BLUE MONDAY

Por que o New Order ainda não está no Rock and Roll Hall of Fame?

A porta estava escancarada para que os eleitores do Hall finalmente reconhecessem uma das bandas mais inovadoras de todos os tempos. Então, o que aconteceu?

Rob Sheffield - Rolling Stone EUA

Publicado em 28/04/2025, às 19h10
New Order, em 1989 - Foto: Bob Berg / Getty Images
New Order, em 1989 - Foto: Bob Berg / Getty Images

O Rock and Roll Hall of Fame anunciou sua nova lista de introduzidos, revelando que o New Order foi rejeitado este ano.

O Hall nomeou Joy Division e New Order como uma só banda, o que significava que os eleitores tinham a chance de incluir duas bandas lendárias com um único voto. Tanto o Joy Division quanto o New Order são absurdamente qualificados para o Hall da Fama individualmente — duas das bandas mais influentes dos últimos 50 anos. Mas nem mesmo juntos eles entraram? Como isso aconteceu?

Historicamente, este é um dos maiores equívocos do Hall. Os pioneiros do art-punk gótico e da disco dos anos 80 vêm sendo ignorados há 20 anos, mesmo sendo elegíveis desde o ano em que Olivia Rodrigo nasceu, e apesar de seu impacto massivo no pós-punk, no synth-pop e na música dance. Uma das melhores músicas do New Order é “Confusion” (confusão), uma das melhores do Joy Division é “Disorder” (desordem) — e parece ser exatamente isso que aconteceu aqui. Como Ian Curtis costumava cantar: “Where will it ennnnd? Where will it ennnnd?” (“Onde vai acabar? Onde vai acabar?”).

Joy Division/New Order foram indicados em 2023, mas também não entraram naquela ocasião. Ainda assim, a surpresa é ainda maior agora, já que eles pareciam uma aposta certeira na lista de candidatos deste ano, que foi bem fraca. Você com certeza verá a capa do álbum Unknown Pleasures (1979) estampada em alguma camiseta esta semana. O mesmo não se pode dizer de Chubby Checker, desculpe.

New Order, em 1989
New Order, em 1989 - Foto: Bob Berg / Getty Images

Assim como os Smiths, Pixies ou Replacements, eles são uma banda icônica dos anos 80 — hoje ainda mais influente e adorada do que na própria década de 80. Um verdadeiro exemplo de longevidade cultural. Mas, para o Hall da Fama, todas essas bandas continuam abaixo da “Linha Chubby”.

Durante anos, os eleitores do Hall resistiram à música dos anos 80, especialmente ao new wave britânico, um de seus gêneros menos apreciados. Mas acabaram cedendo em 2019, quando o The Cure foi introduzido — e deu a melhor entrevista de introdução de todos os tempos. (Pergunta: “Você está tão empolgado quanto eu?” Robert Smith: “Pelo que parece, não.”) Depois vieram o Depeche Mode, Eurythmics e o Duran Duran. Ou seja, a porta estava aberta para que os eleitores finalmente reconhecessem o New Order. Mas, pelo visto, ainda era cedo demais. Será que erraram tanto no timing?

O New Order foi a banda definitiva dos anos 80: quatro jovens antissociais que surgiram das cinzas do punk rock, experimentaram batidas eletrônicas e, sem querer, se tornaram inovadores globais das pistas de dança. Se tivessem acabado depois da morte do vocalista original Ian Curtis, em 1980, ainda seriam lembrados como Joy Division, por “Love Will Tear Us Apart”. Se tivessem encerrado a banda após o single “Temptation”, de 1982, seriam lembrados pela faixa de synth-disco/new wave de 9 minutos mais emotiva de todos os tempos. Se tivessem se separado depois de Low-Life e Brotherhood em 1986, seriam lembrados como os vampiros góticos eletrônicos mais inventivos dos anos 80. Mas nada parece ser capaz de parar o New Order, que continua sendo uma banda fenomenal ao vivo até hoje. Na verdade, desde que Peter Hook se separou do grupo — já vamos chegar lá —, são duas bandas fenomenais ao vivo.

O Joy Division surgiu na zona industrial do norte da Inglaterra, em Manchester, no final dos anos 1970, encontrando um som distópico que refletia a desolação urbana ao seu redor. Eles chocaram o mundo — e a si mesmos — com a grandiosidade sombria do álbum de estreia Unknown Pleasures. O poeta atormentado Ian Curtis transformava seus pesadelos em gritos do coração, de “Disorder” a “New Dawn Fades” e “She’s Lost Control”. Há também a clássica capa do álbum, que a Rolling Stone elegeu como a maior de todos os tempos — uma imagem assombrosa de um pulsar, solitário no espaço, a 978 anos-luz de distância.

O som da banda vem sendo imitado desde então — a guitarra estacada de Bernard Sumner, a bateria nervosa e robótica de Stephen Morris, e o instrumento principal: o baixo elástico de Peter Hook. “Love Will Tear Us Apart” foi o grande sucesso deles no Reino Unido em 1980 — tragicamente, um sucesso póstumo. Ian Curtis tirou a própria vida em Manchester, na noite anterior à primeira turnê americana da banda. Eles deixaram para trás singles clássicos como “Dead Souls”, “Atmosphere” e “Transmission”, em que Curtis implora “Dance dance dance dance dance ao som do rádio”, como se fosse um grito por salvação.

Seus companheiros poderiam ter desistido. Mas eles permaneceram juntos, mudaram o nome para New Order, trouxeram a namorada de Morris, Gillian Gilbert, para tocar teclado, e começaram do zero, recusando-se a tocar material do Joy Division. Nenhum deles sabia cantar, então sobrou para Sumner assumir o vocal. Abalados pela perda do amigo, começaram a brincar com sintetizadores primitivos e baterias eletrônicas. E, de alguma forma, essas experiências desajeitadas se transformaram em sucessos mundiais nas pistas de dança, como “Blue Monday”, “True Faith” e a que sempre enche as pistas “Bizarre Love Triangle”. Quanto mais famosos se tornavam, mais estranhos ficavam. “The Perfect Kiss” é puro desespero de madrugada nas baladas; Sumner fala por gerações de jovens solitários quando canta: “Esta noite eu deveria ter ficado em casa / Brincando com minha zona de prazer”.

Até seus desastres são lendários. Eles fundaram a boate Hacienda em Manchester, um fiasco famoso da era acid-house. (O livro hilário de Hook sobre o assunto se chama How Not to Run a Club.) Junto com o designer Peter Saville, eles lançaram “Blue Monday”, de 1983, em uma edição de vinil 12 polegadas tão cara que perderam dinheiro a cada cópia vendida — mas, claro, acabou se tornando o single em 12 polegadas mais vendido da história, influenciando a música dance desde então. Eu tenho pelo menos uma amiga que deve a vida ao fato de que seus pais se conheceram em uma pista de dança em Miami quando “Blue Monday” começou a tocar na casa noturna. Mas, de certa forma, todos nós somos filhos de “Blue Monday”.

Meu disco favorito do New Order sempre será o EP Factus 1981-1982, meia hora de grooves com guitarras pós-punk nervosas, sintetizadores e baterias urgentes, com cinco das melhores músicas da banda. Eles nunca superaram a versão original de 9 minutos de “Temptation”, uma celebração disco da ansiedade social, com o refrão: “Up, down, turn around, please don’t let me hit the ground!”. Há um momento de cortar o coração exatamente aos 5min36seg, quando o baixo do Hooky sobe uma oitava por alguns pulsos hiperemocionais, logo depois do grito de Barney: “I’ll always try to break the circle that’s been placed around me.” (“Eu sempre tentarei quebrar o círculo que colocaram ao meu redor.”). Esse “chamado e resposta” fraterno é profundamente comovente — ainda mais vindo de dois caras que, como se sabe, se odiavam. O momento dura apenas alguns segundos, mas, depois que você o ouve, ele fica gravado na alma para sempre.

O melhor álbum completo deles é Brotherhood, com a explosão sincera de “Weirdo” e “Broken Promise”. Depois vem Power, Corruption, and Lies (especialmente o lado B do vinil), Low-Life (especialmente o lado A), Technique (principalmente “All the Way”), Movement (com destaque para “Chosen Time”) e Waiting for the Siren’s Call. Já nos anos 1990, eles surfavam na onda acid-house pós-Ibiza — uma cena que não teria existido sem eles.

A carreira toda da banda é repleta de momentos dignos de Hall da Fama: o solo de guitarra áspero que explode no meio de “Age of Consent”, a gaita brincalhona em “Love Vigilantes”, os brilhos de sintetizador de Gillian Gilbert em “Thieves Like Us”, e o clímax avassalador de “Disorder”, onde Ian Curtis grita "feeling feeling feeee-liiiing", enquanto Stephen Morris fecha tudo com três estrondosos golpes de prato.

Certo, as letras. Eu estava torcendo para que você não as mencionasse. Você me pegou. Não posso argumentar que o New Order merece estar no Hall da Fama por poesias como “I would like a place I can call my own / Have a conversation on the telephone.” (“Eu gostaria de um lugar que pudesse chamar de meu / Ter uma conversa ao telefone.”) Bernard cantava versos terríveis e brilhantes — muitas vezes na mesma música —, mas parte do charme juvenil dele era justamente nunca perceber a diferença. “I feel so low, I feel so humble, sometimes in life we take a tumble” (“Me sinto tão pra baixo, me sinto tão humilde, às vezes na vida a gente tropeça”) — se você algum dia cantasse essas palavras em um microfone, não apenas apagaria a gravação, mas incendiaria o estúdio e eliminaria qualquer testemunha.

Mas o New Order adorava esse tipo de coisa. Isso virou parte do mistério da banda — o fator “ele disse isso mesmo?” que nunca desaparece. “Every time I see you falling, I get down on my knees and pray” (“Toda vez que te vejo caindo, me ajoelho e rezo”) é um refrão genial; “Oh, God, Johnny, please don’t point that gun at me” (“Oh, Deus, Johnny, por favor não aponte essa arma para mim”) é um verso horrível; e não há nenhuma evidência de que alguém na banda se importasse com isso.

Se algum dia eles forem incluídos no Hall, com os quatro na mesma sala, haverá drama de altíssimo nível naquele palco. Hook e os outros três não se falam há anos. Quando saiu, ele formou sua própria banda para tocar esse repertório, chamada The Light. Sumner e Hook escreveram autobiografias detalhando os motivos pelos quais se detestam. Quando foram indicados pela primeira vez, Hook refletiu: “Talvez isso seja o ramo de oliveira de que precisávamos.” Mas talvez seja preciso mais do que um ramo de oliveira — provavelmente um ato de Deus. Ainda assim, esperamos ver isso acontecer algum dia. Quem sabe eles toquem “No Love Lost”.

Joy Division/New Order são definitivamente uma das maiores omissões do Rock and Roll Hall of Fame — mas não são os únicos. Os votantes têm um medo histórico do “outro dos anos 80”, especialmente se envolver sintetizadores, cabelos extravagantes ou sotaques britânicos. E esqueça os anos 90, cuja maioria dos grandes nomes do rock nunca sequer foi indicada — uma era que o Hall evita desesperadamente, mesmo tendo sido o auge cultural e comercial do rock. Para os votantes, qualquer rock depois de 1980 ainda é uma má companhia, e o Hall não [wukka-WHAM wukka-WHAM wukka-WHAM] “feel like makin’ love”. O Hall da Fama continuará vasculhando os anos 60 e 70 atrás de artistas medianos enquanto puder, e por que não? Todo mundo adora reclamar do Hall — é para isso que ele existe. (Luther Vandross? Nunca indicado! Sério! Fiona Apple? Também não!) Mas é só uma questão de tempo até que os votantes reconheçam o legado inescapável do Joy Division/New Order. Na verdade, toda a história da música pop está contida na evolução deles. Eles são a banda que emergiu dos escombros dos anos 70 e acabou inventando os anos 80.

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