Por dentro da longa e estranha viagem do melhor LSD do mundo
Owsley Stanley criou uma lendária variedade de ácido nos anos 1960 — agora ela está ganhando uma nova vida em centros de pesquisa dos dias atuais
John Semley para Rolling Stone EUA
Publicado em 20/04/2025, às 18h02
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Ilustração: BORIS SÉMÉNIAKO
Em 21 de dezembro de 1967 — o solstício de inverno, quando as andanças anuais do sol pelo zodíaco atingiam seu ponto mais ao sul — a luz começava a se apagar sobre o Verão do Amor.
Em uma casa discreta na Rua 69 La Espiral, em Orinda, Califórnia, a leste de Berkeley, meia dúzia de hippies terminava o café da manhã. Deram conta de porções quadradas de bife, ovos e café preto. Nada de granola por ali. Eles precisavam de uma refeição mais robusta para alimentar o trabalho pesado que tinham pela frente: a fabricação em massa de LSD.
Uma pacata manhã de inverno foi abruptamente interrompida, como relembra uma das pessoas presentes, por um grito vindo do lado de fora: "POLÍCIA! ABRAM A PORTA!" Antes que alguém pudesse reagir, os policiais já estavam invadindo. A porta da frente foi arrombada com uma marreta pesada, enquanto outro grupo irrompia pelos fundos. Um agente mais afoito chegou a atravessar uma janela. A prensa manual de comprimidos parou de ranger, deixando grânulos microscópicos de poeira alucinógena cintilando à luz fria e clara daquela manhã de inverno.
Documentos judiciais descreveram a modesta casa de Orinda como “uma pequena fábrica para a produção de LSD”. Na prática, era uma instalação de compressão de comprimidos, onde LSD cristalino — sintetizado em outro local — era prensado em pílulas para distribuição. Os federais chegaram até lá graças a uma brecha na equipe: um membro que, sem saber, vendeu uma boa quantidade de ácido (US$ 3.400 em doses) para um policial disfarçado. E assim, no sonolento Condado de Contra Costa, toda a operação veio abaixo. Os policiais separaram o grupo, tentando fazer com que delatassem uns aos outros. Mas os laços entre eles eram fortes. Ninguém disse uma palavra.
Seis pessoas foram presas naquela manhã — quatro homens e duas mulheres. Uma delas usava um vestido tribal guatemalteco; a outra, um colete de pele de urso. Na época, estimou-se que o valor de rua da apreensão beirava os 10 milhões de dólares. Um pouco de matemática criativa, claro: 217 gramas convertidas em cerca de 2.170.000 doses, cada uma supostamente com 100 microgramas (µg) e vendidas por US$ 3 a US$ 5. Mas essas não eram doses “padrão”. Eram doses heroicas, entre 270µg e 300µg. Era o ácido de Owsley — o mais forte e puro LSD já produzido no submundo psicodélico.
Seu criador era Augustus Owsley Stanley III, uma figura tão excêntrica quanto qualquer outra da contracultura americana. Magro, peludo e orgulhosamente carnívoro, também atendia pelo apelido de “Bear”. Era conhecido publicamente como engenheiro de som, tendo criado os sistemas de áudio lendários do Grateful Dead — e também o logotipo icônico da caveira cortada por um raio, além dos igualmente icônicos “ursos dançantes” que viraram mascotes da banda. Mas tão essencial quanto sua engenharia foi o seu papel de químico, liderando um grupo de filhos das flores que despejou cerca de 5 milhões de doses de LSD pelo mundo, acendendo mentes de gente como Jimi Hendrix e John Lennon. Há quem diga que o ácido de Owsley, contrabandeado da Bay Area para a Inglaterra dentro de um estojo de lente teleobjetiva, ajudou a alimentar o delírio visual da Magical Mystery Tour, dos Beatles. No clássico The Electric Kool-Aid Acid Test, Tom Wolfe o chamou de “o maior fabricante de LSD do mundo.” A Newsweek o comparou a Henry Ford. E até os relatórios sobre a batida em Orinda soavam como coroação e abdicação ao mesmo tempo. “Stanley é conhecido em todo o Oeste,” dizia um jornal, como se falasse de um pistoleiro de laboratório, “como o Rei do Ácido.” A prisão foi seguida por meses de labirintos legais. No outono de 1969, Stanley foi condenado. O ácido de Owsley parecia ter chegado ao fim. Ou, pelo menos, assim conta a história.
Nos últimos anos, os psicodélicos ganharam uma repaginada respeitável. Pesquisas conduzidas por universidades como Harvard, Johns Hopkins e a Imperial College de Londres ajudaram a transformar a imagem dessas substâncias de ameaça psicótica a promessa terapêutica. O cenário legal também mudou: plebiscitos em estados americanos e o interesse crescente da indústria farmacêutica abriram portas para substâncias como a psilocibina (presente nos “cogumelos mágicos”) e o MDMA. O resultado é um novo visual para o mundo psicodélico: menos tie-dye e incenso, mais jaleco e credencial de crachá. Como disse Michael Pollan, autor do best-seller How to Change Your Mind, existe hoje um esforço claro para “resgatar os psicodélicos dos anos 60”. Mas a história do ácido de Owsley sugere que essa separação é ilusória. As lições — químicas, espirituais e até filosóficas — daquela contracultura libertária ainda permeiam os ensaios clínicos atuais e até os fluxos de investimento.
Existe, até hoje, uma linha direta entre o LSD fabricado clandestinamente em casas suburbanas da Califórnia e o que é hoje testado em laboratórios autorizados. Com pequenos ajustes na fórmula, o “ácido de Owsley” passou de químico para químico, do submundo para o mainstream farmacêutico, como uma videira preciosa sendo cuidada por gerações de enólogos — só que em vez de uvas, essa linhagem guarda moléculas capazes de reconfigurar a consciência. Esse legado foi mantido por uma espécie de linhagem invisível: uma árvore genealógica de químicos foras-da-lei, que dominaram os métodos de síntese em laboratórios caseiros desde os anos 60, principalmente no norte da Califórnia. O conhecimento foi transmitido, atualizado, protegido — como uma tradição alquímica do século XX. E essa herança psicodélica costura uma comunidade improvável, mas coesa: artistas, cientistas, bandidos, estrelas do rock, pesquisadores e os bons e velhos “cabeças”.
Owsley “Bear” Stanley nos anos 1960 (Foto: Marjorie B. King/Courtesy of Stormy King/Rolling Stone EUA)
Se você já perdeu uma tarde vendo Antiques Roadshow na PBS, talvez conheça o conceito de proveniência: a história de um objeto, documentada desde sua origem, pode aumentar seu valor — sentimental, histórico, comercial. No mundo das drogas, o mesmo conceito se aplica. Produtores de vinhos falam de safras e terroirs. Cultivadores de cannabis falam em “strains”, híbridos ajustados para enfatizar certos efeitos. Mas com o LSD, a coisa é mais complicada.
Químicos de drogas em séries policiais populares podem falar sobre “cozinhar” (Owsley certa vez se autodenominou “um mestre da alta gastronomia mental”). Mas a síntese de drogas é mais parecida com confeitaria. Não se trata de estilo ou charme, e sim de coisas entediantes como precisão, pontualidade e limpeza meticulosa. O LSD é o dietilamida do ácido lisérgico, um derivado semissintético da ergolina, um alcaloide isolado pela primeira vez a partir de uma variedade de fungos estranhos que atacam plantas e grãos. Altere uma molécula aqui, adicione um grupo propionila ali, condense ácido valérico demais, e um composto químico vira outro completamente diferente.
Seja em dispensários de cannabis, estacionamentos de shows, adegas francesas ou mercados de narcóticos da dark web, a linhagem de uma droga é um elo, conectando usuários através do tempo e os unindo por uma experiência comum — um mesmo estado mental. Mas com o ácido de Owsley, a pureza representa algo além da imaculada composição molecular do composto. É uma filosofia, um ethos. E é algo que perdura até hoje, à medida que a substância — ou uma versão dela — é usada em testes médicos autorizados como intervenção psicofarmacológica. Rastrear a jornada desse LSD, da contracultura aos ensaios clínicos, é contar a história dos psicodélicos em si: como compostos criminalizados ganharam uma segunda vida como parte de um renascimento cultural e psicofarmacológico, usados no combate a males difíceis como o vício e a ansiedade no fim da vida. É a história de como atitudes e culturas se transformam — e de até onde as pessoas estão dispostas a ir para preservar o acesso ao melhor LSD já feito. De todos os tempos.
“Nosso LSD era 99,9% puro!”, me diz Rhoney Gissen Stanley. “Não havia nada melhor.” Quando tinha cerca de 20 anos, Rhoney foi uma das jovens presas na batida policial em Orinda — aquela do colete de pele de urso. Ela foi fichada, mas nunca foi indiciada pelo grande júri. Era namorada de Owsley, ou uma delas, pelo menos. Chegou a adotar o sobrenome dele, embora os dois nunca tenham se casado legalmente. Os dois têm um filho, Starfinder, que hoje trabalha como veterinário de grandes animais. Agora com 76 anos, Rhoney é enérgica e cheia de personalidade. Também é bastante pequena. Quando abre um cardápio espiralado de lanchonete, apenas seu pequeno chapéu preto de caubói aparece acima da borda plastificada. “Eu como de forma nutritiva”, diz ela com um sorriso, sentada em uma das cabines do Boulevard Cafe and Grill, em Petaluma, Califórnia. “Sigo a dieta do Bear: não só carne, mas também sem carboidratos. Ele era brilhante em tantas coisas.” Ela pede um crab benedict (ovos beneditinos com carne de caranguejo).
Antes de conhecer Owsley, o homem, Rhoney conheceu “Owsley”, o produto. Ela foi apresentada ao LSD em 1965, quando ainda era estudante de graduação na UC Berkeley. Como ela relembra em suas memórias publicadas em 2012, um ex-namorado a levou até a costa de Mendocino, entregou a ela uma cápsula tirada de um frasco farmacêutico e disse que era “ácido do Owsley, o melhor que existe”. Sentaram-se para observar as ondas quebrando na areia e ouviram Bob Dylan no rádio. Não demorou para que o próprio Owsley entrasse na vida dela — ele apareceu para entregar um raro microfone alemão ao ex-namorado, um aspirante a compositor que, na época, também distribuía pequenas quantidades do LSD do Bear. Owsley, ela lembra, era extremamente carismático, e não hesitava em oferecer gotas de sua poção psicoativa a partir de um frasco antigo de colírio Murine que carregava no bolso. Nos laboratórios clandestinos, Rhoney atuava principalmente como assistente: monitorava o processo de cromatografia em coluna, lavava vidrarias e — detalhe essencial — escolhia os discos para tocar na vitrola. Uma vida inteira depois, Rhoney sente orgulho de ter sido a “sacerdotisa” do ácido do Owsley.
Mas, marcada por prisões e batidas policiais, ela acabou deixando o mundo das drogas após a detenção em Orinda. “Vivíamos em constante alerta”, diz. “Era muito difícil ter uma vida tão clandestina, cheia de polícia e jogo de gato e rato.” Por mais que o LSD deles tenha alimentado todo tipo de grandes eventos culturais, o círculo de Rhoney era mais íntimo. Um grupo unido tanto pelas exigências de uma conspiração criminal quanto por uma cosmologia comum de idealismo lisérgico. “O LSD”, ela diz, “nos ensinou a ser uma tribo.”
Outra figura central naquela tribo era Tim Scully, um gênio da matemática de Berkeley e designer de eletrônicos que, com o tempo, construiria seu próprio império do LSD. Mais do que uma associação criminosa, Bear, Rhoney, Scully e o resto do grupo estavam unidos pelo que Scully chama de “pureza de intenções”. Um idealista em todos os sentidos da palavra, Scully acreditava que o LSD podia transformar a consciência individual — e, com isso, mudar o mundo para melhor. A melhor forma de expressar esse idealismo elevado era fabricar LSD em massa com altíssima potência e pureza, quase como se a ausência de diluição fosse uma manifestação direta da virtude do grupo.
“Fazer um produto puro,” diz Scully, “fazia parte de expressar a pureza das intenções.”
Tim Scully (Foto: Don Douglas)
Scully tomou LSD pela primeira vez em 15 de abril de 1965, com seu amigo de infância e futuro cúmplice foragido Don Douglas, quando ambos estavam na casa dos vinte e poucos anos. A viagem produziu o que os clínicos psicodélicos contemporâneos chamam de “mudança quântica”: uma transformação emocional e cognitiva capaz de alterar radicalmente a perspectiva de alguém. Quando começaram a descer da experiência, Scully virou-se para o amigo e disse: “Sabe, Don, a gente podia fazer isso.”
Scully, que hoje se refugia em uma cabana isolada perto de Mendocino, é magro e calvo, com grandes óculos redondos e uma barba grisalha bem aparada que o faz parecer um pouco com um mago. Ele passa os dias trabalhando em suas memórias e compilando um vasto projeto histórico que documenta a história da química de drogas no submundo. Trata-se, segundo ele, de “milhares de arquivos PDF massivamente interligados por hiperlinks”, que espera doar um dia para uma biblioteca universitária. Ele se autodiagnosticou com síndrome de Asperger, mas sob o efeito do ácido, ele se soltava. “Por um tempo,” recorda, “eu soube o que é ser um poeta, um artista. Universos inteiros de percepção, pensamento e sentimento se revelaram para mim.” Essa viagem formativa foi catalisada por — o que mais poderia ser? — ácido de Owsley. Scully encarregou-se de conhecer seu criador. E não teve que esperar muito. Por obra do acaso, Owsley apareceria certo dia à porta, para conversar com uma inquilina que alugava um quarto de Scully. Scully imediatamente caiu nas graças de Stanley ao se oferecer para ajudar em seu trabalho com eletrônica, montando sistemas de som para os primeiros shows do Grateful Dead e para as alucinadas “festas de ácido” de Ken Kesey. Ele chama isso de “uma longa entrevista de emprego”.
Stanley com Jerry Garcia (Foto: Rosie McGee)
No inverno de 1966, Scully e Don Douglas seguiram Owsley e os Grateful Dead até Los Angeles, onde montaram base em uma mansão de estuque apelidada de “Casa Rosa”. Scully trabalhava com eletrônicos e ajudava ocasionalmente na prensagem de comprimidos de LSD. “Eu estava pagando meus pecados para poder trabalhar em um laboratório de verdade”, diz ele. Douglas, por sua vez, ficava mais com a parte da direção — seu maior talento era conseguir dirigir caminhões de 16 pés sob efeito de 600 microgramas de ácido, o dobro de uma dose padrão de “Owsley”.
Em Los Angeles, Scully e Douglas foram aprendizes de Bear — e de outra figura crucial no grupo: Melissa Cargill. Ela foi a outra mulher presa em Orinda, algemada e levada da casa usando um traje típico maia. Se Owsley era algo como um Zelig psicodélico, que virou figura cult da contracultura (inspirando livros, artigos, adesivos, camisetas tie-dye colecionáveis), mesmo mantendo um perfil discreto à época, Cargill era praticamente fantasmagórica. “Melissa é uma pessoa reservada”, diz Scully. “Ela construiu uma nova vida com seu novo marido, voltada ao ensino, e tenho certeza de que não queria arriscar seu trabalho no sistema educacional expondo o passado.” De fato, várias tentativas de contato com ela não foram respondidas. Sua filha também recusou.
Cargill conheceu Owsley Stanley em 1964, quando era estudante da UC Berkeley. De acordo com a biografia não autorizada Bear: The Life and Times of Augustus Owsley Stanley III, de Robert Greenfield (2016), Owsley a encontrou por acaso enquanto perambulava pelos laboratórios de química do Latimer Hall em busca de uma balança eletrônica — queria medir com precisão uma dose de metanfetamina. A única outra pessoa no laboratório era Cargill, que estudava bacteriologia com ajuda de bolsas estudantis e empregos de meio período. Eles conversaram, se deram bem, e pouco tempo depois já moravam juntos em uma casa na Virginia Street, em Berkeley, apelidada de “Fábrica Verde” — por ser verde e, em certo sentido, uma fábrica. Foi lá que começaram a produzir LSD… no banheiro. O escritor Charles Perry, que morava perto da Fábrica Verde, descreveu Cargill como “uma abelhinha fofa com olhos intelectuais e delicados.” Os registros da UC Berkeley mostram que ela nunca concluiu o curso.
Melissa Cargill nos anos 1960 (Foto: Marjorie B. King/Courtesy of Stormy King/Rolling Stone EUA)
Nas biografias, reportagens e livros sobre o tema, Cargill costuma ser retratada como um contraponto a Rhoney: uma assistente de laboratório que também era namorada. No entanto, algumas fontes a colocam em um papel muito mais importante — não apenas como cúmplice na produção do melhor ácido já feito, mas talvez como sua principal criadora. Um boletim de notícias sobre a batida em Orinda dizia: “Melissa Cargill, namorada de Stanley e estudante de química, teria fornecido o conhecimento necessário para a fabricação de LSD.” O quanto disso é verdade ainda é debatido, assim como o papel operacional dela.
É bem documentado que Owsley tinha muitas ideias — sobre eletrônicos, LSD, dieta carnívora e tudo mais. Mas mesmo uma mente tão eclética não explica, por si só, a maestria na química psicodélica. Albert Hofmann, o químico suíço que sintetizou o LSD em 1938, declarou que “há poucas substâncias naturais com um espectro de ação tão amplo quanto os alcaloides do ergot”, como o ácido lisérgico. São compostos extremamente complexos. E convertê-los em LSD exige ainda mais precisão. Parece improvável que alguém, mesmo um autodidata motivado como Owsley, tenha aprendido tudo sozinho, sem orientação prática. O autor Robert Greenfield descreve Owsley e Cargill como “parceiros iguais”. Outro químico vai além: “Ela era o cérebro por trás da coisa toda.”
“Eu não estava presente quando Owsley e Melissa desenvolveram o processo para fazer LSD”, diz Tim Scully. “Mas tenho certeza de que ela contribuiu significativamente, de forma discreta.” Don Douglas, amigo de Scully, concorda: Cargill “teve muito a ver” com aquelas primeiras sínteses. Com certeza, quando ela e Owsley já estavam no centro da operação, Cargill parecia o contraponto direto dele — um isômero, em termos químicos. Ela também teria um filho com Owsley: uma menina chamada Redbird. Em um gesto de fraternidade profunda, Rhoney conta que Cargill chegou a amamentar o filho que ela teve com Bear. Enquanto Owsley estava preso, Cargill e Rhoney se revezavam para levar os bebês até a prisão para ver o pai. Rhoney lembra que Cargill se interessava principalmente pela complexidade da química, e menos pela missão elevada de “iluminar o mundo”. “Ela tinha uma qualidade adorável, encantadora”, diz Rhoney. “Mas ela não era uma revolucionária.”
Tim Scully era, se nada mais, absolutamente comprometido com o potencial revolucionário do LSD. A batida em Orinda e a prisão de Stanley deixaram um enorme vazio no mercado subterrâneo. Scully, ainda possuído por seu chamado de “espalhar LSD aos quatro ventos”, ficou mais do que feliz em assumir o papel de sucessor. Nas palavras de Don Douglas, Scully tornou-se o “herdeiro escolhido de Bear”.
Scully se uniu a outro químico clandestino: Nick Sand, um nova-iorquino extrovertido e ex-integrante da igreja psicodélica de Timothy Leary, a League of Spiritual Discovery (ou LSD, repare na sigla). Enquanto o LSD de Bear era geralmente distribuído nas ruas por gangues de motoqueiros (“Eu não aprovava os Hells Angels”, diz Scully), ele e Sand se associaram a uma organização criminosa com uma vibe mais pacífica. A “Brotherhood of Eternal Love” era um cartel sofisticado, apelidado (pejorativamente e principalmente pela polícia) de “máfia hippie”. “Não éramos máfia nenhuma”, diz Michael Randall, ex-líder da Brotherhood, sentado em um bar de pátio em Fairfax, uma simpática cidade hippie no condado de Marin, onde é tratado como celebridade local. “Não apoiávamos nenhum tipo de violência. Eu nunca usei arma.”
A influência da Brotherhood sobre a cultura das drogas nos anos 70 é difícil de exagerar. Eles importaram quantidades massivas de haxixe para os EUA (escondido em Kombis ou em pranchas de surfe ocas), cultivaram uma das variedades de cannabis mais populares e potentes da época (“Maui Wowie”) e, em 1970, conspiraram com militantes marxistas do Weather Underground para tirar Timothy Leary da prisão. Dois anos antes, em 1968, instalaram Scully e Sand em uma fazenda no condado de Sonoma, onde produziram o lendário LSD “Orange Sunshine”. Na ausência de Owsley, Randall afirma que os preços do LSD chegaram a US$ 100 por dose. Scully, Sand e a Brotherhood queriam inundar o mercado e “trazer o preço da revolução de volta à realidade”. “Milhões de dólares passaram pelas minhas mãos”, diz Randall, um homem altíssimo com um bigode desgrenhado à la Pancho Villa. “Mas nunca vimos isso como algo além de uma forma de sustentar a nossa ideia.”
Além dos festivais psicodélicos e multidões em êxtase nos concertos, o LSD tinha valor na comunidade hippie também por usos mais comedidos — como forma de tratar a depressão, ou o que se chamava na época de “ter um momento difícil”. Por mais que vendessem muito Orange Sunshine, a Brotherhood também distribuía gratuitamente. No Natal de 1970, durante um “happening” em Laguna Beach, um avião pilotado por membros do grupo lançou cerca de 25 mil doses sobre a multidão. Nos anos 60, o “ácido Owsley” circulava com nomes coloridos como White Lightning, Monterey Purple (que inspirou “Purple Haze”, de Jimi Hendrix) e Blue Cheer (que batizou a banda de hard rock de São Francisco). O Orange Sunshine de Scully e Sand, derivado da fórmula original de Stanley (e Cargill), carregou esse legado para a década seguinte. “Eu só segui os passos de Bear Stanley”, diz Scully. “Mesma dose, mesma pureza.”
Enquanto Scully e Sand mantinham um perfil relativamente discreto, a infâmia da droga também seria sua ruína. Em 1973, os federais conseguiram virar um dos grandes financiadores da Brotherhood: o herdeiro da Gulf Oil, Billy Hitchcock. Hitchcock financiava a operação com dinheiro de um fundo fiduciário que, segundo um artigo do Village Voice de 1974, somava 160 milhões de dólares. Hitchcock havia sido negligente com os pagamentos de impostos e foi persuadido a delatar Scully, Sand e outros associados da Brotherhood para salvar a própria pele. Reportagens da época afirmavam que os químicos foram “acusados de organizar uma conspiração mundial para fabricar e vender LSD em grandes quantidades.” O promotor John Molina, assistente do procurador dos EUA, disse ao júri que a dupla “produziu milhões de doses de LSD e se orgulhava disso, rindo até o cofre do banco.” Eles foram condenados: Scully foi sentenciado a 20 anos, e Sand a 15. O erudito Scully buscou anos de apelações antes de se resignar a cumprir pena. Sand, o mais inquieto da dupla, fugiu para o Canadá. A droga em si permaneceu como matéria de lenda. Pela estimativa de Randall, a Brotherhood produziu e distribuiu mais de 150 milhões de doses de Orange Sunshine. Ela saturou o submundo psicodélico — nos Estados Unidos e ao redor do mundo.
Stanley (esquerda) e Don Douglas em Amsterdam em 2007, última vez em que se viram (Foto: Sheilah Stanley/Courtesy of Don Douglas/Rolling Stone EUA)
A contracultura americana chegou tarde aos Países Baixos. No início da década de 1970, enquanto o flower power murchava nos EUA, Amsterdã se tornava uma micro-meca para hippies errantes. Foi lá, em 1972, que um cabeludo de 20 anos chamado Peter van der Heyden teve sua primeira viagem com Orange Sunshine. A experiência escancarou uma porta em sua mente. Ele queria realmente entender o que produzia uma experiência tão profunda com doses tão minúsculas, submicroscópicas. “Fiquei realmente interessado nessas moléculas”, ele explica. “Parecia um milagre que alguém pudesse fazer algo que tivesse esse tipo de efeito.”
Hoje, van der Heyden está na casa dos setenta, com uma expressão severa e séria que desmente uma vida vivida com imensa alegria e aventura. Tendo se mudado para a América do Norte, van der Heyden sonhava em conhecer os homens que sintetizaram esse milagre. Mas ele só teria essa oportunidade muitos anos depois, enquanto trabalhava como técnico de laboratório no departamento de geologia da Universidade da Colúmbia Britânica, onde havia se instalado em uma vida relativamente tranquila estudando a composição molecular de rochas antigas. Um dia, em meados dos anos 1980, van der Heyden recebeu a tarefa de descartar uma série de produtos químicos raros do laboratório de geologia; ao examinar um inventário detalhado de compostos, percebeu que alguns dos químicos ali poderiam ser combinados para produzir 3,4-Metilenodioximetanfetamina, ou MDMA. Movido tanto pela curiosidade quanto pelo tédio, ele contrabandeou um pouco do material, preparou um lote caseiro e o compartilhou com alguns amigos próximos.
Como ele se lembra, logo a notícia se espalhou pelo submundo de Vancouver. Não demorou para que um estranho aparecesse à sua porta: baixo, um pouco calvo, com lábios carnudos e olhos cercados por profundas linhas de riso. Era o antigo parceiro de Scully, Nick Sand, que estava vivendo e trabalhando na clandestinidade em Vancouver. O sonho há muito abandonado de van der Heyden — conhecer os criadores do Orange Sunshine — finalmente se realizava, como obra do destino. “Meu trabalho até aquele ponto era em escala muito pequena, fazendo alguns gramas disso ou daquilo”, ele recorda. “Nick riu e disse literalmente: ‘Eu vou te ensinar a fazer drogas com carrinhos de mão e pás.’”
Peter van der Heyden (esquerda) e Nick Sand em 2017, um dia antes da morte de Sand (Foto: Courtesy of Peter van der Heyden/Rolling Stone EUA)
Eles montaram sua própria operação massiva de LSD subterrâneo, em um laboratório escondido no subúrbio de Vancouver chamado Port Coquitlam. O trabalho diurno de van der Heyden lhe dava acesso a grandes quantidades de dietilamina, um líquido incolor com cheiro forte de amônia, usado em análises de água do mar. É também, incidentalmente, um precursor químico da dietilamida, que dá o “D” ao “LSD.” Em 1996, a dupla foi desmantelada. A Polícia Montada Real Canadense declarou que se tratava da “maior capacidade de produção de qualquer laboratório já apreendido no Canadá.” As autoridades recuperaram 43 gramas de LSD sintetizado — o suficiente para dosar cada pessoa no Canadá ao menos uma vez — junto com um estoque de Ecstasy e outras chamadas “drogas de design”, como o 2C-B. Sand, ainda procurado nos EUA, foi extraditado e sentenciado a 14 anos. Van der Heyden pegou uma pena mais leve: cinco anos em prisão canadense. No fim, ele cumpriu apenas dez meses.
As revoluções recentes na compreensão pública sobre drogas levaram van der Heyden de volta à química psicodélica — embora agora em uma capacidade mais oficial. Testemunhando as mudanças nas atitudes clínicas — e culturais — em relação aos psicodélicos ao longo da última década, ele sabia que tinha a oportunidade, e o conhecimento, para participar desse novo momento. Em 2019, fundou a PsyGen, fornecendo material psicodélico legal para testes clínicos. A empresa tem sede em Calgary, Alberta — um lugar improvável para se encontrar um laboratório do tamanho de um armazém produzindo psicodélicos em massa. Ainda assim, esse sempre foi o modus operandi dos grandes químicos psicodélicos: esconder-se à vista de todos, seja em celeiros e silos à beira da estrada, seja em espaços comerciais discretos em parques empresariais canadenses sonolentos. (O governo canadense pode conceder isenções — chamadas de “licenças de traficante” — para praticantes, pesquisadores ou, no caso da PsyGen, fabricantes que trabalham com substâncias proibidas pela Lei de Substâncias Controladas do país.) A diferença entre van der Heyden e seus predecessores é que seu trabalho é totalmente dentro da legalidade. Mas a filosofia da pureza permanece. Segundo uma reportagem do San Mateo Times, na ocasião de sua prisão em Orinda, Owsley Stanley se gabou aos policiais de que seu LSD era feito segundo os mais exigentes padrões da FDA. Van der Heyden, por sua vez, tem as certificações para provar isso.
No outono de 2022, van der Heyden realizou um sonho que nutria havia meio século: produziu seu primeiro lote legal e puro de LSD. Nos laboratórios da PsyGen, van der Heyden determinou que parte do LSD de rua pode atingir apenas cerca de 50% de pureza. Seu lote de 2022 atingiu 99,96% de pureza. “Muito poucas pessoas no mundo já experimentaram LSD realmente puro”, ele diz. “Mas para aqueles que já, o que inclui, é claro, os químicos, sabemos que há uma diferença qualitativa na experiência.”
A potência heróica do LSD de Owsley era vista por alguns como reflexo de sua própria postura machista — “devastadoramente forte de uma maneira pesada que lembrava o jeito insistente de Owsley”, como escreveu o autor Charles Perry. Para Scully e a Brotherhood, a pureza refletia a sinceridade declarada de suas ambições: a crença de que não estavam traficando uma droga, mas algo como um rito sagrado da contracultura. E, por isso, sentiam-se na obrigação de distribuir a melhor versão possível desse sacramento, mesmo que cortar custos e comprometer a pureza fosse mais lucrativo. Para van der Heyden, a pureza proporciona uma viagem mais limpa, profunda e “transparente”. Se o campo de pesquisa com LSD continuar avançando, ele espera um dia poder analisar o que chama de “a impressão digital do LSD puro no cérebro.” Por ora, no entanto, seu LSD está sendo usado para fins mais modestos — ainda que muito mais práticos.
CEO da Psygen Danny Motyka, assistente laboratorial Cory Heinricks, Diretor Científico Dr. Giorgio Baggi, e van der Hyden (da esquerda para a direita) observando os resultados analíticos do LSD hemitartarato fabricado segundo as Boas Práticas de Fabricação (GMP), que apresentaram uma pureza muito satisfatória de 99,98% (Foto: Courtesy of Peter van der Heyden/Rolling Stone EUA)
Quando ainda era legal, nas décadas de 1950 e início de 1960, o LSD foi investigado no tratamento de neuroses, esquizofrenia e alcoolismo. (O cofundador dos Alcoólicos Anônimos, “Bill W.”, acreditava que o LSD podia estimular um “despertar espiritual” que ajudaria na recuperação.) Mas a explosão contracultural do “ácido” ainda faz a droga parecer uma espécie de “criança-problema” psicoativa, nas palavras do próprio pai do LSD, Albert Hofmann. Apesar do entusiasmo renovado por drogas como a psilocibina, o MDMA e até compostos superpsicodélicos de alto impacto como o 5-MEO-DMT, o LSD continua sendo um pouco um excluído. Apesar dessas resistências, alguns pesquisadores estão mergulhando novamente em investigações clínicas com LSD — ainda que com a devida cautela e circunspecção.
O Dr. Suresh Muthukumaraswamy chegou ao LSD por um caminho bastante convencional. Após concluir seu doutorado em psicologia na Universidade de Auckland, na Nova Zelândia, Muthukumaraswamy iniciou um pós-doutorado na Universidade de Cardiff, no País de Gales. Lá, conheceu Robin Carhart-Harris, um pesquisador que havia pioneirado trabalhos recentes de neuroimagem cerebral, explorando como, exatamente, os psicodélicos afetam a química do cérebro. Ele conduziu pesquisas clínicas sobre como diversos tratamentos — a cetamina dissociativa, o medicamento antináusea escopolamina, até campos magnéticos — podem ajudar a tratar depressão clínica. Atualmente, Muthukumaraswamy atua na Escola de Farmácia de sua alma mater, a Universidade de Auckland. É um retorno importante, em grande parte porque o cenário regulatório da Nova Zelândia é relativamente mais amigável para pesquisadores que queiram trabalhar com drogas de classe A de “alto risco”, como metanfetamina, cocaína e, sim, LSD.
O Dr. Suresh Muthukumaraswamy está conduzindo os novos ensaios clínicos com LSD na Nova Zelândia (Foto: Elise Manahan/Courtesy of Suresh Muthukumaraswamy/Rolling Stone EUA)
Muthukumaraswamy conseguiu financiamento governamental para uma série de programas-piloto investigando os efeitos do LSD na atenção, no humor, na cognição e até no tratamento de sintomas severos da TPM. É parte de uma reintrodução mais ampla, ainda que bastante cautelosa, do ácido em ambientes clínicos e médicos — apesar das persistentes suspeitas culturais em torno da droga. “Existe, sim, um estigma,” ele admite. “Com o LSD, você leva isso para um conselho regulador, e eles dizem: ‘Fique longe disso.’”
Ainda assim, Muthukumaraswamy superou os obstáculos regulatórios e investigou a eficácia do LSD no tratamento do transtorno depressivo maior, com um estudo recente que forneceu “microdoses” para uso domiciliar — cerca de 10µg, não o bastante para catalisar uma experiência psicodélica completa — a um grupo de voluntários clinicamente deprimidos. As fases iniciais do ensaio mostraram uma remissão significativa de 60% nos sintomas depressivos após oito semanas. Isso representa uma melhora substancial em relação ao estado atual da arte farmacêutica: as taxas de remissão entre usuários de antidepressivos prescritos giram em torno de 43%. E o LSD usado nesse estudo foi fornecido por ninguém menos que o químico clandestino reformado Peter van der Heyden, via PsyGen. “A pureza é alta. E a estabilidade é boa”, diz Muthukumaraswamy com uma risada. “Eles fazem um LSD excelente na PsyGen!” A fórmula que van der Heyden havia aprendido com Sand — que, por sua vez, a recebera de Bear — estava agora sendo usada no laboratório.
Após oito semanas, os dados preliminares revelaram “melhoras rápidas e estatisticamente significativas” nos sintomas depressivos. Mais precisamente, houve uma redução de 60% nos sintomas, com mais da metade dos participantes apresentando remissão total. Esses benefícios duraram seis meses após o tratamento inicial com microdoses. Isso representa um aumento notável em relação às terapias antidepressivas convencionais, cujas taxas de remissão rondam os 45%. Muthukumaraswamy observa, modestamente, que o estudo correu “muito bem.” Agora ele parte para um novo estudo investigando o potencial do LSD em microdoses para mitigar a síndrome pré-menstrual severa. As drogas distribuídas nesses ensaios tendem a evitar os nomes de rua mais coloridos atribuídos ao LSD ao longo das décadas. Nada de Purple Haze, White Lightning, Blue Cheer ou Orange Sunshine aqui. Em vez disso, os pacientes são tratados com “MB22001”, uma formulação proprietária desenvolvida pela PsyGen e licenciada para uma empresa de medicina psicodélica com sede em Vancouver, que é negociada publicamente na bolsa de valores canadense. “É maravilhoso,” diz Rhoney Stanley sobre o interesse renovado no LSD. “Isso me deixa feliz. A gente sabia que era uma ferramenta útil. E agora ela está sendo colocada em uso.”
Há arrependimentos, é claro. Tim Scully lamenta seus planos esotéricos de megadosar o mundo. Mais velho, provavelmente um pouco mais sábio e quase certamente castigado por suas experiências de confronto com a guerra às drogas e o sistema carcerário americano, ele parece um pouco mais moderado. “Eu sei que, sempre que tomava LSD,” ele diz, “sentia um impulso muito forte de querer compartilhar essa experiência mágica com todo mundo, imediatamente. Se ao menos tivéssemos encontrado uma maneira de entrelaçá-la no tecido social, de modo que a sociedade oferecesse um pano de fundo de expectativas e rituais apropriados para a experiência.”
Entrelaçar uma droga tão poderosa — e, na visão de alguns crentes, verdadeiramente mágica — no tecido social mais amplo pode ofender os próprios testes de pureza de certos psiconautas convictos. Quando uma substância que já inspirou um desejo apaixonado, quase fanático, de virar o mundo de cabeça para baixo está sendo usada como medicamento para tratar males mais terrenos, pode parecer que o potencial latente do LSD está sendo contido. Mas para muitos outros, essas intervenções médicas e clínicas são apenas novas formas dos mesmos rituais psicodélicos, nos quais o LSD sempre serviu como sacramento.
Van der Heyden lembra-se de ter participado de uma conferência sobre medicina psicodélica em 2017 — uma daquelas conferências contemporâneas elegantes e empresariais que ocupam centros de convenções atualmente, onde farmacêuticos com crachás acompanham pesquisadores discutindo o desenvolvimento de drogas, desenho de ensaios clínicos, leis de patentes e o potencial do LSD no tratamento de tudo, desde depressão até dependência de cocaína, dor crônica, doença de Alzheimer e lesões cerebrais traumáticas. Ao seu lado estava Michael Randall, o ex-bandido do LSD. “Ele se virou para mim,” lembra van der Heyden, “deu de ombros e disse: ‘A gente já sabia de tudo isso nos anos sessenta.’”
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