Por que tantas músicas pop hoje parecem feitas para audições de The Voice?
Alex Warren, Benson Boone e outros sucessos impulsionam uma onda de lançamentos pop perfeitos para realities de competição musical
Aline Carlin Cordaro (@linecarlin)
Publicado em 12/05/2025, às 11h33
O single de destaque de Alex Warren, Ordinary, tem uma história de fundo digna de televisão. O artista de 24 anos escreveu a música sobre sua esposa, Kouvr Annon, com quem começou a namorar aos 18 anos. Na época, não parecia o melhor momento para iniciar algo tão novo e intenso. Warren já havia enfrentado a dor de perder o pai quando criança e, ao atingir a maioridade, foi expulso de casa pela mãe, que lutava contra o alcoolismo. Sem ter para onde ir, ele passou a viver no carro. Quatro meses depois, Annon saiu de casa para se juntar a ele.
A história de Warren reúne todos os elementos de uma narrativa de superação: amor, perda e um final esperançoso. São exatamente as caixas que produtores de programas como The Voice e American Idol tentam preencher ao apresentar um novo talento ao público — não produtores de discos, mas sim os que criam realities de competição. O formato é previsível: o espectador recebe histórias emocionais para aumentar o investimento emocional. Quando o jovem e sonhador cantor finalmente se apresenta, o público já torce por ele. Só falta a música para completar a história. O algoritmo do TikTok garantiu que Warren não precisasse expor seu sofrimento em realities para encontrar sua audiência. Mas se tivesse tentado, Ordinary teria garantido a ele a virada de quatro cadeiras.
Atualmente o single segue a fórmula clássica das competições: não necessariamente no repertório, mas na estrutura da apresentação. A produção é enxuta, para não encobrir o vocal. A voz precisa ser distinta o suficiente para gerar interesse. E, em um minuto e meio, é essencial haver uma subida dramática de oitava — uma cartada final caso ninguém tenha pressionado o botão. Warren acerta todos os requisitos em Ordinary: a melodia simples de piano inicia a música, e a subida de oitava acontece aos 50 segundos. E ele não está sozinho: as chamadas "músicas de audição de The Voice" dominam as paradas pop.
Antes de Benson Boone sentar ao piano em sua audição para American Idol em 2020, ele contou aos jurados que só havia descoberto seu talento vocal um ano antes. Ele tropeçou um pouco nas notas de Punchline, de Aidan Martin, e teve um minuto para impressionar. A subida de oitava chegou no meio da apresentação.
“Vejo você vencendo o American Idol se quiser,” disse Katy Perry.
Boone, no entanto, decidiu sair da competição após chegar ao Top 24. Naquela temporada, o programa abandonou o contrato de gravação com a BMG para focar no desenvolvimento dos artistas após o reality. Já com uma base considerável no TikTok, Boone optou por seguir carreira independente.
Hoje, o hit Beautiful Things, de Boone, é a escolha de novos candidatos. Em setembro de 2024, o participante de The Voice, Creigh Riepe, usou a música em sua audição às cegas. Durante o primeiro minuto, cantou para cadeiras viradas. Ao alcançar o trecho “Don’t take... these beautiful things that I’ve got”, Gwen Stefani e Reba McEntire bateram nos botões. Quando Boone trocou a TV pelo TikTok, foi justamente esse momento da música que conquistou o público.
Beautiful Things ocupa atualmente o décimo lugar na Hot 100, logo abaixo de Lose Control, de Teddy Swims — uma versão mais soulful do mesmo formato. A música começa forte, com o ápice vocal surgindo aos 45 segundos. Swims passou 88 semanas na parada, contra 65 de Boone e 11 de Warren. Lose Control também garantiu aprovação unânime para candidatos como Ajii Hafeez (Season 22) e Jamier Jones (Season 23) no American Idol. Jelly Roll, outro artista que se beneficiou desse tipo de música, também participou recentemente do programa como convidado especial.
Até estrelas veteranas como Lady Gaga e Bruno Mars aplicaram essa fórmula em músicas como Die With a Smile, embora possam ser creditados como coautores do modelo.
O catálogo não oficial de músicas para realities cresceu nos últimos anos, ultrapassando clássicos como Gravity, de John Mayer, Before You Go, de Lewis Capaldi, e quase todas as baladas de Ed Sheeran. Em 2022, Stephen Sanchez aproveitou sua base online para transformar a balada Until I Found You em um hit após fazer covers de Harry Styles, James Bay e Cage the Elephant. Agora, a música se junta a outros sucessos como Arcade, de Duncan Laurence, e Be Alright, de Dean Lewis — canções que se tornaram mais reconhecíveis que seus próprios intérpretes, funcionando como telas em branco perfeitas para audições.
Quando Chappell Roan tentou o The Voice há mais de uma década, ela escolheu Stay, de Rihanna, mas não causou o impacto esperado.
“O produtor ou seja lá quem fosse nem levantou o olhar do celular,” disse ela à W Magazine. “Subi no palco e cantei a cappella — a coisa mais assustadora — e ele nunca realmente me olhou.”
Hoje, candidatos tentam a sorte interpretando canções dela. O participante Conor James, por exemplo, cantou Pink Pony Club nos playoffs, mas acabou eliminado. Talvez alguns artistas tenham tanta personalidade em suas músicas que elas não se encaixam facilmente em outras vozes — especialmente novos cantores que ainda não consolidaram sua identidade.
A dinâmica de se apresentar diante de jurados não é tão diferente da competição por atenção no TikTok. Em vez de virar cadeiras ou ganhar um “sim”, o objetivo é impedir o usuário de rolar para o próximo vídeo. A diferença é que nos realities os músicos têm cerca de um minuto para se provar; online, apenas alguns segundos.
Entretanto, a audiência televisiva encolheu. O público do American Idol caiu de 11 milhões em 2014 para 5,5 milhões hoje, enquanto o The Voice passou de 14 milhões para 7 milhões no mesmo período. Por outro lado, o TikTok lançou mais carreiras nos últimos cinco anos do que The Voice e American Idol juntos em mais de uma década.
Com o TikTok, músicas que talvez não funcionassem em realities — como Messy, de Lola Young, Back to Friends, de Sombr, ou Chest Pain, de Malcolm Todd — conseguem encontrar seu público. Esses artistas aproveitam o entusiasmo de quem sente que descobriu um talento prestes a explodir.
O problema é manter esse interesse. Milhões podem torcer por um artista durante o programa, votá-lo como vencedor, mas podem rapidamente perder o interesse se o trabalho autoral não corresponder às expectativas criadas pelas covers.
Alex Warren já tinha uma entrada na Hot 100 com Burning Down (que ficou 14 semanas na parada e alcançou a posição 69), mas Ordinary é seu primeiro grande sucesso. Ele lançou recentemente uma “versão casamento” da música, em uma estratégia semelhante à de Ed Sheeran com Thinking Out Loud.
Enquanto isso, Benson Boone está tentando se afastar da fórmula com músicas mais pop, como Sorry I’m Here For Someone Else e Mystical Magical.
“Acho que estou chegando ao ponto em que quero que as pessoas saibam que há mais do que apenas aquela música,” disse Boone à Rolling Stone no início deste ano. “Ainda tenho orgulho dela. E vou cantá-la por um bom tempo.”
Assim como as futuras gerações de candidatos do The Voice.