-AFTRA (sigla para Screen Actors Guild-American Federation of Television and Radio Artists) que permitem que seus artistas se qualifiquem para o seguro através do poderoso sindicato da indústria do entretenimento.

Conforme explica Duncan Crabtree-Ireland, diretor executivo do SAG, artistas que possuem contratos de royalties com as três maiores gravadoras — Universal Music Group, Sony Music Entertainment e Warner Music Group — continuam elegíveis para a cobertura de saúde, independentemente dos ganhos anuais com suas gravações, desde que estejam assinados com a gravadora. Os prêmios desses planos atualmente são de US$ 375 por trimestre financeiro, segundo o site do SAG. Outro sindicato, a American Federation of Musicians, representa instrumentistas, como músicos de estúdio, e também oferece opções de seguro de saúde.

Crabtree-Ireland afirmou que conversou brevemente com Roan após seu discurso e que deseja encontrar formas de aumentar a conscientização entre os artistas sobre os recursos disponíveis para eles.

“Estamos tentando divulgar essas informações,” diz Crabtree-Ireland. “Os artistas da indústria musical, em contraste com cinema e televisão, muitas vezes trabalham de forma independente. Isso pode levar a certo isolamento, onde informações não são compartilhadas automaticamente.”

A falta de acesso universal

A falta de conhecimento sobre esses recursos sindicais tem sido um problema para artistas há anos. Ainda assim, o acordo do SAG com as gravadoras não resolve completamente os problemas destacados por Roan.

Por exemplo, artistas assinados com grandes gravadoras representam apenas uma pequena porcentagem de todos os músicos da indústria. Artistas de gravadoras independentes não são elegíveis para o mesmo acordo com o SAG, pois suas gravadoras não firmaram contratos com o sindicato. O mesmo vale para artistas não assinados, que ainda estão tentando encontrar seu espaço na indústria.

Se um artista é dispensado pela gravadora — como aconteceu com Roan, que foi demitida da Atlantic Records (da WMG) em 2020 — ele perde a elegibilidade para o seguro e precisa buscar um plano através do Affordable Care Act ou do COBRA, que pode ser extremamente caro. Isso é particularmente difícil para artistas que assinam contratos muito jovens e não têm formação para atuar em outra área. No entanto, a situação é semelhante à que outros trabalhadores enfrentam ao serem demitidos.

O debate além da música

Especialistas em políticas musicais e defensores dos direitos dos artistas, que conversaram com a Rolling Stone, reconhecem que a questão do seguro vai além dos músicos, afetando todas as indústrias do país. Eles argumentam que a única chance de melhoria sistêmica vem do governo federal.

“Nosso sistema é fragmentado. As mudanças deveriam ser feitas em nível federal para incluir mais pessoas com custos mais baixos,” diz Renata Marinaro, diretora de serviços de saúde do Entertainment Community Fund, que fornece recursos para profissionais da música e do entretenimento sem seguro.

Ela destaca que navegar pelas redes de seguro pode ser um desafio para artistas que estão em turnê.

“Se você é um músico que está em turnê e conseguiu cobertura pelo mercado de seguros em Nova York, você não necessariamente estará coberto em Ohio ou na Califórnia,”ela continua. “É frustrante dizer a alguém que é mais fácil viajar pela Europa e consultar diferentes médicos com seguro viagem do que viajar pelos Estados Unidos. No final, precisamos sair desses sistemas baseados em estados e ter uma solução federal que torne o seguro mais acessível.”

A maioria dos especialistas em políticas públicas com quem a Rolling Stone conversou defende algum tipo de sistema universal de saúde, que ofereça cobertura acessível para freelancers e não dependa de empregadores.

“Para muitos músicos, você está mudando de empregador o tempo todo. A maioria dos músicos tem várias fontes de pagamento — você tem gravadoras diferentes, serviços de streaming, toda vez que toca em um festival,” diz Joey La Neve DeFrancesco, organizador da United Musicians and Allied Workers (UMAW).

“É um conjunto confuso de pessoas. Isso acontece com muitos freelancers em várias indústrias. É difícil imaginar uma solução que não envolva algum tipo de sistema de pagador único nos Estados Unidos, que não dependa da relação com um empregador.”

Músicos como funcionários?

A questão do seguro de saúde é apenas parte de uma discussão mais ampla sobre como os artistas são classificados na indústria. Enquanto Roan pediu que as gravadoras tratassem os artistas como “funcionários valiosos”, até essa afirmação levanta questões complexas.

Tecnicamente, artistas de gravadoras não são considerados funcionários. Se fossem, isso poderia abrir caminho para que as gravadoras reivindicassem 100% dos direitos sobre suas músicas, sob o chamado padrão de “trabalho contratado” (work for hire). Por isso, ser reclassificado como funcionário não é um movimento popular na indústria.

Kevin Erickson, diretor da Future of Music Coalition, uma organização sem fins lucrativos de políticas musicais em Washington, D.C., compara essa situação com a de outros trabalhadores de aplicativos.

“Por exemplo, motoristas do Uber estão se organizando para tentar serem reclassificados como funcionários em vez de contratantes independentes, porque, para eles, ser um funcionário W-2 pode resolver muitos problemas,” diz Erickson. “Existem situações em que a reclassificação é apropriada para alguns músicos, mas para um artista assinado com uma gravadora, isso levanta questões que contratantes independentes em outras áreas da economia não enfrentam.”

Ainda assim, Erickson e outros defensores, como DeFrancesco, estão buscando maneiras de oferecer melhores recursos aos artistas sem que eles percam os direitos sobre suas obras.

A UMAW, por exemplo, trabalhou com a deputada Rashida Tlaib (D-Michigan) no ano passado para introduzir o Living Wage for Musicians Act, um projeto de lei que buscava estabelecer uma nova fonte de royalties, adicionando uma taxa aos serviços de assinatura para aumentar a renda de artistas com baixos ganhos no streaming.

“Os artistas da indústria musical simplesmente não estão organizados o suficiente,” diz DeFrancesco. “A solução para muitos desses problemas precisa, inevitavelmente, envolver a união dos artistas e ações coletivas, para forçar a indústria a levar os músicos mais a sério.”


Essa matéria é uma tradução da Rolling Stone americana, escrita por Ethan Millman e publicada em 6 de fevereiro de 2025. Leia a versão original aqui.